07 Junho 2021
Cobrir a Igreja Católica é uma tarefa difícil para os repórteres, até porque muitas vezes somos forçados a ser estraga-prazeres. Sempre estamos na posição de chover sobre um desfile midiático, e isso ocorreu novamente na sexta-feira com a sensacional “renúncia” do cardeal Reinhard Marx, de Munique.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 06-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os bispos renunciam o tempo todo, mas o que fez disso uma manchete é:
a) Marx é um “peixe grande” na Igreja, um aliado-chave e confidente do Papa Francisco;
b) Embora a Igreja alemã tenha sido duramente atingida pelos escândalos de abuso sexual clerical, Marx pessoalmente não foi acusado de abuso ou transgressão significativa;
c) No entanto, ele se ofereceu para renunciar mesmo assim, a fim de assumir a “responsabilidade institucional” pelas falhas da Igreja.
Esse é um passo notável de acordo com qualquer padrão. No entanto, há pelo menos três mal-entendidos imediatos sobre a história – algo natural e, até certo ponto, inevitável – que rapidamente começaram a circular na sexta-feira, conforme a notícia se espalhava.
Aqui está a verificação de realidade obrigatória.
- Primeiro, Marx não renunciou, porque, no sistema católico, os bispos não podem renunciar por conta própria. Eles podem apresentar sua renúncia ao papa – de fato, eles são obrigados a fazer isso aos 75 anos de idade –, mas sempre cabe ao papa aceitá-la.
- Em segundo lugar, o mero fato de Marx ter apresentado sua renúncia não significa necessariamente que ele vai a algum lugar. Além do fato de que essa renúncia em particular, se ocorrer, provavelmente valorizará a posição de Marx, os papas rotineiramente mantêm os bispos no cargo muito tempo depois de eles apresentarem as suas renúncias. O falecido cardeal Kazimierz Świątek, da Bielorrússia, por exemplo, apresentou a sua carta de renúncia obrigatória em 1990, mas atuou até a madura idade de 91 anos, em 2006, 16 anos mais tarde.
- Terceiro, mesmo que a renúncia de Marx como arcebispo de Munique fosse aceita, ele continuaria sendo um cardeal em boa posição, totalmente qualificado para votar no próximo papa, e também continuaria ocupando todos os cargos vaticanos aos quais Francisco o designou, incluindo servindo como presidente do Conselho para a Economia e como membro do Conselho dos Cardeais sobre a reforma do Vaticano. Em outras palavras, tudo o que mudaria é que Marx não estaria mais no comando de Munique – caso contrário, é tudo status quo.
É importante deixar tudo isso claro, porque o que acontece quando um bispo renuncia é uma fonte de confusão e irritação perenes em grande parte da cobertura midiática e da discussão pública.
Quando o cardeal Bernard Law, de Boston, renunciou em 2003 no auge da crise dos abusos nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos estadunidenses achou que isso significava que ele havia ido embora completamente, como um técnico esportivo ou diretor-executivo demitido. Quando eles se deram conta de que Law continuava sendo o arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior em Roma e membro titular da Congregação para os Bispos do Vaticano, e continuava desfrutando de todos os privilégios como cardeal, eles se sentiam traídos, geralmente concluindo que o Vaticano havia retrocedido ou os havia enganado.
Na verdade, foi sempre isso que a renúncia de Law em Boston significou, e muita dor de cabeça poderia ter sido evitada se houvesse clareza sobre isso no início.
No caso de Marx, as chances de ele ficar por aí e permanecer relevante bem depois da sua carta de renúncia são muito maiores, porque, embora Law fosse visto em 2003 como um passivo para São João Paulo II, Marx é visto como um ativo essencial para o papado de Francisco.
Notavelmente, embora o Papa Francisco tenha dito a Marx que ele podia tornar pública a carta de renúncia, ele também disse que deseja que Marx continue servindo até que ele decida o que fazer.
Para começo de conversa, Marx tem sido um dos principais apoiadores de muitas das iniciativas de Francisco, incluindo a sua abertura à Comunhão para os fiéis divorciados e recasados durante os dois Sínodos dos Bispos sobre a família em 2014 e 2015.
Assim como o cardeal Christoph Schönborn de Viena, Marx é visto como um importante prelado ocidental que empresta peso intelectual e político à agenda do papa.
Além disso, ele também foi visto por um longo tempo como um líder no esforço de reforma dos escândalos de abuso clerical. Ele foi o promotor original do Centro de Proteção aos Menores liderado pelo padre jesuíta alemão Hans Zollner, agora localizado na Universidade Gregoriana de Roma e recentemente atualizado para Instituto de Antropologia, Estudos Interdisciplinares sobre Dignidade Humana e Cuidado.
O modo como Marx apresentou a sua renúncia, insistindo que as lideranças da Igreja devem assumir a responsabilidade não apenas pela sua conduta pessoal, mas também pelos fracassos corporativos que eles ajudaram a presidir, é uma expressão perfeita do impulso pela responsabilização que tem estado no cerne do esforço de reforma.
É perfeitamente possível que o Papa Francisco decida aceitar a renúncia de Marx de Munique, com base no fato de que não fazer isso poderia fazer com que tudo parecesse mais um golpe político do que um genuíno ato de consciência.
Com toda a honestidade, ao longo do tempo houve rumores de que Marx assumiria postos importantes no Vaticano. Então, liberá-lo de suas funções em Munique também abriria o caminho para que isso acontecesse.
Para dar apenas um exemplo, na próxima terça-feira, o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, completará 77 anos, portanto, dois anos além da idade técnica de aposentadoria aos 75 anos. Com apenas 67, Marx poderia ocupar esse cargo ao longo da próxima década sem perder o ritmo e, sem dúvida, supervisionaria a nomeação de toda uma geração de “bispos de Francisco” em todo o mundo.
Essa é apenas uma possibilidade, mas o ponto geral é este: sim, o cardeal Reinhard Marx apresentou a sua renúncia. Mas, não, isso não significa que a sua carreira acabou – de fato, o capítulo mais significativo ainda está por vir.
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Esclarecendo a espetacular “renúncia” do cardeal alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU