23 Março 2020
Se um padre está usando uma máscara e está a um ou a dois metros de distância de um penitente que pede o sacramento da Reconciliação, ele está realmente mais presente do que se fosse por telefone?
A reportagem é de Cindy Wooden, publicada por Catholic News Service (CNS), 20-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Talvez sim, mas talvez não, disse o Pe. Giorgio Giovanelli, professor de Direito Canônico da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma e pároco da Igreja de Santa Maria Goretti, em Fano, a pouco menos de 300 quilômetros a nordeste de Roma.
De acordo com as normas de confinamento da Itália e com os conselhos da Conferência Episcopal Italiana, o Pe. Giovanelli disse que, quando um paroquiano vem para a confissão, ele o leva para a sacristia.
Usando uma máscara, como prescrito pela Conferência Episcopal, o Pe. Giovanelli fica em um canto da sala, e o penitente, no canto diagonalmente oposto.
A sacristia, disse ele ao Catholic News Service, é a única sala grande o suficiente para garantir que ele possa ficar a mais de um metro de distância e garantir o sigilo da confissão ao mesmo tempo.
O Pe. Giovanelli formou recentemente o grupo “Juristas pela Pastoral”, um grupo de canonistas e advogados civis católicos focado nas aplicações pastorais da lei da Igreja.
O Direito Canônico exige, na maioria dos casos, que o padre e o penitente estejam fisicamente presentes um em relação ao outro. O penitente declara seus pecados em voz alta e expressa contrição por eles. O padre presente, como diz o Catecismo da Igreja Católica, “exerce o ministério do bom Pastor que procura a ovelha perdida: do bom Samaritano que cura as feridas; do Pai que espera pelo filho pródigo e o acolhe no seu regresso; do justo juiz que não faz acepção de pessoas e cujo juízo é, ao mesmo tempo, justo e misericordioso. Em resumo, o sacerdote é sinal e instrumento do amor misericordioso de Deus para com o pecador” (n. 1.465).
A confissão sob confinamento não é a ideal, disse o Pe. Giovanelli, mas, com a maioria de seus paroquianos, é possível cumprir os requisitos da Igreja para o sacramento, mesmo com as diretrizes da Conferência Episcopal sobre a pandemia.
Ele disse não acreditar que existam as condições para que os bispos autorizem o uso da absolvição geral sem as confissões individuais.
Essa prática, geralmente reservada para comunidades que passarão muitos meses sem um padre e para grupos que enfrentam um perigo iminente de morte, exige, mesmo assim, um encontro dos penitentes que solicitam a absolvição.
No confinamento, disse ele, “eu não posso simplesmente sair ao pátio, fazer o sinal da cruz e dar a absolvição à cidade. E você não pode colocar um padre na frente do hospital” e fazer o mesmo para as pessoas que estão lá dentro, quer elas expressem ou não o desejo de serem perdoadas.
“Uma coisa é estar diante de um grande grupo de pessoas que querem o perdão”, disse ele, e outra é fazer algo impessoal, genérico para um grupo de pessoas que talvez nem saibam que isso está acontecendo.
O Pe. Giovanelli disse que tem dois grupos de paroquianos que merecem uma atenção especial e extraordinária: os idosos – para quem uma pessoa assintomática poderia transmitir o vírus – e aqueles que estão no hospital, testaram positivo para a Covid-19, estão isolados e em perigo de morte.
Para seus paroquianos que se encontram nesses grupos, disse, ele deveria poder ouvir as confissões e conceder a absolvição sacramental mediante um telefonema ou uma videochamada. Ele não está propondo algum tipo de aplicativo impessoal ou dispensador de absolvição por telefone, mas sim um telefonema e um gesto sacramental do seu pároco, um padre que eles conheçam e que os conheça.
“Sou a favor do uso do Direito Canônico para a salvação das almas e a felicidade dos fiéis”, disse ele, acrescentando que a absolvição por telefone exigiria uma permissão especial do Papa Francisco, porque a regra do contato “pessoal” faz parte da lei universal da Igreja.
Os idosos e as pessoas hospitalizadas com Covid-19, que não podem se confessar por razões alheias à sua vontade, enfrentariam o teste da “necessidade”, afirmou.
“Alguns objetariam que o padre deve estar presente. Tudo bem, esse é o tipo de coisa que as pessoas diriam nos anos 1980, mas o desenvolvimento da tecnologia nos permitiu ter outros tipos de presença”, disse. “Estou menos presente por telefone? A presença virtual é real. Quem poderia dizer que falta a dimensão celebrativa do sacramento nessas situações muito particulares e definidas de maneira restrita?”
O Pe. Giovanelli disse que não está buscando “uma mudança na prática sacramental, mas sim responder a uma nova situação na qual devemos sempre considerar que a lei suprema da Igreja é a salvação das almas”.
“Essa poderia ser a ‘criatividade’ que o Papa Francisco pediu aos padres” para responder à pandemia, disse ele. “Isso não é teoria, mas sim pastoral.”
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