25 Mai 2016
“Depois de duas tentativas de restaurar a vida monástica em Tibhirine, o então Arcebispo de Argel, Henri Teissier, pediu-me, a mim, padre da Missão de França e engenheiro agrônomo, para encarregar-me da herança dos monges na transição, que nunca imaginei pudesse durar quinze anos. Meu papel foi de continuar a "cultivar" o espírito de Tibhirine: por um lado, tratava-se, muito concretamente, de levar adiante o trabalho agrícola nos terrenos do mosteiro, por outro, garantir uma presença que pudesse consentir um novo nascimento”, escreve Jean Marie Lassausse, Padre da Missão da França, que se ocupa do mosteiro Tibhirine há quinze anos, em artigo publicado por Mondo e Missione, 24-03-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
Vinte anos depois do sequestro e do bárbaro assassinato, a memória dos monges trapistas de Notre Dame de Atlas, Algéria, ainda está viva. Não só como memória. O "espírito de Tibhirine" continua sendo uma verdadeira possibilidade de encontro.
A história dos monges de Tibhirine continua, enquanto celebramos o dom das suas vidas, oferecidas a Deus e aos homens daquele país, a Argélia, que eles tanto amaram. Vinte anos se passaram desde aquela noite de 26-27 de março de 1996, quando sete monges trapistas foram sequestrados e posteriormente mortos. Vinte anos de memória atravessaram o tempo, uma geração que passa, uma história cheia de acontecimentos, uma partilha de vida que não se extinguiu, uma presença que continua com homens novos, empenhados no mesmo sulco de fraternidade e diálogo entre muçulmanos e cristãos.
Esta memória, guardada principalmente pela população de Tibhirine, uma centena de famílias, lembra a presença dos monges ao lado deles: "Vocês são os ramos em que nós, os pássaros, nos abrigamos". O povo nunca pediu, direta ou indiretamente, que os monges deixassem Tibhirine; pelo contrário, desejava profundamente o retorno da comunidade dos "homens de oração entre os homens de oração do islã". Não passa um dia sem que um ou outro morador não repita isso para mim, com lágrimas nos olhos.
Os sete irmãos mortos e os dois sobreviventes deixaram na memória bondade, trabalho, oração e serviços, que muitos choram até hoje. E, surpreendentemente, quase todas as semanas chega à porta do mosteiro alguém procurando... O irmão Luc, médico! Não sabem que foi assassinado, ou pensam que há alguém em seu lugar. Tanto ainda está viva sua fama!
Depois de duas tentativas de restaurar a vida monástica em Tibhirine, o então Arcebispo de Argel, Henri Teissier, pediu-me, a mim, padre da Missão de França e engenheiro agrônomo, para encarregar-me da herança dos monges na transição, que nunca imaginei pudesse durar quinze anos. Meu papel foi de continuar a "cultivar" o espírito de Tibhirine: por um lado, tratava-se, muito concretamente, de levar adiante o trabalho agrícola nos terrenos do mosteiro, por outro, garantir uma presença que pudesse consentir um novo nascimento. Nunca me arrependi de ter aceito essa tarefa, embora não tenha sido fácil. Isso porque trouxe-me também muitas recompensas, sobretudo pela gentileza das pessoas e pelo o tecido de relações que herdei de quase sessenta anos da presença monástica nestas alturas do Atlante argelino.
Por outro lado, Tibhirine é ainda uma questão em aberto, uma página dolorosa, entre dois países, a ex-potência colonial francesa e a Argélia independente. Dolorosa, porque ainda não se encontrou a verdade. O caso da morte dos monges não só está aberto, mas continua a ser atormentado por uma série de mentiras, enganos, dossiês escondidos, contínuos desentendimentos e insinuações. Sempre pensei necessário, neste contexto, continuar presente e trabalhar com discrição, para garantir, ano após ano - bebendo nas tradições daqui, e melhorando, tanto quanto possível, a língua - uma presença permanente, que só foi possível há pouco mais de um ano atrás. Ser reconhecido como Ibn el balad - filho do lugar - é um salvo conduto muito eficaz, hoje, para a cotidianidade da vida do mosteiro.
Finalmente, no vigésimo aniversário da morte dos monges, poderia haver uma nova presença, a do Chemin Neuf. Trata-se de uma comunidade nova, com foco no diálogo ecumênico, com a tarefa de preservar a memória, mas também de inventar novas formas de solidariedade e de irmandade entre o mosteiro e a população, bem como de continuar a fazer do mosteiro um lugar de referência, não só para os cristãos da Igreja da Argélia, mas também para a Igreja universal, que aprendeu, nos últimos anos, a reconhecer o "espírito de Tibhirine", espírito de tolerância e fraternidade entre as religiões, e de convívio entre crentes diferentes. Em outras palavras, ser sinal de uma possível convivência entre os moradores do local e as pessoas oriundas de outros lugares. Para tonar isto possível, é preciso superar a relutância das autoridades argelinas que tem tomado, nos últimos tempos, medidas de segurança cada vez mais restritivas, especialmente depois dos atentados em In Amenas, de 2013, e o assassinato de Hervé Gourdel, na Cabília, em 2014.
Isso significa que, tanto eu como o leigo cisterciense que vive comigo em Tibhirine, temos que relatar todos os nossos deslocamentos, além de obrigados a andar sempre com guarda-costas. Não podemos deixar o mosteiro, nem para ir até aldeia cumprimentar um vizinho. Frequentemente, os vistos dos estrangeiros que vivem na Argélia, que querem visitar-nos, são negados, e os próprios argelinos devem identificar-se à polícia. Às vezes me pergunto o que as autoridades argelinas querem de fato: uma presença discreta ou o fechamento do mosteiro? Claro, nós somos estrangeiros que vivem discretamente na "casa do islã", como diziam os próprios monges. Mas qualquer estrangeiro, se tem deveres para com o país que o acolhe, também tem direitos. É por isso que, hoje mais do que nunca, somos chamados a dialogar e refletir juntos sobre direitos mútuos.
Para mantermos presença em Tibhirine, portanto, é preciso pagar o preço, às vezes pesado, ligado ao problema da segurança. Devemos ter consciência, porém, sem sacrificar o sentido de nossa presença aqui: a criação de uma plataforma para o diálogo entre religiões, em vista de uma melhor convivência. Durante a longa presença dos monges cistercienses, o objetivo foi o mesmo: convívio, em vista de maior fraternidade. Não podemos esquecer disso, apesar das dificuldades. Nada nos pode impedir de continuar a construir oportunidades para um verdadeiro diálogo, em vista de um mundo sempre mais acolhedor e respeitoso das diferenças.
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Tibhirine, vive vinte anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU