O Sínodo nos ajuda a entender que a solução não está no Direito Canônico, mas na profecia

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17 Outubro 2019

Numa sociedade e numa Igreja, em que muitas vezes ficamos em documentos que não são implementados, o Sínodo da Amazônia, que na quarta-feira retomou o trabalho em pequenos grupos, quer, como expressaram os representantes dos povos originários, que esse momento não fique em palavras "em um discurso mercantilista, mas que afeta as consciências".

A informação é de Luis Miguel Modino.

As palavras de Yesica Patiachi, a indígena do harakbut, que falou ao Papa em Puerto Maldonado em janeiro de 2018, as expressou no briefing com os jornalistas realizado na Sala Stampa do Vaticano, onde ela assumiu que “os povos indígenas temos medo”, diante dos ataques de uma sociedade que, por um lado, “quer nos ver em uma vitrine” e, por outro, principalmente entre os que representam as grandes corporações empresariais, “nos quer divididos e que desapareçamos”. Tudo isso porque "nós fomos, somos e seremos os guardiões das florestas", embora, como ela lembrou, "cuidar da Casa Comum seja tarefa de todos".

Não podemos esquecer que o Sínodo vai definindo seus temas fundamentais, que, nas palavras de Paolo Ruffini, se concentram na Casa Comum, no chamado à conversão ecológica, na consciência eclesial dos pecados sociais e ecológicos, no diálogo intercultural que facilita uma Igreja missionária, profética e em saída, o problema do acesso à Eucaristia, aos ministérios, à migração para as cidades, à dimensão social da Igreja. Tudo isso, insistiu Ruffini, buscando uma visão conjunta que busque uma abordagem global, elemento decisivo de qualquer processo sinodal, sem parar em questões individuais. O norte do Sínodo não pode ser perdido e deve ficar claro que a solução não está no Direito Canônico, mas na profecia.

Mais uma vez tem sido destacada a liberdade presente na sala sinodal e nos grupos de trabalho, tudo em vista de uma caminhada em conjunto, pois a unidade deve permanecer sobre o conflito, uma ideia presente na Evangelii Gaudium, que recordou o jesuíta Giacomo Costa. Em muitos bispos presentes no Sínodo para a Amazônia, existe uma preocupação com o que está acontecendo fora da sacristia, algo que foi testemunhado por Dom Ambrogio Spreafico, bispo de Frosinone - Veroli - Ferentino, que disse a jornalistas que “desde que fui nomeado bispo, percebi que era necessário não apenas cuidar das almas, mas também da terra onde moro”, algo baseado no livro de Gênesis e na Laudato Si, que “ainda não foi entendida como um meio de ser cristão”, de acordo com o bispo italiano.

Um dos aspectos presentes nos debates é o do sacerdócio, sobre o qual na assembleia existem ideias divergentes, como reconheceu Dom Wellington de Queiroz Vieira, bispo de Cristalândia - TO, embora também tenha destacado o ambiente fraterno em meio a essas diferenças. Especificamente, ao falar sobre os viri probati, ele afirmou que “para ter padres, o celibato não é o maior problema, mas nossa incoerência, escândalos, falta de santidade”, algo que impede que os jovens se interessem pelo sacerdócio. Tudo isso sem esquecer que outro problema é a distribuição desigual do clero e o pouco espírito missionário de muitos padres para ir em missão nas regiões onde há maiores necessidades.

Nessa perspectiva, os leigos desempenham um papel fundamental, cujo papel, principalmente na Igreja da Amazônia, deve ser mais valorizado, como assinalou Dom Pedro Conti, bispo de Macapá - AP, por tudo o que eles fazem, dentro e fora da Igreja. De fato, é o leigo que muitas vezes resolve o acompanhamento eclesial deficiente às comunidades, especialmente aos povos indígenas, o que exige, como está sendo apontado na assembleia sinodal, passar de pastoral da visita para uma pastoral de presença. Nesse sentido, as mulheres são de importância decisiva, como disse Dom Wellington de Queiroz Vieira, "sem as mulheres, muitas de nossas comunidades não existiriam".

Os discursos dos indígenas, nos quais eles expressam seus clamores, que são compartilhados pelos presentes, juntamente com a humildade e gestos de proximidade do Papa, comoveram muitos dos presentes na aula sinodal, algo que foi repetido no encontro com os jornalistas nesta quarta-feira. Ouvindo a história do povo Harkbut dos lábios de Yesica Patiachi, como seu povo, que chegou a ser formado por 50.000 pessoas, viu como os seringueiros colocaram em uma ilha e mataram 10.000 indígenas em um dia, cujos corpos foram jogados no Rio Madre de Dios[1], o que causou a morte de muitos outros que beberam a água, tudo porque não estavam dispostos a trabalhar como mão de obra barata.

Madre de Dios, Peru (Fonte: Serperuano.com)

Nessa situação, o dominicano José Álvarez, o Apaktone, chegou à região, se tornando uma figura de agradável memória entre os povos indígenas da região de Madre de Dios [2], que viviam uma situação semelhante à atual, de grande aflição para esses povos, como enfatizou Yesica Patiachi. Ele veio em seu auxílio, o que possibilitou, entre outras coisas, que hoje ela esteja aqui defendendo seu povo, porque, se não fosse por ele, provavelmente o povo harakbut teria desaparecido diante dos ataques dos seringueiros. Fortalecer esse acompanhamento aos povos é, sem dúvida, um dos grandes desafios da Igreja, um caminho no qual o Sínodo para a Amazônia pode ter uma importância decisiva.

Rio Madre de Dios (Fonte: Wikipédia)

Nota de IHU On-Line:

1. O Rio Madre de Dios é um rio compartilhado pela Bolívia e pelo Peru, que é homônimo da região peruana por onde passa. Em território boliviano, é um afluente do rio Beni, perto da cidade de Riberalta, que depois se une ao rio Mamoré para se tornar o rio Madeira após a confluência (Fonte: Wikipédia)

2. Madre de Dios é uma das 25 regiões do Peru. Localizado no sudeste do país. Criado em 26 de dezembro de 1912, sua capital é Puerto Maldonado. É limitado ao norte pelo departamento de Ucayali e pelo Brasil, a leste também com o Brasil e a Bolivia; a oeste com Cusco, e ao sul com Cusco e Puno. A capital se localiza na confluência dos rios Madre de Dios e Tambopata (Fonte: Wikipédia)

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