“Não há defensividade no Corpo de Cristo. O Senhor ouve o clamor dos pobres. Devemos procurar imitá-lo. Não devemos nos iludir de que as coisas são mais justas e harmoniosas do que realmente são. É crucial que nós, como Igreja, não apenas ouçamos, mas realmente escutemos as pessoas. Isso é o que amolece nossos corações e os prepara para a conversão, e o que nos dá a confiança de bispos para saber que, sim, aquela novidade que estamos discernindo é um movimento do Espírito, porque nosso povo também o escuta”, escreve Joseph R. Tobin, cardeal, arcebispo de Newark, EUA, em artigo publicado por Commonweal e La Croix International, 29-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quanto mais tempo Francisco é papa, mais nítidos ficam os aspectos do seu programa de pontificado, mesmo que eles fossem evidentes desde o início. Sigam o seguinte exemplo.
Em 2013, uma charge editorial visualizou a eleição do novo papa com uma ilustração do planeta Terra, visto do espaço com o Papa Francisco estando em um dos polos e a América do Sul proeminentemente visível na geografia da Terra.
Para conseguir esse efeito visual, trazer a América do Sul à tona – como a eleição de um novo papa vindo da Argentina fez – o cartunista, David Horsey, fez uma escolha artística profética.
Charge de David Horsey, publicada em 2013, pela eleição do Papa Francisco, no jornal LA Times
Apesar de aparecer no destaque do quadro, Papa Francisco está posicionado no Polo Sul, e o mundo virado para baixo.
Essa charge apareceu três anos antes da eleição de Donald Trump e o caos que esta desencadeou; cinco anos antes da última reaparição das crises de abusos em locais como Chile e, sim, Newark; e sete anos antes da pandemia de covid-19.
Nós aprendemos o que é para o mundo ser virado de cabeça para baixo.
Mas cada um desses eventos também esclareceu porque Deus nos enviou esse pastor do hemisfério sul.
No início de 2013, nós pensávamos que seria uma reforma institucional, um outsider que poderia conduzir a remodelar a cúria e colocar a Igreja de volta no caminho.
Em 2016, quando Donald Trump, Rodrigo Duterte e outros demagogos chegaram ao poder, nós pudemos ver claramente que o Papa Francisco – um homem que testemunho os horrores da Guerra Suja na Argentina de perto – poderia profeticamente oferecer uma alternativa à escuridão.
Ele poderia nos alertar que alianças e conveniência com ditadores sempre acabam em lágrimas, morte e perda da essência do Evangelho.
Em 2018, com a reaparição das crises e abusos, nós novamente vimos Francisco através das lentes da reforma institucional, mesmo embora ele claramente se veja com um papel muito mais profundo que apenas um administrador.
E quando a covid-19 deixou o planeta paralisado, nós vimos imagens assustadoras de um homem em branco, caminhando sozinho através de uma vazia e chuvosa praça, implorando a Deus por misericórdia e libertação.
Quanto mais nos juntamos à jornada, mais encontramos juntos as coisas se tornando nítidas.
Das palavras que vieram ao longo dessa jornada do bispo de Roma e do Povo de Deus reunido – misericórdia, alegria, discernimento, formação, diálogo – a mais incompreendida é “sinodalidade”.
Por agora, “sinodalidade” é uma palavra aproximada com o papado.
Francisco continua chamando por uma Igreja mais descentralizada, marcada pela colaboração e tomada de decisão consultiva, uma funcionalidade que nós geralmente associamos mais com as estruturas horizontais das Igreja do Oriente que com a hierarquia verticalizada romana do Ocidente.
Em oito anos, o pontificado de Francisco realizou cinco encontros sinodais:
Os Sínodos da Família de 2014 e 2015, o qual explorou o papel essencial de evangelização da família e os problemas humanos que podem aparecer no caminho, tudo isso extremamente resumido em sua bela exortação, Amoris Laetitia.
O Sínodo da Juventude, em 2018, o qual procurou integrar a jornada e as lutas dos jovens no acompanhamento da Igreja a eles.
E o Sínodo da Amazônia, em 2019, o qual deu centralidade às vozes das periferias e nos deu uma quebra no percurso em quão perniciosas as forças da exclusão podem ser levadas por esses irmãos e irmãs em Cristo.
E agora, em uma data que ainda será anunciada, haverá o sínodo sob o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. E o cético deveria perguntar, “Um sínodo sobre sinodalidade?”.
Não é um resumo do que o Papa Francisco nos alerta quando ele bate na Igreja por ser “autorreferencial”?
Mas eu diria que a reunião é essencial para nosso crescimento compartilhado como Corpo de Cristo, para sermos mais conscientes e intencionais em nossa adoção do que o Papa Francisco vê claramente — e defende abertamente — como o modelo de Igreja que o Senhor espera de nós neste milênio.
Um milênio: mesmo em termos de Igreja, é o que chamamos de longo jogo.
Mas a sinodalidade é de fato o longo jogo do Papa Francisco. É um processo que nos desafiará e exigirá mudanças no que somos como Igreja.
O que descobriremos é que a sinodalidade é um foco no caminho do Corpo de Cristo ao longo da história, um caminho que promove uma conversão contínua e, em última instância, nos chama à misericórdia.
Ao lidar com o Papa Francisco, é aconselhável ter a misericórdia como guia. Por exemplo, a irmã Prudence Allen, uma Irmã da Misericórdia e uma das mulheres nomeadas pelo Papa Francisco para a Comissão Teológica Internacional, que a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano assessora.
A comissão produziu um documento, Sinodalidade na vida e missão da Igreja, em 2018, e em uma reflexão escrita sobre este, a irmã Prudence usou uma série de frases e imagens evocativas:
“discípulos caminhando juntos... companheiros de jornada devem estar no serviço mútuo uns aos outros... pessoas que caminham na história rumo à realização do Reino... Caminhando junto com Cristo em uma nova ousadia de falar com humildade de coração... um 'caminho de diálogo' em que aprendemos a reconhecer 'a presença de Cristo que caminha ao nosso lado...”
Eles soam familiares? Muitos notaram o gosto de Francisco pela ideia de um acompanhamento de viagem.
No entanto, nem todos abraçaram essa hermenêutica da jornada; uma manchete do U.K. Catholic Herald em março dizia: “Caminhando juntos, mas ... para onde?”.
Isso é pensar demais, no entanto, e ignora as próprias molduras que se estendem em torno de nossa tradição. Afinal, Jesus caminhava muito. Ele também deu o Grande Compromisso para “ir e fazer discípulos de todas as nações”.
Paulo olhou para trás em seu ministério, dizendo que ele “correu a corrida”, e uma das razões que João XXIII deu para convocar o Concílio Vaticano II foi “para tornar a permanência humana na terra menos triste”.
Vale a pena observar as palavras de João XXIII, porque de muitas maneiras, ainda estamos presos na perna da jornada que ele iniciou com o Vaticano II.
O grande estudioso jesuíta John O'Malley afirma que, para receber plenamente um concílio ecumênico, a Igreja precisa de cem anos. O Papa Francisco, cuja eleição e pontificado inicial coincidiram com a marca dos cinquenta anos, sabe disso (e os segundos cinquenta anos seriam sempre mais interessantes).
Ele reconheceu a linha direta do concílio quando convocou um Ano Jubilar da Misericórdia, citando explicitamente o discurso de abertura de João, no qual disse que a Igreja prefere o remédio da misericórdia ao espírito de severidade.
Outra crítica do modelo sinodal lamenta que ele equivale a uma “Emaús parcial” — isto é, busca acompanhar, mas não converter. Eu argumentaria que um movimento da severidade para a misericórdia já é uma conversão e tanto.
Mas não podemos apenas esperar que as pessoas se redimam e voltem. Temos que cuidar de nossa própria conversão primeiro. E para fazer isso, temos que sair.
Somos o Corpo de Cristo, no mundo. E o que os corpos saudáveis fazem? Eles se movimentam.
Pouco antes do início da terceira sessão do Concílio, Paulo VI publicou sua primeira encíclica, Ecclesiam suam, na qual propunha o diálogo não apenas como um método pragmático de comunicação ou solução de problemas, mas como um paradigma para expressar a relação salvífica entre Deus e os seres humanos.
Então, nos últimos meses do concílio, ele instituiu o Sínodo dos Bispos, que desde então realizou quinze assembleias ordinárias e numerosas especiais, procurando fornecer uma espécie de propulsão para a Barca de Pedro sobre questões cruciais na vida da Igreja.
Mas o registro do Sínodo dos Bispos ultimamente tem estado sob fogo pesado de amigos e inimigos.
Houve uma crítica memorável em 2018 de Adam A. J. DeVille, um católico oriental e professor de teologia, que em “A Short Defense of Authentic Synodality” (“Uma pequena defesa da sinodalidade autêntica”, em tradução livre”) disse que os sínodos, como entendidos ao longo da história da Igreja Católica Romana, da Igreja Ortodoxa, das Igrejas Católicas do Oriente e da Comunhão Anglicana,
“não são conferências temáticas que discutem os interesses da boutique de um ou outro grupo. Em vez disso, os sínodos são assuntos de negócios (raramente mantidos sob os holofotes da mídia mundial), com poderes de aprovar leis e eleger bispos (e, em alguns casos, discipliná-los). Os atuais estatutos que regem esses chamados sínodos romanos de bispos não permitem que eles façam nada ... Se a Igreja latina continuar na direção sinodal, ela não deve permitir que seus pseudo-sínodos desordenados pós-1965 a assustem da coisa real”.
DeVille finalmente levantou o chamado da Comissão Teológica Internacional por uma sinodalidade autêntica que é vivida “em diferentes níveis e em diferentes formas”, refletindo a fé da Igreja universal, envolvendo a liderança dos bispos locais e o ministério de unidade do Papa.
É essa visão aspiracional que eu acredito que explica a estima que alguns, como o Patriarca Ecumênico Bartolomeu, têm pelo Papa Francisco.
Eu acredito que ele reconhece um exercício de autoridade que captura com profunda intencionalidade uma forma de fazer e ser Igreja que essa tradição se esforça a viver.
Francisco não está apenas imitando os ortodoxos em um esforço para forçar o Corpo de Cristo a respirar com os dois pulmões. Em vez disso, ele busca recuperar a Igreja mais colaborativa de uma época em que não tínhamos dois milênios de inércia institucional embutida em nossa tradição.
O termo do Vaticano II foi refundamento, reconectando-se com as raízes antigas de nossas tradições para trazer uma nova vida a elas.
Não podemos negar que durante séculos a Igreja usou a sinodalidade como uma forma de expulsar as pessoas. A cada concílio ecumênico inicial, nos reuniríamos para repudiar essa heresia ou definir esse dogma, e o Corpo de Cristo continuaria pesadamente.
Mas eu proponho que entramos em uma nova etapa da jornada.
Atos de sinodalidade não funcionam mais como declarações dogmáticas abrangentes, mas são usados para ajustar como o Evangelho é aplicado aos sinais dos tempos.
E com isso vem o próximo ponto importante do longo jogo de Francisco: a conversão.
Quando eu digo “conversão”, eu estou falando sobre a própria conversão da Igreja, uma nova forma de entender a abordar como nós conduzimos nossa missão.
Francisco corretamente criticou o pensamento de “mas sempre foi feito desse jeito”. João XIII disse que nós na Igreja não somos chamados para guardar um museu, mas a fazer florescer o jardim da vida.
O mesmo serve para a Igreja sinodal. Você não pode demonstrá-la com uma atitude imperiosa, como se tivesse todas as respostas.
De fato, João XXIII leu os sinais da turbulência e destruição da primeira metade do século XX e viu que a Igreja teria de ser intencional e missionária como poderia com seu testemunho — e que a maneira de conseguir isso era por meio de um Concílio.
Com efeito, ele pediu ao Concílio que criasse um projeto para o motor que impulsionaria a Igreja no terceiro milênio. João lançou uma visão: é isso que precisamos construir.
O Vaticano II produziu um projeto. Paulo VI começou a trabalhar na sua construção. João Paulo II certificou-se de que obedecia às especificações exatas exigidas. Bento XVI deu os retoques finais e agora Francisco o colocou em prática (acho interessante, agora que Francisco começou a acelerar o motor para ver o que ele pode fazer, que as pessoas que parecem mais ameaçadas são as que têm a compreensão mais engenhosa de todas as normas e cânones: se A = união irregular e B = não viver como irmão e irmã; logo A + B = nunca pode ser admitido à Eucaristia).
Mas Francisco não está apenas nos desafiando a nos movermos mais rápido.
A conversão institucional mais profunda também envolve ser ágil e estratégico em nosso discernimento.
Uma das melhores avaliações de Francisco vem do jornalista Christopher Lamb. Ele observa que Francisco sabe quais barragens irão inevitavelmente estourar. Não faz muita diferença se um homem, mesmo sendo o papa, está pulando para cima e para baixo no topo da represa, tentando apressar — ou parar — a mudança.
Mas faz diferença se alguém em uma verdadeira posição de liderança está liderando outros no reforço dos bancos. Temos que construir isso juntos, com plena consciência, autenticamente e com um espírito de discernimento para onde o Espírito quer que vamos.
Para muitos, uma das grandes surpresas de todas as aventuras sinodais sob o Papa Francisco foi sua rejeição de uma recomendação do Sínodo da Amazônia de 2019 — ou seja, ordenar ao sacerdócio homens casados de “viri probati” em regiões remotas onde os padres são escassos.
O que foi fascinante foi que a razão que ele deu não era teológica, mas orientada para o processo, dizendo que o sínodo tinha mostrado uma “lógica parlamentar”, em vez de um autêntico discernimento de grupo.
É sabido, leva anos para planejar um sínodo. Se fosse apenas uma farsa para permitir que o papa impulsionasse sua agenda não tão secreta na Igreja, ele teria uma maneira estranha de fazer isso.
O tema do Sínodo sobre a sinodalidade poderia ser: “Faça de novo. Mostre seu trabalho desta vez!”. Um sucessor de Joseph Bernardin, o cardeal Blase Cupich, usou a bela imagem dos magos do Evangelho para ilustrar o processo sinodal: “Eles voltaram por um caminho diferente”.
Veja o fenômeno do Vaticano II e a conversão que a sinodalidade promoveu entre os padres conciliares.
A Cúria havia trabalhado para garantir que os documentos de trabalho do Concílio não fossem receptivos a reformas radicais. Mas uma vez que você teve três mil bispos na mesma sala e invocou o Espírito Santo, algo aconteceu.
O secretário particular de João XXIII, Loris Francesco Capovilla, que aos 98 anos foi nomeado cardeal pelo Papa Francisco, descreveu a justificativa de João para convocar o concílio em um documentário para o Serviço de Notícias Católico, “Vozes do Vaticano II”.
Capovilla lembra o Papa João XXIII dizendo: “Foi muito bom que depois da Segunda Guerra Mundial, três instituições internacionais tenham sido estabelecidas: a ONU para a paz, a Organização para Alimentação e Agricultura para o pão, a UNESCO para a cultura. Por que não podemos também nos reunir para conversar?”.
E é justamente esse pós-guerra, em que o mundo estava de pernas para o ar, que nos aponta para a conversão final do longo jogo de Francisco: a conversão à misericórdia.
Uma coisa que a sinodalidade e um mundo virado de cabeça para baixo têm em comum é que ambos nos proporcionam o que Dietrich Bonhoeffer chamou de “a visão de baixo”.
Uma maneira de ver isso: a eleição do Papa Francisco abriu o resto do mundo para o rico fermento teológico da Igreja na América Latina, com seu forte senso de missão, encontro, periferias e misericórdia.
Outra maneira de entender a “visão de baixo” de Bonhoeffer é pensar em termos das periferias dos marginalizados e oprimidos. O Papa João disse a famosa frase que convocou o Concílio para abrir uma janela.
Sempre associamos isso a deixar entrar ar fresco, mas outra coisa acontece quando você abre uma janela: você pode ouvir o que as pessoas de fora estão dizendo.
Quando convidamos as pessoas a refletir e avaliar as questões difíceis, obteremos respostas que nós, como hierarquia, ou mesmo uma Igreja inteira, achamos difíceis.
Antes do início do Vaticano II, o historiador judeu Júlio Isaac buscou uma audiência com João XXIII. Isaac esperava que o próximo Concílio repudiasse o antigo “ensino de desprezo” pelo povo judeu.
Sua pesquisa mostrou como o antissemitismo cristão desempenhou um papel central na instigação da Shoá; não havia algo que o papa pudesse fazer?
Nós sabemos que, graças à abertura de João XXIII e o processo sinodal do Vaticano II, o decreto do Concílio sobre as religiões não-cristãs, Nostra aetate, definitivamente rejeitariam o antissemitismo, seja na Igreja Católica ou qualquer lugar.
Para uma Igreja glacial, isso foi um raio quente de purificação para nosso testemunho – e, eu acredito, um modelo que teve aplicação no contexto sinodal.
Como João concordou se encontrar com Jules Isaac, Francisco se encontrou com Juan Carlos Cruz, um sobrevivente chileno de abusos sexuais, cujo encontro exerceu um papel importante em instituir uma nova, mais misericordiosa abordagem para escutar os clamores desses filhos de Deus. Agora Cruz é membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, indicado por Francisco.
As periferias serão trazidas ao centro, e a Igreja – incluindo o próprio Papa – sofreu conversão.
E nós podemos ver sinais dessa conversão para misericórdia alimentada pela sinodalidade em torno de nós na Igreja hoje, se a procurarmos.
Francisco escreveu em Fratelli Tutti que “a discussão pública, se realmente abrir espaço para todos e não manipular ou ocultar informações, é um estímulo constante para uma melhor compreensão da verdade”.
A irmã Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo dos Bispos, observou que sua nomeação histórica é um sinal de que a Igreja está atendendo ao chamado para centrar as vozes das mulheres.
Há o documento mais recente da Seção de Migração do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, que enfoca a situação das pessoas que são forçadas a migrar devido às mudanças climáticas.
E recentemente, marcando o 150º aniversário da nomeação de Santo Afonso de Ligório como Doutor da Igreja, o Papa Francisco elogiou a abordagem do santo de “ouvir e aceitar as fraquezas dos homens e mulheres que estavam mais abandonados espiritualmente”.
Alguns podem dizer que tudo isso tem um toque de “despertamento”. Mas direi que a beleza de uma tradição religiosa de dois milênios e de um bilhão de membros é que existem estruturas para se apoiar um pouco acordado.
Estamos profundamente enraizados. Não há defensividade no Corpo de Cristo. O Senhor ouve o clamor dos pobres. Devemos procurar imitá-lo.
Não devemos nos iludir de que as coisas são mais justas e harmoniosas do que realmente são.
É crucial que nós, como Igreja, não apenas ouçamos, mas realmente escutemos as pessoas.
Isso é o que amolece nossos corações e os prepara para a conversão, e o que nos dá a confiança de bispos para saber que, sim, aquela novidade que estamos discernindo é um movimento do Espírito, porque nosso povo também o escuta.
Uma palavra importante em como a Igreja aborda a misericórdia, e que é útil para entender a sinodalidade, é “integração” — a questão do que precisa ser integrado.
E eu diria que, neste caso, é útil integrar o cabeça da Igreja e o resto do Corpo de Cristo. Imagine um corpo onde as extremidades externas são frias e cinzentas.
O coração pode estar batendo, mas a força vital não está alcançando todos os capilares.
Penso na frase em Amoris Laetitia de que “nem todas as discussões de questões doutrinárias, morais ou pastorais precisam ser resolvidas por intervenções do magistério”.
Uma interpretação, que penso ter sido deliberadamente obtusa, sugeria que isso significava que Amoris em si não fazia parte do magistério. Não, o que Francisco estava dizendo é que o Vaticano não é a única parte do Corpo de Cristo.
Francisco foi claro; ele vê seu papel como a proteção da tradição.
A cabeça é boa para pensar, olhar em volta, talvez definir nossa visão no horizonte distante e, ocasionalmente, bater nossa testa contra a parede em frustração.
Mas não podemos levantar as coisas, não podemos abraçar as pessoas, apenas com nossas cabeças. Onde estão os braços estendidos do Corpo de Cristo?
Uma circulação entre o centro e as periferias deve ser uma parte maior do dia a dia da Igreja.
E à medida que continuamos nessa missão de Deus, temos que nos manter sintonizados com todo o nosso corpo, com os pontos de tensão e até mesmo com as feridas não cicatrizadas que correm o risco de tornar nosso testemunho tóxico — racismo, misoginia, clericalismo, abuso sexual...
Mas Deus transforma tudo. O que é uma ferida não curada que é tocada por Deus? É algo que outro homem chamado Francisco carregou em seu corpo: os estigmas, as feridas de Jesus Cristo.
Uma Igreja de autêntica sinodalidade, que caminha junta, ouve e traz misericórdia a todos os que encontramos, por dentro e por fora, é aquela que nunca esquece as nossas partes feridas e o poder que têm para inspirar a fé.