Quando a Igreja pretende se comportar de maneira diferente em relação a todos os outros, ela é uma Igreja clerical. A Igreja italiana está longe das pessoas, diz Enzo Bianchi. Mas Enzo Bianchi está longe da Igreja.
A opinião é do monsenhor italiano Alberto Carrara, da Diocese de Bérgamo, em artigo publicado no jornal diocesano Sant’Alessandro, 16-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Segunda-feira, 16 de março, 9h03. Chega uma mensagem da Cúria: “Confiamos a Cristo, Bom Pastor, a alma do Pe. Giuseppe Berardelli. Exéquias em forma privada”.
É o sétimo padre, se já não perdi a conta, que morre nesta semana. Eu conhecia o Pe. Giuseppe muito bem. Ele era pároco de Casnigo.
Enquanto sou tomado pela angústia diante de mais uma notícia trágica, leio o jornal La Repubblica e me deparo com o artigo de Enzo Bianchi. O fundador de Bose repreende a Igreja italiana por ter adotado para as comunidades cristãs as mesmas disposições adotadas pelas autoridades políticas.
Ele lamenta que, nessas disposições, faltem as preocupações pastorais e cristãs ditadas pelo Evangelho: “Compaixão, urgência no cuidado e na proximidade aos doentes”. Ele repreende os bispos por terem suspendido as celebrações litúrgicas, recorda que a liturgia é sempre “ação de toda a comunidade, sem substitutos”.
O substituto, evidentemente, é a missa “privada” sem participação do povo, como recomendado pelos bispos enquanto durar a epidemia. E conclui: “Se a Igreja não sabe estar presente no nascimento e na morte das pessoas, como poderá estar na vida delas? Pastores assalariados, menos dispostos a cuidar dos fiéis e das suas necessidades espirituais em comparação com os médicos e enfermeiros do corpo?”.
Os “pastores assalariados” e o monge
Enzo Bianchi é um monge. Os monges geralmente – nem sempre e nem todos, felizmente – pensam que o mundo é bom se for monástico. Os padres “assalariados”, como Enzo Bianchi os define sarcasticamente, têm o dever de impedir a propagação da epidemia, até porque são cidadãos como todos os outros e respeitam não apenas a sua saúde, mas também a dos seus paroquianos.
Os “padres assalariados” não estão longe da sua gente apenas porque devem ficar fisicamente longe nos dias da epidemia. Deve-se lembrar que, quando a Igreja pretende se comportar de maneira diferente em relação a todos os outros, ela é uma Igreja clerical, e não o é menos apenas porque a recomendação de ser diferente provém da solidão de um mosteiro. A Igreja italiana está longe das pessoas, diz Enzo Bianchi. Mas Enzo Bianchi está longe da Igreja.
O monge e o pároco
Além disso, viver em uma paróquia significa cultivar a proximidade com as pessoas sempre e não só nas liturgias. E a proximidade pode ser cultivada de vários modos nestes dias de provação, à espera de poder vivê-la em plenitude, em pouco tempo.
Imagino que, se Enzo Bianchi fosse pároco de Nembro, ele celebraria todos os funerais: 70 em 12 dias. Eu ficaria curioso para saber como ele faria. Mas Enzo Bianchi não vive em Bérgamo e não é pároco. E pode-se ver isso.
P.S.: Enzo Bianchi cita a exortação do papa, que recomendou reabrir as igrejas e estar perto de quem sofre. O papa não diz que é preciso celebrar missas e funerais com a presença dos fiéis, não diz que é preciso desobedecer as autoridades civis e religiosas, e também não especifica como se deve ficar perto de quem sofre.
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O coronavírus, o monge e os párocos: Enzo Bianchi acusa a Igreja italiana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU