06 Julho 2018
"Poderíamos dizer que o Papa ao ser o porta-voz e às vezes até ter uma abordagem de confrontação, gerou oposicionistas e fez com que a situação se tornasse mais hostil à causa dos migrantes. Ao mesmo tempo, vale a pena lembrar que Francisco se tornou um herói para os migrantes em todo o mundo, e muitos argumentam que ele está do lado certo da história independentemente das consequências políticas a curto prazo", escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 05-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
No próximo domingo completa exatamente cinco anos em que o Papa Francisco deixou Roma pela primeira vez desde sua eleição em 2013. O destino foi a ilha italiana de Lampedusa. Pode ter parecido ineficaz na época, mas olhando para trás, é óbvio que era um modelo para absolutamente tudo o que prega Francisco e sua rejeição da “cultura do descartável".
Papa entre refugiados, em Lampedusa (Foto: Reprodução Repubblica)
A rápida viagem de um dia do Papa, quase esquecida na época devido à comoção que cercou sua viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude poucos dias depois, basicamente continha todo o papado em uma menor escala. Isso faz do quinto aniversário de sua visita uma data que vale a pena comemorar.
Lampedusa é uma parte da Sicília que tem sido um importante ponto de chegada para migrantes e refugiados da África e do Oriente Médio que tentam atravessar o Mediterrâneo e chegar à Europa.
Geralmente sujeitos a exploração e abuso ao longo do caminho, os migrantes tentam atravessar o mar em barcos frágeis e superlotados. Cerca de 20 mil pessoas morreram assim nas últimas duas décadas. Francisco colocou uma coroa de flores no mar naquele dia 8 de julho para os reverenciar. Dias antes do Papa chegar, um barco que transportava 165 migrantes do Mali atracou no porto. No dia de sua chegada, 120 pessoas, incluindo quatro mulheres grávidas, foram resgatadas no mar depois que os motores do barco quebraram a 11 quilômetros da costa.
Francisco coloca coroa de flores no mar para reverenciar os refugiados mortos (Foto: Vatican News)
Na ocasião, Francisco criticou o que chama de "globalização da indiferença" aos migrantes, os denominando como principais vítimas de uma "cultura do descartável". A visita se mostrou profética. Duas semanas depois, outras embarcações vindas da Eritreia, Somália e Gana, pegaram fogo, deixando mais de 360 pessoas mortas.
“Vamos pedir ao Senhor para retirar a parte de Herodes que se esconde em nossos corações”, disse Francisco naquele dia, se referindo à história do rei no Novo Testamento que ordenou que as crianças fossem massacradas num esforço para atacar o menino Jesus. “Peçamos ao Senhor a graça de chorar sobre a nossa indiferença, de chorar pela crueldade do nosso mundo, do nosso coração e de todos aqueles que no anonimato tomam decisões sociais e econômicas que abrem as portas para situações trágicas como esta”.
(Papa Francisco com báculo de madeira em Lampedusa. Foto: Ciro Fusco | EPA)
(Papa Francisco celebrando missa no altar alusivo a um barco, em Lampedusa. Foto: Agencia Ecclesia)
A liderança do Papa encorajou a Igreja para aumentar seus próprios esforços em relação aos migrantes. No início de abril de 2014, uma delegação de bispos dos Estados Unidos organizou uma dramática foto pró-imigrantes na fronteira entre os EUA e o México, a fim de reivindicar a reforma da imigração.
Como escrevi na época, alguém poderia argumentar que Lampedusa foi o momento da “Praça da Vitória” de Francisco, se referindo ao famoso retorno de João Paulo II à Polônia em junho de 1979, quando ele estava no centro de Varsóvia e inspirou três milhões de compatriotas a começarem a cantar, “We want God!” (Nós Queremos Deus, em português). Esse desafio aberto ao regime comunista prefigura a direção geral do papado de João Paulo II e o impacto que ele teria na contemporaneidade.
(Foto: Vatican News)
A visita de Francisco foi muito impactante. No Natal de 2013, um grupo de imigrantes muçulmanos do Marrocos e da Tunísia concordaram em suspender uma greve de fome num centro de detenção na cidade de Roma, na troca de uma promessa feita por um padre local de levar uma carta deles para o Papa. O padre Emanuele Giannone, disse que os migrantes aceitaram o acordo porque sentiram que as palavras do Papa “vinham do coração”.
Assim como a Praça da Vitória marcou João Paulo como o pontífice que enfrentaria a injustiça do sistema soviético, Lampedusa apresentou o Papa Francisco, cujo sonho de desenvolver uma "Igreja pobre, feita para os pobres", seria mais que retórica. Criou, em certo sentido, uma estrutura mais consistente para sua defesa do evangelho social.
Cinco anos depois, ainda não se tem um julgamento preciso sobre a eficácia de Francisco na mobilização da Igreja Católica em defesa dos migrantes. O presidente Donald Trump foi eleito nos Estados Unidos, em parte, com um discurso alarmante sobre a crescente onda de imigrantes. A Itália é atualmente liderada por uma coalizão fortemente influenciada por um partido explicitamente anti imigrante. Por toda a Europa, os movimentos populistas, são às vezes xenófobos.
Poderíamos dizer que o Papa ao ser o porta-voz e às vezes até ter uma abordagem de confrontação, gerou oposicionistas e fez com que a situação se tornasse mais hostil à causa dos migrantes. Ao mesmo tempo, vale a pena lembrar que Francisco se tornou um herói para os migrantes em todo o mundo, e muitos argumentam que ele está do lado certo da história independentemente das consequências políticas a curto prazo.
Os compromissos fundamentais de Francisco são claros. Nesse sentido, 13 de março de 2013 pode ter marcado a abertura formal de seu papado, mas o dia 8 de julho significou seu começo com o “pé direito”.
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Lampedusa. Cinco anos de uma viagem que diz muito sobre o papado de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU