07 Dezembro 2018
Neste sábado, 08 de dezembro de 2018, serão beatificados 19 mártires católicos perseguidos e mortos na Argélia. A cerimônia ocorrerá no Santuário de Notre-Dame de Santa Cruz de Orã. Em 28 de janeiro de 2018, o Papa Francisco permitiu a promulgação do decreto em que Dom Pierre Claverie, os sete monges de Tibhirine e outros 10 religiosos mortos entre 1994 e 1996 fossem oficialmente declarados mártires.
- Irmão Henri Vergès, Irmão Marista (+ 8 maio 1994)
- Irmão Paul- Hélène Saint–Raymond, Pequeno Irmão da Assunção (+ 8 maio 1994)
- Irmã Esther Paniagua Alonso, Irmã Agostiniana Missionária (+ 23 outubro 1994)
- Irmã Caridad Alvarez Martin, Irmã Agostiniana Missionária (+ 23 outubro 1994)
- Padre Jean Chevillard, Padre Branco (+ 27 dezembro 1994)
- Padre Charles Deckers, Padre Branco (+ 27 dezembro 1994)
- Padre Christian Chessel, Padre Branco (+ 27 dezembro 1994)
- Padre Alain Dieulangard, Padre Branco (+ 27 dezembro 1994)
- Irmã Angèle- Marie (Jeanne Littlejohn), Irmã de Nossa Senhora dos Apóstolos (+ 3 setembro 1995)
- Irmã Bibiane (Denise Leclercq), Irmã de Nossa Senhora dos Apóstolos (+ 3 setembro 1995)
- Irmã Odette Prévost, Pequena Irmã do Sagrado Coração (+ 10 novembro 1995)
- D. Pierre Claverie, Bispo de Orã (+ 1 agosto 1996)
- 7 irmãos trapistas de Tibhirine (+ 21 maio 1996)
A reportagem é de Guido Dotti, publicada por Avvenire e reproduzida por Giovani e Missione*, 03-12-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em maio de 1996, na Argélia, sete monges trapistas caíram sob os golpes dos fundamentalistas islâmicos, testemunhas da fé autêntica em Deus e uma profunda amizade com o povo argelino. Mas que legado espiritual eles deixaram para a Igreja universal? E como o diálogo islamo-cristão pode inspirar-se em seu testemunho hoje? No aniversário da sua morte, Populi lembra o martírio procurando em suas palavras e naquelas de quem os conheceu um germe de esperança para um mundo que parece dilacerar-se em um inútil confronto entre civilizações.
Irmãos trapistas do Tibhirine (Foto: https://robertjprince.net/)
"Memória Evangélica da Igreja", assim o padre jesuíta Jean-Claude Guy havia definido à vida religiosa e monástica em particular: ele tinha percebido a fecundidade das origens e sua progressiva dilatação dentro de uma Igreja que saia da temporada do martírio de sangue para entrar naquela que se tornaria a época multissecular da cristandade. "Memória evangélica", porque com o seu "ser", antes mesmo de que com o seu "agir", os religiosos lembram à Igreja algumas instâncias do Evangelho que correm o risco, na sucessão das épocas históricas, de serem negligenciadas, esquecidas, quando não contraditas.
É esse tipo de "memória" que nos relembra a celebração do sequestro seguido do assassinado dos sete monges trapistas de Notre-Dame de l'Atlas, em Tibhirine, Argélia. Irmão Christian, o prior, e seus coirmãos Luc, Christophe, Michel, Bruno, Célestin e Paul caíram "vítimas do terrorismo que parece querer atingir todos os estrangeiros que vivem na Argélia", como escreveu em seu testamento - um texto de forte significado cristão comparável ao que emerge dos Acta Martyrum dos primeiros séculos - Irmão Christian em dezembro de 1993 a janeiro de 1994, após a primeira séria ameaça dos fundamentalistas islâmicos. Os sete monges foram os últimos de 18 religiosos e religiosas vítimas de uma violência cega; depois deles caiu o bispo de Orã, o padre dominicano Pierre Claverie, assassinado junto com seu jovem motorista muçulmano em seu retorno de uma celebração em memória dos sete monges de Atlas.
Dom Pierre Claverie (Photo: DR)
Mosteiro de Tibhirine (Foto: Habib Kaki | Flickr)
No entanto, cada uma dessas vítimas, bem como cada um dos poucos, humildes, mas orgulhosos cristãos que permaneceram na Argélia, começando com o arcebispo de Argel, Dom Henri Teissier, fez justamente com a própria vida o que escrevia Irmão Christian em seu testamento: "Seria um preço muito caro para o que, talvez, chamarão de "graça do martírio" deve-la a um argelino, seja ele quem for, especialmente quando ele afirma agir com fé no que ele acredita ser o Islã. Conheço o desprezo com que foram cercados os argelinos globalmente presos. Eu também conheço as caricaturas do Islã que um certo tipo de islamismo encoraja. É muito fácil apaziguar a consciência identificando essa via religiosa com os integralismos dos seus extremistas. A Argélia e o Islã, para mim, são outra coisa: são um corpo e uma alma".
Palavras, estas, que parecem escritas ontem, mas que, em vez disso, precederam oito anos naquele 11 de setembro, que muitos continuam a considerar um divisor de águas da nossa época. Palavras que na verdade são baseadas em um cotidiano, incansável, agir uns ao lado dos outros, em um esforço constante para fazer do outro um amigo, para transformar o hostes, o adversário, em hospes, o hóspede acolhido na própria casa, na própria mente e no próprio coração. Apenas alguns meses atrás, com a trágica morte de Dom Andrea Santoro em Trabzon, na Turquia, esse testemunho até o sangue de alguns cristãos em países onde a Igreja é reduzido a uma pequena minoria, voltou a sacudir profundamente não só aqueles que compartilham a fé, mas também aqueles que, agora afastados da fé e da prática cristã, medem o que significa viver e testemunhar o próprio credo num contexto, se não hostil, no mínimo indiferente. Sim, percebemos algo da magnitude de termos como "cristianismo", "religião civil", "raízes cristãs" ou ainda "pequeno rebanho", "fermento", "sal da terra", quando a brutalidade de alguns eventos sacode os nossos raciocínios e nos confronta com a aparente "loucura" do Evangelho. Assim, querendo ou não, entendemos que, ao anunciar as boas novas, o "modo" de testemunhar isso não faz parte de estratégias de mercado nem de cálculos de poder, mas tem a ver com o próprio conteúdo da fé.
Dos sete monges de Atlas, os jornais franceses escreveram que a história deles havia "reevangelizado" toda a França. Nesse sentido, podemos retomar o ditado patrístico que viu no "sangue dos mártires a semente dos cristãos": olhando os acontecimentos humanos através do olhar de Deus, como autênticos 'contemplativos', podemos discernir a fecundidade evangélica da boa nova do Evangelho entre os homens e mulheres do nosso tempo, para além de divisões e diferenças.
Christian de Chergé (Foto: America Magazine)
Irmão Christian ainda escrevia em seu testamento: "eis que (assassinado) poderei, se isso for do agrado de Deus, imergir o meu olhar naquele do Pai, para contemplar com ele seus filhos do Islã como ele os vê, totalmente iluminados pela glória de Cristo, frutos de sua paixão, investidos do dom do Espírito, cuja alegria secreta sempre será estabelecer a comunhão e restabelecer a semelhança, jogando com as diferenças”.
O século XX foi tragicamente rico de testemunho do único Deus até derramar o sangue, e muitas vezes processadas em uma comunhão brilhante de martírio que apagava nos atrozes sofrimentos de campos de concentração e Gulag qualquer separação confessional. Esse olhar sobre o desdobramento humano da fé no único Deus talvez possa ser capaz de lançar luz sobre algo que será a "visão de paz" que nos será dada contemplar na plenitude dos tempos. Nas últimas décadas a ligação intrínseca entre a vida cristã cotidiana e o testemunho até o martírio voltou a brilhar no coração da Igreja, depois de ter ficado confinado por quinze séculos nas regiões extremas da missão. Homens e mulheres armados unicamente de seus batismos, catequistas, freiras, monges, bispos, seminaristas têm testemunhado o cumprimento da "vida doada" na radicalidade de serem seguidores do Senhor Jesus. É claro que a eclosão do martírio em uma Igreja que se descobre minoria sem as garantias que lhe eram fornecidas por uma sociedade cristã provoca medo, dispersão, insegurança... Mas esses são os sentimentos que devem habitar aqueles que não querem mais nada para si mesmos e se preocupam com a anunciação do Evangelho? Assim escrevia Irmão Christian: "Insegurança? É uma graça de fé. A mais desconfortável para aquele que pensa apenas em dormir. A mais adequada para a vigilância ... A Cristo foi oferecido escolher entre duas estabilidade: o trono ou a cruz. Cristo escolheu a cruz: fez dela o seu trono, o banco do seu reino. Infelizmente, no curso da história, a Igreja muitas vezes preferiu o trono. Especialmente depois que o edito de Constantino tornou a cruz mais difundida e o trono mais cúmplice”. Realmente essa "insegurança", esse retorno da possibilidade do martírio é um grande sinal para todos, dentro e ao lado da Igreja: cristãos de todas as latitudes e confissão mostram a seus irmãos na humanidade que vale a pena viver, porque vale a pena morrer por Jesus Cristo e que ser batizados é um assunto sério, o "caso sério" que determina a própria morte física. O sofrimento até a morte, aceito no amor inclusive pelo inimigo, é a rejeição extrema da lógica da inimizade, o único ato que pode pôr um fim à cadeia de revanches e vinganças. Com o martírio, um cristianismo que parece em dificuldade para se comunicar com os homens de hoje encontra, em uma "graça a caro preço", a capacidade de suscitar questões e agitar as consciências. Como observava Inácio de Antioquia, no final do primeiro século, enquanto era levado ao martírio em Roma, é nas situações em que o cristianismo é odiado e combatido que emerge com força sua verdadeira natureza, o seu ser "não obra de persuasão, mas de grandeza".
Sim, para a redescoberta dessa riqueza perdida devemos ser gratos para a multidão de testemunhas de toda língua, raça, povo e nação que derramaram o sangue por Cristo, fazendo de toda a sua vida uma constante "memória evangélica da Igreja." O seu sacrifício, ressoa inclusive como um julgamento para nós: estamos conscientes de que esses irmãos, nossos contemporâneos, enfrentavam por amor a Cristo os sofrimentos, a tortura, a morte violenta no mesmo contexto histórico em que somos tentados a condescender com as adulações da mundanidade e procuramos tornar o cristianismo mais cômodo, às vezes acabando por esgotar aquela fé que, sozinha, vence o mundo?
Veja nos mapas:
Assista ao trailer do filme Homens e Deuses, que retrata o martírio dos monges trapistas:
* Reproduzimos o texto publicado originalmente em 2006 em virtude da Beatificação dos Mártires no dia 08 de dezembro.
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Beatos Mártires da Argélia - 1994-1996 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU