03 Março 2020
O domingo sem missa, "a interrupção do culto público foi acolhida pela igreja italiana com um grande sentimento de preguiça burocrática. Como se o catolicismo vivo tivesse se acomodado à proibição. Deixando o campo livre àquele tipo de sermões sobre o bem que derivará do desastre, a tese (blasfema) sobre os "castigos de Deus", às banalidades. Como se não se quisesse ver um fato", escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 02-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "isso parte daquelas igrejas que durante anos acreditavam render culto a Deus, negando a eucaristia aos divorciados penitentes, chamando de tradição a indiferença diante do drama de comunidades que nunca mais terão um padre celibatário para a missa, que puniram ou ignoraram pessoas que, em algum lugar do mundo, partiram o pão "em memória de mim" sem serem ordenadas - aquelas igrejas, hoje, se encontram excluídas da eucaristia. Por decreto regional. Exoneradas por um domingo as minimizações da "norma normativa", que é a comunhão, ficaram no jejum eucarístico".
A Quaresma começou sem a missa dominical em muitas igrejas no norte da Itália. Pouco importa, visto que tão poucos a frequentam, dirão aqueles que seguem a cartilha da secularização.
E de fato "apenas" 6 a 7 milhões são os que participam de uma liturgia aos domingos. Poucos em relação ao triunfalismo sobre valores e raízes do "país católico". Mas, por si só, muitos: que marcam o tempo em uma comunidade cristã e "não podem viver", dizia Crisóstomo, sem se alimentar das três mesas - a da palavra, do pão e do vinho e do compartilhamento com o pobre - que são a substância do culto divino.
Para muitos deles, a missa foi proibida. Colocada no mesmo plano que museus, teatro, futebol: dentro e ao redor das áreas vermelhas. Tratada como uma atividade cultural e como uma aglomeração.
Com uma proibição estendida às liturgias batismais e funerais, excetuando por enquanto, o direito de morrer do defunto. O "confinamento" do culto não afeta apenas o catolicismo romano: mas, ao aplicá-lo, traz à tona duas ordens de problemas.
O primeiro problema pertence ao direito. Em um país em que pela Constituição o estado e a igreja são "cada um em sua ordem, independentes e soberanos", a liberdade de culto pode ser limitada com base nas competências sanitárias das quais apenas Sabino Cassese (jurista italiano, ndt) parece lembrar origens, titulares e perfis?
Alguns bispos perceberam imediatamente a delicadeza dessa passagem: e tomaram providência para adotar a suspensão das celebrações através de um ato próprio. Outros prelados não perceberam o problema: nem mesmo quando o Ministro da Educação Azzolina suspendeu as viagens de turismo, mas não as "peregrinações", precisamente porque “quem de dever” deveria tomar as medidas necessárias na própria esfera de competência.
O governo percebeu, mas não resolveu a questão, em um parágrafo do novo decreto de emergência Covid-19, que proíbe qualquer manifestação religiosa nas áreas vermelhas e naquelas limítrofes permite que a comunidade se reúna deixando "pelo menos um metro" entre fiel e fiel. De fato, pode parecer para alguns um problema que se resolverá sozinho com o fim da infecção e, portanto, não é importante. Ao contrário - dado que quando a liberdade religiosa e a liberdade de culto estão em jogo, tudo é importante e nada se resolve por si só - seria necessário avaliar tudo com mais atenção, mesmo que apenas pelo precedente que está criando: e perguntar-se como pedir à comunidade de fé para assumir a própria responsabilidade.
Mas o domingo sem missa também levanta um problema diferente, mais requintadamente espiritual. Somente os imbecis pensam que a verdade capenga da ciência possa ser substituída por aquela devoção arrogante e integralista, que exatamente por isso não pode ser cristã. Para todos, crentes e agnósticos, portanto, são necessárias precauções, hospitais capazes de tratar – inclusive os sonegadores fiscais – senso de responsabilidade.
No entanto – ressaltaram isso Enzo Bianchi e Andrea Riccardi – a interrupção do culto público foi acolhida pela igreja italiana com um grande sentimento de preguiça burocrática. Como se o catolicismo vivo tivesse se acomodado à proibição. Deixando o campo livre àquele tipo de sermões sobre o bem que derivará do desastre, a tese (blasfema) sobre os "castigos de Deus", às banalidades. Como se não se quisesse ver um fato.
E é isso que parte daquelas igrejas que durante anos acreditavam render culto a Deus, negando a eucaristia aos divorciados penitentes, chamando de tradição a indiferença diante do drama de comunidades que nunca mais terão um padre celibatário para a missa, que puniram ou ignoraram pessoas que, em algum lugar do mundo, partiram o pão "em memória de mim" sem serem ordenadas - aquelas igrejas, hoje, se encontram excluídas da eucaristia. Por decreto regional. Exoneradas por um domingo as minimizações da "norma normativa", que é a comunhão, ficaram no jejum eucarístico. Com os fiéis que assistem na TV às missas celebradas em uma solidão clerical, colocadas no centro de uma prova coletiva que é, portanto, uma vocação do Evangelho ao longo do tempo.
Essa vocação pode dar origem a teoremas sádicos do integrismo que acredita em um deus mau, que nunca será o de Abraão. Mas pode ser a oportunidade de expressar intercessão, silêncio, fraternidade, compaixão: hábitos virtuosos que são sempre medidos e apenas pela credibilidade de quem os veste. Portanto, é possível aderir às ordenanças em prol dos mais frágeis: mas se e somente se dos frágeis já se conheciam os nomes, como em uma família; e não a categoria de saúde, como em uma aglomeração. Ou, por amor, é possível escapar das ordenanças: assim como fez Dom Mario Fini, que reuniu na paróquia os amigos e parentes do jovem neto de Vittorio e Romano Prodi, que morreu em um acidente automobilístico. Porque uma comunidade que reza é uma família: que deve ser prudente, mas é uma família. E não uma aglomeração.
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Uma comunidade que reza não é uma aglomeração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU