28 Mai 2021
"A Igreja de Francisco não tem soluções para essas questões. Nem pretende sobrepor sua própria linguagem, seus próprios cânones, sua própria identidade à sociedade como um todo, como gostariam aqueles que reduzem a religião a um mundo fechado. Antes, sugere a coisa mais simples e o mais difícil ao mesmo tempo: a renovação das formas de vida social e institucional passa pela escuta e pelo diálogo com a realidade", escreve Mauro Magatti, sociólogo e economista italiano, em artigo publicado por Avvenire, 27-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Oito anos atrás, em sua exortação apostólica 'programática' Evangelii gaudium, o Papa indicou quatro princípios, que pareciam talvez um pouco misteriosos: o tempo é superior ao espaço; a realidade é mais importante do que a ideia; a unidade supera o conflito; o todo é mais do que a parte. Na realidade, aqueles quatro princípios - que têm importantes referências filosóficas - são uma verdadeira revolução epistemológica, existencial e social. Se bem compreendidos e usados como estímulo para pensar de uma maneira nova, eles podem ajudar a Igreja a combater a própria esclerose, trazendo à tona toda a sua vitalidade. E, especialmente na Europa, podem contribuir para encontrar o caminho para um futuro possível, que passa pela capacidade de recosturar a distância entre as elites e os povos, entre a experiência quotidiana das pessoas concretas e as exigências, às vezes tirânicas, dos grandes sistemas técnicos em que vivemos.
É neste quadro que devemos ler a insistência de Francisco sobre a sinodalidade, que culminou com o anúncio, há poucos dias, do caminho do Sínodo da Igreja universal que terminará em 2023 (e que se entrelaçará com aquele do Sínodo da Igreja que ocorre na Itália). Não é um formalismo pedir a cada paróquia, cada diocese, cada Conferência Episcopal que se coloque na escuta (verdadeira) da realidade para recomeçar. É a maneira pela qual a Igreja - como qualquer outra instituição contemporânea - pode se rejuvenescer, redescobrindo aquela energia que às vezes parece faltar.
Precisamente por não ser formalismo - a realidade vem antes da ideia - tal iniciativa abre um caminho cujos resultados não podem ser conhecidos de antemão - o tempo é mais importante que o espaço. Porque estar juntos (para a Igreja compartilhar a mesma fé) não pode ser algo estático, posto sob controle, em segurança, mas um caminho vivo, dialógico, sempre capaz de se renovar a partir da humanidade que existe entre nós. Um processo que não explode desde que não se perca o sentido de um pertencimento comum, de um vínculo que antecede qualquer protagonismo (a unidade é mais importante que o conflito), e é capaz de unir aquele maravilhoso poliedro feito de tantos particulares-universais (o todo supera a parte).
Francisco envia assim duas mensagens poderosas. A primeira mensagem é para a Igreja: é chegado o momento de recuperar plenamente a própria imagem original. Aquela que os eventos históricos que se seguiram à Reforma Protestante modificaram. Desde o início, a Igreja Católica foi uma rede de realidades locais (paróquias e dioceses) ligadas a uma mensagem universal. Uma rede de comunidades, concretíssimas e humaníssimas, em constante tensão com as particularidades de um lugar, de uma história, de um contexto relacional e a universalidade da mensagem a que cada um tentou dar vida.
Ainda hoje, a Igreja universal é uma rede global extraordinariamente rica, enraizada na concretude do local. Uma rede glocal, como muitas vezes foi lembrado e mostrado também nas páginas deste jornal, que hoje tem a oportunidade de viver uma nova temporada extraordinária: pela primeira vez na história, dispõe de fato de um ambiente tecnológico (o digital) que se adapta perfeitamente à sua natureza reticular. E graças ao seu enraizamento em todo o globo - algo que causa inveja a qualquer multinacional ou estado nacional - a Igreja pode experimentar uma forma nova e extraordinariamente moderna de caminhar juntos na pluralidade e juntos na unidade.
A segunda mensagem, por sua vez, se dirige à sociedade contemporânea, à busca de novos pontos de equilíbrio que permitam absorver as fortes tensões que a atravessam. A começar pela distância que foi se formando entre as elites cada vez mais ricas e poderosas, por um lado, e grande parte das pessoas comuns, presas numa condição de insegurança estrutural. Terreno ideal para a multiplicação das desigualdades e o nascimento dos populismos.
A Igreja de Francisco não tem soluções para essas questões. Nem pretende sobrepor sua própria linguagem, seus próprios cânones, sua própria identidade à sociedade como um todo, como gostariam aqueles que reduzem a religião a um mundo fechado. Antes, sugere a coisa mais simples e o mais difícil ao mesmo tempo: a renovação das formas de vida social e institucional passa pela escuta e pelo diálogo com a realidade. Em todos os seus componentes: a começar pelos mais frágeis e marginais. Não será fácil caminhar na direção indicada pelo Papa, exigirá tempo e clareza, exigirá boa fé. Mas, como sempre, o importante é levantar-se e começar a andar.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Reatar a grande rede. A era digital, a Igreja, a sinodalidade. Artigo de Mauro Magatti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU