29 Março 2019
Em 24 de março se completaram 43 anos do golpe de Estado na Argentina, que levou a uma violenta repressão – responsável por dezenas de milhares de mortos e desaparecidos - e a cruel ditadura de Videla. Em uma carta ao escritor Aldo Duzdevich, autor de 'Salvados por Francisco', Bergoglio confessa que essa data "me traz lembranças dolorosas".
O artigo é de Jesús Bastante, publicado por Religión Digital, 27-03-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Duzdevich, que sustenta que "Bergoglio salvou muito mais gente do que se pensava", recolhe em sua pesquisa 25 testemunhos de pessoas que foram resgatadas por ele, hoje Papa, das garras da ditadura militar na Argentina.
Pela primeira vez se revelam cartas, testemunhos e ações desconhecidas que Jorge Bergoglio realizou à frente da Companhia de Jesus para esconder jovens de diferentes ideologias ameaçados ou para facilitar a sua saída do país. O escritor escreveu ao Papa para lhe informar da apresentação do livro na Câmara dos Deputados da Nação.
Oxalá que sua obra nos ajude a ser melhores filhos dessa mãe
Em sua resposta, o Pontífice agradece ao jornalista. "Muito obrigado por sua carta… mas lhe agradeço muito mais por seu amor à Pátria".
"Desejo que o livro não seja a biografia de uma pessoa (a quem as circunstâncias querem converter em personagem), mas a história da Pátria, com ilusões e contradições, seus triunfos e derrotas… a história dessa Pátria que nunca, nem no bom, nem no ruim, deixa de ser a Mãe Pátria. Oxalá que sua obra nos ajude a ser melhores filhos dessa mãe", escreve o Papa.

Francisco confessa que "construir pontes… é algo sobre-humano", quase "um trabalho de anjos", e espera que o livro de Duzdevich "faça criar, nos argentinos, a cultura do encontro".
"Muito obrigado de novo. E escrevo isto, hoje, 24 de março, data que me traz tantas lembranças dolorosas. Me uno a meu povo neste dia", conclui Bergoglio.
Eis a íntegra da carta do Papa
Sr. Aldo Duzdevich
Querido irmão:
Muito obrigado por sua carta… mas lhe agradeço muito mais por seu amor à Pátria. Também desejo que o livro não seja a biografia de uma pessoa (a quem as circunstâncias querem converter em personagem), mas a história da Pátria, com ilusões e contradições, seus triunfos e derrotas… a história dessa Pátria que nunca, nem no bom e nem no ruim, deixa de ser a Mãe Pátria. Oxalá que sua obra nos ajude a ser melhores filhos dessa mãe.
E construir pontes… é sim algo sobre-humano. Gosto do que Ivo Andric disse em sua obra "A ponte sobre o rio Drina": as pontes são as asas dos anjos que Deus pôs para unir os cumes das montanhas e as bordas dos rios, para que os homens possam se comunicar. É trabalho de anjos… mas também da vontade que nós temos de nos encontrar.
Oxalá seu livro faça criar, nos argentinos, a "cultura do encontro".
Muito obrigado de novo. E escrevo isto, hoje, 24 de março, data que me traz tantas lembranças dolorosas. Me uno a meu povo neste dia.
Rezo por você. Por favor, faça o mesmo por mim.
Que Jesus o abençoe e a Virgem Santa o cuide.
Fraternalmente.
Francisco
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Papa confessa: ditadura argentina "me traz lembranças dolorosas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU