06 Abril 2018
De acordo com o arcebispo católico de Orã, a cerimônia deve acontecer na Argélia depois da aprovação concedida pelas autoridades em meados de março. Uma decisão que descontenta as parcelas mais conservadoras do cristianismo.
A reportagem é de Bernadette Sauvaget, publicada por Libération, 03-04-2018. A tradução é de André Langer.
É preciso muita habilidade e senso político para lidar com este caso: a beatificação de 19 religiosos e religiosas, assassinados na Argélia entre 1994 e 1996, e entre os quais estão os sete monges de Tibhirine. “É uma questão delicada”, confirma o arcebispo católico de Orã, Jean-Paul Vesco, ao Libération. Já parece mais do que provável que a cerimônia deve acontecer – o que por si só já é um acontecimento – na Argélia, na catedral de Orã. As autoridades argelinas, segundo Jean-Paul Vesco, aprovaram o local oficialmente em meados de março. No entanto, Argel não quer dar a confirmação no momento, sinal do aspecto muito sensível desta questão.
Além dos monges de Tibhirine, serão beatificados também o arcebispo de Orã, Pierre Claverie, assassinado em um ataque em agosto de 1996, e os religiosos, franceses em sua maioria, muito comprometidos com o povo argelino e com o diálogo com o Islã. As parcelas mais conservadoras do cristianismo, muito hostis ao islamismo, teriam preferido que a beatificação ocorresse em Roma ou na França, uma maneira de lhe dar mais brilho. Mas acima de tudo para impor uma “leitura” desses assassinatos que eles consideram como o emblema da perseguição dos cristãos pelo Islã radical. Em Orã, a cerimônia será simples. E unificadora. Muito mais do que na França ou na Praça São Pedro, em Roma.
“Isso permitirá a reunião de todas as vítimas argelinas desses anos, especialmente o jovem motorista de Pierre Claverie, Mohammed Bouchikhi, também morto no atentado”, diz Jean-Paul Vesco. O arcebispo de Orã lembra que milhares de argelinos foram vítimas do terrorismo islâmico, incluindo cerca de 100 imãs. “Não é a identidade daqueles que assassinaram esses religiosos que conta”, alega por sua vez Armand Veilleux, visitador dos monges de Tibhirine e número dois da Ordem Trapista na tragédia, que acompanhou o caso do começo ao fim. “Cada um desses religiosos fez a escolha de compartilhar a vida da população argelina e de não abandoná-la durante esses anos”.
Por enquanto, a investigação ainda não determinou quem são os responsáveis pelo sequestro, na noite de 26 para 27 de março de 1996, dos monges de Tibhirine e seu assassinato. O último relatório de especialistas, divulgado em fevereiro, confirma várias hipóteses, como a decapitação post-mortem dos monges e uma morte anterior àquela anunciada em maio de 1996, numa ação reivindicada pelo Grupo Islâmico Armado (GIA).
Até esse momento, a data da beatificação ainda não foi anunciada, sinal de que as discussões ainda estão em andamento. Cabe à Secretaria de Estado do Vaticano (o equivalente para a França dos serviços do Primeiro-Ministro e do Ministério das Relações Exteriores) a emissão de um decreto para a escolha da data e do local da cerimônia. O porta-voz do Vaticano, Greg Burke, disse ao Libération que era pouco provável que “isso vá acontecer muito rapidamente”.
Quanto a uma viagem do Papa Francisco à Argélia, Greg Burke foi evasivo. É, portanto, de acordo com fontes católicas bem informadas, uma hipótese bem plausível. “Imagina-se uma viagem de ida e volta do Papa no mesmo dia, para que ele próprio proceda à beatificação”, explica uma fonte próxima ao Papa. Para isso, um convite formal, formulado pelas autoridades argelinas, deve ser dirigido ao pontífice romano, na qualidade de chefe de Estado.
Mais do que discreto nesta questão, o Vaticano e Argel não adiantam nada sobre as discussões em andamento. Em setembro, os bispos da Argélia estiveram em Roma e encontraram-se com o Papa Francisco. Jean-Paul Vesco confirma que, nesta ocasião, considerou-se realmente a questão de uma possível uma visita à Argélia. Prudente (o que nem sempre é o caso), Francisco não confirmou sua ida, nem a negou.
Diversas vezes, e especificamente durante sua viagem de abril de 2017 ao Egito, o líder da Igreja Católica, promotor do diálogo inter-religioso, enfatizou que a violência religiosa não era um privilégio dos círculos muçulmanos, e que Islã não rima com terrorismo. Embora repita que “uma Terceira Guerra Mundial, em capítulos” esteja em curso, na qual integre as devastações do capitalismo selvagem, Francisco insurge-se frequentemente contra a ideia do choque de civilizações, e principalmente de um confronto entre o Islã e o Ocidente.
Essa é a mensagem que a Igreja deseja transmitir através da beatificação dos 19 religiosos, assassinados durante os anos de chumbo na Argélia. “Pessoalmente, acho que é muito simbólico que tenhamos encontrado apenas as cabeças dos monges de Tibhirine – comenta Armand Veilleux. Isso significa que seus corpos permanecem enterrados na Argélia junto com outras vítimas deste período”.
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Monges de Tibhirine: uma beatificação que embute um risco político - Instituto Humanitas Unisinos - IHU