18 Abril 2011
Tendo escapado do massacre de 1996, ele jamais havia falado depois da morte dos monges de Tibhirine. Encontramos o frei Jean-Pierre Schumacher (foto), 88 anos, em um mosteiro do Marrocos, onde aceitou confiar-se exclusivamente para a Le Figaro Magazine. Ele fala dos coirmãos desaparecidos, dos trágicos eventos que viveram, do filme de Xavier Beauvois, Homens e deuses ("Des hommes et des dieux"). Mas também da sua fé e da sua esperança. Um colóquio luminoso.
A reportagem é de Jean-Marie Guénois, publicada na revista Le Figaro Magazine, 06-02-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O senhor gostou do filme "Homens e deuses"?
Ele me tocou profundamente. Comoveu-me rever as coisas que vivemos juntos. Mas senti principalmente uma espécie de plenitude, nenhuma tristeza. Achei o filme muito bonito, porque a sua mensagem é realmente verdadeira, mesmo que a filmagem nem sempre corresponda exatamente com o que aconteceu. Mas isso não importa. O essencial é a mensagem. E o filme é um ícone. Um ícone diz muito mais do que se vê... É um pouco como o canto gregoriano. Quando é bem composto, o autor coloca nele uma mensagem, e quem o canta encontra nele mais ainda, porque o Espírito trabalha nele. Nesse sentido, o filme é um ícone. É verdadeiramente um êxito, uma obra-prima.
O senhor não tem nenhuma crítica a fazer?
Ouvi algumas críticas ao papel do prior, Christian de Chergé. Alguns o acharam um pouco apagado, mas eu o achei muito bom. Outros o acharam muito austero, porque jamais se vê ele sorrindo. Mas ele tem tudo a ver com o personagem que convém à grave situação que atravessamos. Admira, nesse papel, o seu modo de se pôr à escuta dos freis, particularmente nos momentos difíceis. Ele não quer impôr. Ele está à escuta. Sente-se que ele tem pleno respeito pelos freis. Vê-se o pastor e a sua preocupação de se abrir a Deus, para se deixar trabalhar por Deus e ter a reação certa perante os freis. Em todo o filme, vê-se essa abertura a Deus, ele se interroga, ele se deixa influenciar por ele. Isso é monástico!
Há alguma lacuna com relação à história real?
Não a percebi.
Mas como o senhor, como monge, vive o sucesso do filme?
Estamos contentes e maravilhados de ver um tal sucesso, mas não temos nada a ver! O fato de ser conhecido me perturba um pouco... Um monge é feito para estar escondido.
Por que no início da gravação do filme o senhor era contrário?
Não queríamos aceitar o filme, nem que ele fosse filmado no Marrocos por causa do risco de sermos suspeitos de proselitismo. Naquele momento, alguns não recebiam mais há muito tempo a permissão de estada. Devíamos ser muito prudentes, mas estávamos abandonamos à vontade do Senhor. Por isso, não fomos consultados. A equipe sabia da nossa oposição e conhecia as razões da nossa prudência. Foram muito respeitosos.
Quando o senhor chegou em Tibhirine?
Jamais me esquecerei daquele 19 de setembro de 1964, quando chegamos perto do mosteiro em dois cavalos. Sempre verei aquele menino na garupa de um asno que veio ao nosso encontro para nos acolher. Eu estava muito feliz. Da minha pequena cela, eu via o claustro, o jardim e o vilarejo à distância. Eu então me disse: eis a paisagem que eu verei no final da minha vida. Porque no meu coração era pela vida inteira. Sem retorno. Fiquei 32 anos, de 1964 até o sequestro em 1996.
Como era a vida lá?
Os primeiros tempos foram difíceis. Na comunidade, faltava estabilidade, e foi um período muito duro de se viver. Além disso, a nova Argélia estava se ajeitando. As relações com as pessoas dos arredores não eram fáceis. Havia reflexos da rejeição dos franceses. Percebia-se essa lacuna por ocasião das festas, cristãs ou muçulmanas. Não tinham nada a ver umas com as outras. Lutamos contra isso e procuramos nos tornar mais sociáveis mutualmente. Por isso, o consultório, administrado pelo frei Luc, foi muito importante. Ele acolhia até 80 pessoas por dia! Depois, Christian de Chergé foi eleito prior em 1984. Tínhamos necessidade de alguém como ele que falasse árabe e conhecesse bem a cultura muçulmana. Desde então, tornamo-nos uma verdadeira comunidade, mais estável. Quem se engajava, o fazia a sério. Éramos quase independentes. Isso foi uma vantagem, porque nos permitiu empreender muitas iniciativas nas relações islamo-cristãs.
Que papel teve Christian de Chergé?
Com ele, houve uma evolução para a islamologia. Ele, pessoalmente, estudou muito o Alcorão. De manhã, ele fazia a lectio divina com uma Bíblia em árabe. Às vezes, fazia a meditação com o Alcorão. Ele procurava nos fazer evoluir. Tínhamos relações com o Islã, mas não em nível intelectual. Ele conhecia muito bem o ambiente muçulmano e a espiritualidade sufi. Alguns monges consideravam que a comunidade devia permanecer em equilíbrio e que nem tudo devia ser orientado pelo Islã. Isso causou alguns atritos. As tensões acabaram sendo superadas graças à criação de um grupo de troca e de partilha com muçulmanos sufis, que chamamos de ribat, um termo árabe. Entendemos que a situação sobre os dogmas dividia, já que era impossível. Então, falava-se do caminho para Deus. Rezava-se em silêncio, cada um segundo sua própria oração a Ele. Esses encontros bienais se interromperam em 1993, quando começou a ficar perigoso. Mas o conhecimento mútuo fez de nós verdadeiros irmãos, profundamente.
Em que o padre Christian de Chergé lhe marcou?
O que mais me tocava nele era a sua paixão interior pela descoberta da alma muçulmana e por viver essa comunhão com eles e com Deus, sempre permanecendo um verdadeiro monge e cristão.
A quem o senhor se sentia mais próximo?
Do frei Luc! Éramos muito próximos. Ele não era padre, era frei. Podia-se confiar nele. Era cheio de sabedoria. Em uma pequena comunidade em que não há muitos sacerdotes, não é fácil encontrar um diretor espiritual. Se eu tinha um problema ou uma dificuldade de relação com um coirmão, eu ia logo ao encontro do frei Luc, sabendo bem que haveria uma resposta. Era um modelo... No capítulo, mesmo durante o período de tensão e de medo, ele sempre conseguia arrancar uma risada. Ele era precioso para a vida em comum. Mesmo que, como médico, ele tivesse um regime especial, porque ficava todo o dia no consultório e além disso se ocupava da cozinha! Começava os seus dias à 1h da manhã para estar pronto para as sete horas no consultório. Sofria de asma e não conseguia dormir. Dormia de pé! Era muito próximo também do frei Amédée, o outro que conseguiu escapar, que morreu aqui, em Midelt.
O senhor reza pelos freis desaparecidos?
Busco ter um momento todas as manhãs. Não me esqueci deles. Continuam presentes. Todos. Busco seguir em frente. O filme, desse ponto de vista, nos estimula na nossa vocação.
Os seus coirmãos lhe falam na oração?
Não, ainda não... Tenho a certeza de que estão perto do Senhor. Tive essa certeza desde o início, por causa do seu martírio. Isso dá alegria, não tristeza. É isso que eu sinto olhando o filme: alegria, não nostalgia! (risos). Esperando que o Senhor nos mande outros monges que queiram viver isso.
O senhor nunca sente saudades da vida em Tibhirine?
Um pouco, sim... Vivemos coisas muito bonitas juntos. E depois a vida em comum para representar o Senhor e a sua Igreja. É uma vocação muito bonita. Pode levar longe. Cristo é maior do que a Igreja. Os sufis utilizam uma imagem para falar da nossa relação com os muçulmanos. É uma escada dupla. Os pés apoiam-se na terra, e a parte alta toca o céu. Nós subimos de um lado, eles do outro, segundo o seu método. Quanto mais se está perto de Deus, mais se está perto uns dos outros. E, reciprocamente, quanto mais se está perto uns dos outros, mais se está perto de Deus. Toda a teologia está nisso!
Porém, o encontro era com a morte...
O que vivemos lá, juntos e desde o início, foi uma ação de graças. Preparamo-nos para isso juntos. Por fidelidade à nossa vocação, havíamos decidido ficar, sabendo muito bem o que podia acontecer. O Senhor nos envia. Não renunciamos mesmo que, ao nosso redor, os violentos busquem nos fazer ir embora, e até mesmo as autoridades. Mas temos o nosso Mestre e estávamos comprometidos com Ele. Em segundo lugar, veio a vontade de ser fiéis às pessoas que estavam ao nosso redor e de não abandoná-las. Estavam tão ameaçadas quanto nós. Estavam entre dois fogos, o Exército e os terroristas. A decisão de não nos separarmos foi tomada em 1993. E mesmo que fôssemos dispersados pela força, devíamos nos reencontrar em Fez, no Marrocos, para recomeçar e nos estabelecer em um outro país muçulmano.
Como o senhor vive o que aconteceu: como um fracasso ou como um cumprimento?
Depois do sequestro, eu e o padre Amédée fomos obrigado a ir à Argélia com a polícia. Rezamos pelos nossos coirmãos para que Deus lhes desse a força e a graça de ir até o fim. Esperávamos uma intervenção da França ou uma intervenção eclesiástica que lhes obtivesse a libertação. Ficamos sabendo da sua morte no dia 21 de maio de 1996. Estávamos rezando as Vésperas. De repente, jovem frei chegou na capela e se jogou por terra diante de todos, gritando o seu desespero: "Os freis foram todos mortos!". À noite, enquanto estávamos lado a lado lavando os pratos, eu lhe disse: "É preciso viver isso como algo muito bonito, muito grande. É preciso ser digno. E a missa que celebraremos por eles não será de preto. Será de vermelho". Nós os vimos logo como mártires, com efeito. O martírio era o cumprimento de tudo ao nos que havíamos preparado há muito tempo ao longo da nossa vida. Aqueles anos que havíamos vivido juntos no perigo. Estávamos prontos, todos. Mas isso não excluiu o medo.
Quando começou o medo?
A partir de 1993, depois da visita do GIA [Grupo Islâmico Armado], na noite de Natal. A comunidade, a partir de então, se reforçou muito em união e em profundidade. O perigo já estava em todos os lugares, em todos os instantes, noite e dia. Isso nos abalou muito. Havíamos visto verdadeiramente o abismo naquele momento.
O que aconteceu exatamente?
Na noite de Natal de 1993, eles escalaram o muro. Estávamos na sacristia com Célestin, que preparava os folhetos dos cantos para a missa de Natal. Homens armados até os dentes nos circundaram. Os croatas haviam recém sido mortos, pensamos que era a nossa vez. Eles nos tranquilizaram. Como éramos religiosos, não nos fariam nada. Mas começaram então a falar mal do governo. Depois, o chefe disse: "Quero falar com o papa daqui". Fomos procurar Christian, que logo disse: "Não, aqui não se com armas. Se querem entrar, deixem as suas armas do lado de fora. Ninguém jamais entrou aqui armado. Esta é uma casa de paz!". No fim, discutiram e exigiram três coisas: que o doutor fosse cuidar dos feridos na montanha, medicamentos, dinheiro. Com tato, Christian respondeu não a todas as demandas. Exceto pelos feridos, que podiam vir, como todos, ao consultório. Depois, disse em árabe que estávamos preparando "a festa do nascimento do príncipe da paz". Eles não sabiam disso e se desculparam, mas disseram: "Voltaremos". Dando uma palavra de ordem: eles perguntariam pelo "senhor Christian". Naquela noite, a missa da meia-noite tinha um sabor particular. No dia seguinte, no capítulo, começamos a discutir o futuro.
O que decidiram?
Que, se pedissem dinheiro, lhes daríamos um pouco para evitar a violência, mas pensávamos também em ir embora, porque não queríamos colaborar com eles. Depois o bispo de Argel veio nos dizer que, se decidíamos partir, não devíamos ir todos juntos, para não assustar a Igreja da Argélia. Decidimos que dois dentre nós partiriam. Célestin, que havia ficado traumatizado desde aquele Natal e que devia passar por uma cirurgia de seis pontes de safena no coração, e o frei Paul, que precisava de repouso.
Havia unanimidade entre vocês?
Depois daquele Natal, houve um outro capítulo. Alguns pensavam que devíamos ficar, outros que era melhor partir. Ainda mais que, naquele momento, por segurança, éramos obrigados a fechar o mosteiro desde o fim da tarde até a manhã. Também dissemos a quem fazia retiros espirituais entre nós que não viessem mais. Estávamos isolados. Isso mudou a economia do mosteiro. Era preciso encontrar outras formas para viver.
Houve divergências?
As coisas evoluíram. O padre Armand Veilleux, que veio pregar um dos últimos retiros, nos havia dito que havíamos chegado "ao cume" da nossa vida em comum. De fato, havíamos chegado unanimemente à decisão de ficar. As relações fraternas haviam se fortalecido ainda mais. No capítulo, não se podia tomar rapidamente decisões tão graves, com relação ao GIA, a uma eventual partida, à nossa conduta caso fôssemos sequestrados ou dispersados... Estávamos todos decididos a ficar, mas o medo daquilo que aconteceria estava presente, mais ou menos, entre todos. Mas era preciso continuar vivendo. Havia atentados à direita e à esquerda. Pessoas próximas do mosteiro haviam sido presas ou ameaçadas. Eis o clima em que vivíamos.
Não havia serenidade, nem depois de terem feito a decisão de ficar?
Não, jamais. À noite, quando cantávamos as Completas, havia como que uma capa de perigo, de chumbo, que descia sobre o mosteiro. De noite, podia acontecer alguma coisa. Dizíamos: o que vai nos acontecer nesta noite? Não esperávamos ser mortos, mas sabíamos que isso podia acontecer a qualquer momento. Tínhamos a sorte de ser uma comunidade. E a vida continuava: um era cozinheiro, outro jardineiro, outro se ocupava da administração. Isso permitia esquecer, mas de tarde, à noite, perguntávamo-nos o que poderia acontecer. Não o dizíamos, mas cada um pensava nisso.
E o que aconteceu na noite do sequestro?
Na noite do sequestro, eu estava no quarto do porteiro. Despertei-me em torno da 1h, com o barulho de vozes diante do portão. Já estavam dentro, no jardim. Seguramente, queriam ver o doutor. Eu estava esperando que batessem na porta antes de me manifestar. Fui olhar pela janela. Vi um deles indo diretamente para o quarto do frei Luc. Não era normal, porque, quando se quer ver o doutor, bate-se no portão, e o porteiro se apresenta. E ouvi uma voz que dizia: "Quem é o chefe?". E reconheci Christian. Eu pensei: "Eles os ouviu antes que eu, abriu a porta e lhes dará o que querem". Em 15 minutos, ouvi que a porta que dava para a rua se fechava e pensei que tivessem ido embora. Um pouco mais tarde, o padre Amédée bateu na porta e me disse: "Os freis foram raptados!". Eles deviam ter saído pelos fundos, senão eu os teria ouvido.
O que o senhor sentiu naquele momento?
A pergunta que me fiz imediatamente era saber o que eu teria feito se os tivesse ouvido e visto sair. Ficaria ou correria atrás deles para ir com eles?
E a sua resposta?
Ainda não respondi. Se isso tivesse acontecido, não seria fácil, mas tenho a sensação de que teria corrido atrás deles. Amédée logo me disse: "Não vão lhes matar, porque se o quisessem já o teriam feito logo". Era muito difícil circular de noite na montanha, porque havia um posto militar não muito longe, na colina. Além disso, o frei Luc tinha 82 anos, e um outro recém havia saído do hospital, com seis pontes de safena. Caminhar com pessoas assim não era fácil. Pensávamos que se serviriam deles para alguma coisa. Na expectativa, nos sentíamos completamente sozinhos, sem os nossos coirmãos. A comunidade estava destruída. Esperávamos, acima de qualquer coisa, que lhes libertariam logo, porque, se não voltassem, a vida no mosteiro estava acabada.
Por que os sequestradores não entraram como das outras vezes?
Quando eles vieram, escalaram o muro. Depois, do lado de dentro, abriram a porta que dava para a rua. Ela tinha apenas uma simples tranca. Aquela porta nunca era fechada a chave. Queríamos que as nossas relações fossem fundadas na confiança mútua.
Os sequestradores eram do GIA ou não?
O guardião do mosteiro me disse que haviam ido ao seu encontro antes, dizendo que queriam ver o doutor, com a desculpa de que tinham dois feridos graves. Ele lhes havia respondido que os padres lhes havia proibido de continuar seu serviço de guarda durante a noite no mosteiro. Era verdade. Haviam-lhe proibido para que não houvesse problemas para a sua família e para ele, no caso de uma desgraça, se houvesse uma agressão... Insistiram. Então, o guardião saiu de casa pelo pátio interior para se dirigir ao mosteiro. Lá, se deparou com um grupo que já estava no pátio. Conduzido para a frente do portão que dava para o quarto do porteiro, ele se encontro no meio de um outro grupo que já havia detido o padre Christian. Estes, então, lhe perguntaram: "Quem é o chefe?". Um dos sequestradores respondeu indicando o líder: "Ele é o chefe, eles devem lhe obedecer". Depois, um deles, dirigindo-se ao guardião, perguntou: "São sete, não é verdade?". O guardião respondeu: "É o que você disse". Mas éramos nove... Provavelmente é por isso que eu e o padre Amédée não fomos levados. Porque, quando eles prenderam sete monges, foram embora sem revistar toda a casa.
Mas o que o senhor acha: quem lhes raptou? O GIA ou o Exército?
Só sabemos aquilo que aconteceu no mosteiro. Sobre o resto, nos interrogamos como todos. A investigação continua. Quanto ao GIA, o guardião me contou que, enquanto desciam, um dos que o acompanhavam disse a um de seus colegas: "Vá buscar uma corda. Ele vai ver quem é o GIA", porque queriam enforcá-lo, mas ele conseguiu se esconder.
Depois de tantos anos, o senhor não consegue ver mais claramente os motivos do sequestro?
Não é possível ver claramente. Em um dos comunicados na rádio Medi 1, o GIA deu uma razão para a sua execução: "As pessoas se convertiam em contato com eles, porque eles tinham relações e saíam do mosteiro, coisa que os monges não deveriam fazer. Eles merecem a morte. Temos o direito de executá-los". Eis, portanto, uma das razões. Ela foi dada pelos próprios extremistas islâmicos. Em seguida, foram dados outros motivos, que são mais hipóteses, esperando o veredito do juiz instrutório que conduz uma investigação sobre as circunstâncias do sequestro e da execução.
Como o senhor vive esse enigma?
Gostaríamos de saber quem os matou e onde os seus corpos estão sepultados. Gostaríamos de saber isso, mas isso é tudo, isso não me inquieta mais. Isso não muda em nada a morte dos freis. Eles estão mortos pelas razões pelas quais haviam escolhido ficar. É por isso que são mártires. Deram a vida. Estavam prontos para dar a vida por isso.
Pode-se esperar o martírio?
Alguns o fizeram, mas esse não era o nosso estado de espírito. Não o desejávamos, não estávamos ali para isso. Mas era preciso estar pronto. Estávamos nas mãos de Deus. E é por isso que, vivendo naquele estado de espírito, os meus irmãos foram mortos. Devo reconhecer e dizer que não ficamos excessivamente chocados. Certamente, isso nos marca, faz sofrer, dá pena... Mas sabíamos o "porquê". Estávamos todos prontos para isso! A vida é só uma passagem, ela termina de um modo ou de outro. Depois voltamos para o Senhor.
O filme de Xavier Beauvois, inspirado no seu sacrifício, pode ser um fermento de reconciliação entre cristãos e muçulmanos?
Certamente! O exemplo dos freis, na sua relação com as pessoas, com os muçulmanos, mostra que podemos nos tornar verdadeiros irmãos, na comunhão, juntos, em profundidade e não só superficialmente. Em profundidade, diante de Deus. Alguns viveram isso. Não é raro. Quando os cristãos veem isso, dão-se conta de que os muçulmanos são pessoas como as outras. Alguns são muito bons: os valores de acolhida, de gentileza, de complacência podem ser vistos. Assim como os valores de união com Deus, de orações cotidianas. Eles têm relações com Deus que são às vezes muito surpreendentes e que são verdadeiros exemplos para nós, cristãos. Um amigo de Christian, que deu a vida por ele, lhe dizia: os cristãos não sabem rezar... São muito caridosos, prestam muitos serviços, mas você nunca os vê rezando! Muitos cristãos poderiam entendê-lo.
O senhor nunca sentiu ódio durante e depois do drama?
É estranho, mas não sinto esse sentimento.
E amargura?
Também não.
Como o senhor interpreta o atual endurecimento de alguns muçulmanos contra os cristãos, do qual os recentes atentados são um sinal?
Isso vem dos extremistas. Os verdadeiros muçulmanos dizem: isso não somos nós. Eles se envergonham do que aconteceu com os freis. Não é a "religião". De outro lado, não nos conhecemos o suficiente. Percebemo-nos por meio dos violentos, e isso cria uma tendência a se reagrupar entre semelhantes e a ter medo dos contatos. A solução é cultivar a amizade, mesmo com o risco de ser enganado.
Ser enganado?
Sim. Há quem fale de reciprocidade. Mas se vê pouco ou nada disso: permitimos que os muçulmanos construam mesquitas entre nós, mas antes que se possa construir igrejas entre eles...
O senhor pensar isso de verdade? Na realidade, os cristãos são frequentemente acusados de ingenuidade com o Islã...
A questão não é essa. Pela fé, nós nos arriscamos! Está escrito no Evangelho: "Amai-vos como eu vos amei". Então, muitas vezes se perde, é preciso saber. Mas às vezes há uma reação. Então, a reciprocidade está lá, e um reconhecimento mútuo pode ir muito longe.
Qual é a sua esperança para 2011?
É preciso esperar que o amor seja sempre o mais forte. Que o amor de Deus terá a última palavra. Fundada em Deus, a esperança deve permanecer. E não somos nós que podemos resolver as coisas. A esperança é invencível, como dizia Christian de Chergé. Ela não deve ser vencida, deve permanecer sempre em aberto, fundada em Deus, na Sua graça. Mesmo quando se morre sob os golpes. Como dizia, a esperança deve permanecer em aberto...
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Jean-Pierre, um dos monges sobreviventes de Tibhirine. Uma entrevista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU