17 Janeiro 2015
As edições Bayard publicaram as 74 cartas que Christian de Chergé (foto), monge e depois prior da abadia de Notre-Dame de l'Atlas, em Tibhirine, enviou entre 1974 e 1995 ao padre Maurice Borrmans, em Roma. Inéditas, essas cartas oferecem uma luz preciosa sobre o modo com o qual o Islã alimentou profundamente a oração, a teologia e a espiritualidade desse monge cisterciense, sequestrado e assassinado com seis dos seus coirmãos no dia 21 de maio de 1996.
A reportagem é de Anne-Bénédicte Hoffner, publicada no jornal La Croix, 15-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como jovem padre e simples monge cisterciense, Christian de Chergé foi estudar dois anos em Roma, no Ipea, o Instituto Pontifício de Estudos Árabes (que depois se tornaria o Pontifício Instituto de Estudos Árabes e de Islamologia, Pisai). Então, ele conhece Maurice Borrmans, dos Padres Brancos, muito mais à frente do que ele, naquele tempo, nos estudos islamológicos: depois de 20 anos na Argélia e na Tunísia, este último ensinava direito muçulmano e história das relações islamocristãs naquele instituto de formação, criado inicialmente na Tunísia pelos Padres Brancos e depois transferido para Roma, e dirigia a sua revista, Islamochristiana. Maurice Borrmans, portanto, é "o mestre", e Christian de Chergé, "o aluno".
Mas, a partir do retorno deste último ao seu priorado de Tibhirine, perto de Medea, na Argélia, começou entre os dois uma correspondência de extrema fidelidade: ambos são muito escrupulosos ao enviar os melhores votos pelo seu onomástico (o dia de São Maurício para um, o de São Bernardo, fundador da Ordem Cisterciense, para o outro), ao contar os seus encontros, as suas leituras e os acontecimentos da sua vida universitária ou comunitária e espiritual.
Com grande confiança, Christian de Chergé confidencia os seus sofrimentos e a sua dificuldade para entender a procrastinação dos seus superiores sobre a vocação da abadia de Notre Dame de l'Atlas, as suas esperanças e, depois, as suas preocupações sobre a situação política argelina.
Apesar de todos os obstáculos, da falta de tempo, das preocupações materiais, ele tenta responder ao chamado que recebeu, "chamado monástica passando pelo canal da oração muçulmana". "Eu acredito com todas as minhas forças que, para entrar em verdade no diálogo, será preciso aceitar, em nome de Cristo, que o Islã tenha algo a nos dizer por parte de Cristo", escreve ele no dia 12 de junho de 1982. "Senão, cada um 'fica na sua', mantém distância, e a atenção cortês que manifestamos ao outro permanece estéril, além de nos ajudar a fornecer argumentos apologéticos".
Com os seus encontros, os seus contatos com os religiosos e as religiosas que viviam no mundo muçulmano, o padre De Chergé não ignora, é claro, "tudo o que se pode cometer, um pouco por toda a parte, ou dizer, ou acreditar em nome de um Islã duro e incontestavelmente ofensivo".
"Digo apenas que esse não é o Islã de Deus... assim como Le Pen ou Dom Lefebvre não podem pretender encarnar o Evangelho aos meus olhos", escreve aquele que resolutamente optou por levar adiante um diálogo teológico e espiritual com os membros da irmandade sufi Alawiya.
É justamente o itinerário de uma vocação – "de um percurso", escreve o geral Robert de Chergé, um dos irmãos de Christian de Chergé, no posfácio –, que é delineado por essas 74 letras, que vão de 1974 ao Natal de 1995, poucos meses antes do sequestro e do assassinato dos sete monges de Tibhirine.
Cartas que o padre Borrmans reconhece ter "hesitado longamente para publicar". "E depois houve aquele filme, Homens e deuses, que é muito bonito, mas não diz tudo, e o livro de Christian Salenson. Tudo isso tornou de domínio público, de maneira respeitosa, o itinerário de Christian de Chergé: essas cartas poderão ajudar as pessoas a aprofundá-lo", explica o islamólogo agora aposentado em Lyon.
Para além da sua "cumplicidade" intelectual e espiritual, a sua correspondência deixa entrever, aqui e ali, "divergências". "Christian tinha uma vocação de monge, e eu, de religioso comprometido", resume o padre Borrmans, que – no prefácio – destaca que achava justo que "Christian crescesse, e Maurice diminuísse, mas sem desaparecer".
"São necessários monges na montanha para explorar as convergências últimas, e outros, nas planícies, para encontrar, discutir e organizar uma comunidade do viver-comum onde possamos coexistir."
Uma mensagem terrivelmente atual, quando "os islamofóbicos concorrem com os cristianofóbicos", observa "o amigo fraterno", convencido "de que um testemunho como o de Christian deve ser ouvido".
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Uma luz inédita sobre o itinerário espiritual de Christian de Chergé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU