04 Dezembro 2020
A Igreja da Argélia lamenta a morte de arcebispo emérito de Argel Henri Teissier. Recordamo-lo com esta última entrevista que nos concedeu há dois anos, por ocasião da beatificação dos 19 mártires assassinados na Argélia nos anos 1990. Acontecimento do qual ele - testemunha direta do sofrimento dos anos mais sombrios - nos explicava a importância.
A entrevista Anna Pozzi, publicada por Mondo e Missione, 01-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Morreu esta manhã em decorrência de um derrame, o arcebispo emérito de Argel, Henri Teissier, 91, homem de fé e de diálogo, que acompanhou toda a história da Argélia, forjando profundos laços de amizade com a população muçulmana. Mas também partilhando com todos os cristãos, e em particular com os 19 mártires da Igreja da Argélia, a opção de ficar ao lado do seu povo nos difíceis anos 1990. Um testemunho precioso, que também nos acompanhou nas páginas de “Mondo e Missione”, onde Père Tessier teve durante anos uma coluna intitulada “Salaam”, paz. Recordamo-lo com muito carinho, também através desta última entrevista, divulgada na véspera da beatificação dos mártires da Argélia.
Foi e continua a ser uma das vozes mais profundas e proféticas da Igreja da Argélia. A de Mons. Henri Teissier, arcebispo emérito de Argel, é a voz de quem, de dentro, viveu os anos muito difíceis da independência do país da França e depois o período sombrio do terrorismo islâmico, que truncou a vida de mais de duzentos mil argelinos e decretou a morte de 19 religiosos e religiosas da Igreja local. Mártires da fidelidade, assim os define Mons. Teissier, “testemunhas da nossa vocação de ser Igreja em relação com uma população muçulmana”.
Esses 19 homens e mulheres, entre os quais D. Pierre Claverie e os sete monges de Tibhirine serão beatificados no dia 8 de dezembro na basílica de Santa Cruz de Oran. Um acontecimento realmente especial para a pequena Igreja da Argélia, que o viverá com a habitual humildade e simplicidade. Sem esquecer, aliás, fazendo memória também das muitas vítimas argelinas. Em sinal, justamente, da fidelidade. Uma palavra que o padre Teissier repete incessantemente, como se nunca bastasse reafirmar aquela escolha: fidelidade ao Evangelho e à fé cristã e fidelidade ao povo argelino, ao qual todos estavam ligados por uma profunda relação de amor e de partilha. Foi o que levou a grande maioria dos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos da Igreja da Argélia a permanecer no país, apesar da violência cega e devastadora que - bem sabiam - poderia atingi-los a qualquer momento.
Padre Teissier, o senhor foi arcebispo de Argel nos anos dos massacres. E viveu pessoalmente a tragédia da morte de 19 religiosos e religiosas. Era algo que vocês esperavam?
Por um tempo, não pensamos que seríamos o alvo direto. Depois, houve alguns avisos explícitos a partir de outubro de 1993. Comunicações que ameaçavam todos os cristãos e judeus presentes no país. Então, após o assassinato de 12 trabalhadores croatas em 15 de dezembro em Tamesguida, perto de Medeia, e o ataque terrorista na véspera de Natal de 1993 no mosteiro de Tibhirine, pouco distante, entendemos que éramos alvos diretos de chantagem e de possíveis atentados. Eles eram extremistas capazes de tudo. Muitos amigos argelinos, com quem colaboramos e que representavam uma posição liberal na vida do país, também haviam sido assassinados. Então, em 8 de maio de 1994, na biblioteca diocesana da Casbah em Argel, foram assassinados o irmão Henri Vergès, marista, e a irmã Paul-Hélène Saint-Raymond, das pequenas irmãs da Assunção. Aí percebemos que estávamos todos em perigo.
O senhor, em particular, que era o arcebispo de Argel, temia por sua vida?
Como eu disse, sabíamos que estávamos todos em risco. Mas não sabíamos quem e como eles atacariam. Eu descia todos os dias da Maison diocesaine, onde morava até o arcebispado sozinho. Tive escolta apenas depois do sequestro dos monges, em março de 1996, até minha renúncia, em 10 de outubro de 2008. Eles me ameaçaram e poderiam ter me agredido a qualquer momento. Mas não o fizeram.
O sequestro e a morte dos monges também marcou a sociedade argelina. O funeral foi um acontecimento muito sentido, também porque foi celebrado junto com o de Mons. Duval que muito se posicionou ao lado do povo argelino. Vocês sentiram essa proximidade?
Não foram tempos fáceis para os argelinos. Todos se sentiram ameaçados. Quem nos conhecia reagiu enviando-nos muitas mensagens de proximidade, belas e comoventes. Mas a reação mais forte da população foi sobretudo em Tizi Ouzou, após o assassinato dos quatro padres brancos, em 27 de dezembro de 1994. Eles, assim como as freiras brancas, eram bem conhecidos e apreciados na região da Cabília. E o assassinato deles realmente despertou uma reação popular.
Não heróis, mas testemunhas. Foi nisso que a Igreja da Argélia sempre insistiu. É este também o significado da causa de beatificação?
O assassinato deles destacou sua lealdade à população argelina com a qual viviam. Poucos dias antes do assassinato das duas freiras agostinianas, participei de uma reunião com suas responsáveis internacionais, que haviam discutido a possibilidade de chamá-las de volta à Espanha ou transferi-las para uma área menos perigosa de Bab el Oued, onde viviam. Mas todas disseram que aquela era sua vizinhança, aquela era a sua gente. Nossos irmãos e irmãs mortos foram vítimas de violência nos lugares onde moravam e eram conhecidos. Os agressores queriam demostrar que aquelas relações e compartilhamentos tinham que acabar. Mas não foi assim. A grande maioria dos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos decidiu ficar. É importante reconhecermos essa opção de fidelidade ainda hoje, mesmo em um contexto de grande ameaça. É o mesmo que outros cristãos vivem atualmente em lugares como Líbia, Síria ou Iraque.
Muitos na Argélia não gostam de chamá-los de mártires in odium fidei, mas mártires do amor, da amizade ... Por quê? Todos eles - e todos vocês - optaram por permanecer, antes de tudo, por fidelidade ao Evangelho.
Para nós sempre foi claro que permanecemos por uma escolha de fé, bem como pela proximidade com nosso povo, que é em grande parte muçulmano. O que apresentamos à Congregação para os Santos é o testemunho de pessoas fiéis a uma missão recebida da Igreja, missão que fazia parte da sua vocação missionária ou religiosa. O arcebispo Pierre Claverie disse isso, repetiu e viveu de maneira muito clara: sentia-se ameaçado, mas isso não o assustou. Ele sempre falou, sabendo muito bem que seria atingido.
Os 19 mártires são figuras muito diferentes entre si. O senhor passou a conhecê-los muito bem. Existem traços que os unem?
A primeira coisa, como eu disse, é a vontade de permanecer fiel ao seu povo. A outra tem suas raízes no coração da mensagem cristã. Todos celebravam ou participavam da missa todos os dias, cientes de que talvez fosse a última vez. As duas freiras agostinianas Esther Paniagua Alonso e Caridad Alvares Martín foram mortas a caminho da missa em sua capela. As duas Irmãs de Belcourt, Irmã Angèle-Marie e Irmã Bibiane, das Irmãs de Nossa Senhora dos Apóstolos, foram assassinadas quando saíam da missa no distrito de Kouba, em Argel. E foi indo à igreja que a irmã Odette Prévost, das Pequenas Irmãs do Sagrado Coração, também de Argel, foi morta. Todos são testemunhas da mensagem cristã que nos diz que a vida não se dá apenas no serviço de cada dia, mas também na presença nas situações mais difíceis, até à morte. Para todos eles, no fundo, havia uma grande motivação espiritual. Depois, como dizia a Irmã Odette muitas vezes, havia também a vontade de ficar e de fazer respeitar a nossa diferença e a nossa identidade cristã, o desejo de fazer algo pelo futuro da humanidade. Sentíamos que deveríamos fazer a nossa parte porque não há futuro se não formos capazes de nos respeitar nas diferenças.
O senhor tem alguma lembrança particular de algum deles?
Eu tenho uma memória de cada um. Eles eram meus irmãos e irmãs. Eu tinha me encontrado com cada um deles alguns dias antes de serem mortos. Lembro-me particularmente de Pierre Claverie, que veio me substituir em Argel porque eu havia ido para o mosteiro Tibhirine. Ao regressar a Oran foi morto.
O bispo Claverie foi assassinado em frente à entrada da Cúria com seu amigo e motorista Mohamed. Essa semelhança, mesmo na morte, continua a representar um sinal profundo de proximidade e partilha com o povo argelino?
Claverie disse que mesmo para um homem como Mohamed era importante ficar na Argélia. Por sua vez, Mohamed havia escrito em seu diário pessoal que sentia que poderia ser vítima de um ataque junto com Pierre. Eles ficaram juntos e foram assassinados juntos. Um sinal muito forte veio da família de Mohamed, que se uniu em solidariedade conosco o e nunca nos acusou de colocar seu filho em perigo. Foi um gesto importante.
Como será a beatificação na Argélia?
Gostaríamos de enfatizar a fidelidade e não a violência. Os bispos tiveram grande cuidado em colocar as vítimas cristãs no contexto geral das outras vítimas argelinas. Será uma ocasião para lembrar todos eles e em particular a centena de imãs que se recusaram a apoiar a violência extremista. Esperamos que a opinião pública compreenda que esta fidelidade seja celebrada como um dom de Deus que nos torna ainda mais solidários com o povo argelino e com as outras vítimas que sofreram esta mesma violência.
E fora da Argélia?
Será um momento importante para todos aqueles que estão perto de nós e sempre nos acompanharam. Mas não só. É uma mensagem forte para todos os cristãos, mesmo para aqueles que nos conheceram indiretamente ou posteriormente, através, por exemplo, do filme Homens e Deuses que levou a vida dos monges a um público mais amplo, ou para aqueles que assistiram ao espetáculo. “Pierre et Mohamed” que foi representado pelo menos duas mil vezes na França.
Depois daquele período difícil e dramático, como mudou a Igreja da Argélia?
A composição da Igreja foi renovada. Hoje há novos sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos de diversas nacionalidades que não conheceram aquele período de violência. Estamos em uma situação diferente, também devido à presença de muitos cristãos de origem subsaariana. Em algumas cidades, não havia ficado mais nenhum cristão. Esses jovens africanos, que estão na Argélia para estudar ou como migrantes, trazem um grande dinamismo também para dentro da Igreja. Mas também pedem que nos abramos a novos campos de empenho e a novos desafios, especialmente no que diz respeito aos migrantes.
O senhor não gosta que digam que a Igreja da Argélia é uma Igreja perseguida. No entanto, ainda encontra algumas dificuldades hoje. Acima de tudo, os cristãos argelinos são muitas vezes obrigados a viver na clandestinidade, os religiosos e as religiosas estrangeiros não obtêm vistos facilmente ... Existe liberdade religiosa na Argélia?
O visto é um problema sério. Se eles não puderem ser renovados, não há futuro. Assim como os católicos da Argélia continuam a ter necessidade de uma atenção e cuidados especiais de nossa parte. Mas não podemos falar de perseguição. As autoridades argelinas, por exemplo, foram as principais financiadoras das restaurações de edifícios religiosos importantes para nós, como a Notre Dame d'Afrique em Argel, a basílica de Sant'Agostino em Annaba ou Santa Cruz em Oran. E para a beatificação houve muita colaboração com o Ministro dos Assuntos Religiosos.
Que futuro o senhor vê para os cristãos naquele país?
Esperamos que, com nossos amigos da sociedade argelina, juntos possamos mudar e melhorar a situação.
Um pastor na tempestade
D. Henri Teissier nasceu em Lyon em 1929. Ele se mudou para a Argélia quando ainda era um jovem seminarista. E é aqui, na diocese de Argel, que foi ordenado sacerdote pelo cardeal Duval, em 25 de março de 1955. Em 1973, tornou-se bispo de Oran, e voltou a Argel, como coadjutor em dezembro de 1980. Oito anos depois, em abril de 1988, ocupou o lugar do cardeal Duval, dando continuidade a uma tradição de proximidade e serviço ao povo argelino e de diálogo entre as religiões. Renunciando ao cargo por limite de idade, D. Teissier é substituído à frente da arquidiocese de Argel por Mons. Ghaleb Moussa Abdallah Bader, jordaniano, do Patriarcado Latino de Jerusalém, de 2008 a 2015. A partir de 24 de dezembro de 2016, o arcebispo de Argel é D. Paul Desfarges, jesuíta.
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Teissier: “Eu e os mártires da fidelidade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU