19 Setembro 2018
O sexo é “um dom de Deus” e não “um tabu”, muito menos essa coisa “reificada” e “usada para se divertir”, como quer a pornografia. O serviço aos pobres, que está “no coração do Evangelho” e sobre o qual basta dizer que é uma questão de “comunistas”, como se dizia em 68. Em seguida, a corrupção, que “acaba não deixá-lo viver para si mesmo, mas para fazer você viver ‘pelos bolsos’” e para “amputar os ideais”. O papel do pároco e as fofocas dos paroquianos, o compromisso dos católicos na política e em qualquer tipo de trabalho, mesmo o mais humilde, a vocação que deve ser contrabalançada e acompanhada para a fraternidade e a normalidade, porque não estão bem os seminaristas “que assumem poses”, nem as freiras “neuróticas” ou os sacerdotes “solteirões”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 18-09-2018. A tradução é de André Langer.
As perguntas que os jovens franceses da diocese de Grenoble-Vienne fizeram ao Papa, que os recebeu na manhã de ontem [segunda-feira] em uma audiência (a transcrição do discurso oficial foi divulgada hoje pelo Vaticano), versaram sobre os temas mais díspares, mas tinham um denominador comum: como jovens e como católicos, como devemos enfrentar os desafios de hoje?
O Papa Francisco respondeu (mesmo com algumas frases em francês, idioma que ele conhece) de maneira direta e espontânea, enfrentando temas complexos, como a sexualidade. “O sexo é um dom de Deus. Nada de tabus”, afirmou Bergoglio ao responder a uma jovem de 16 anos, que perguntou como se situar em uma “sociedade em que o corpo perdeu sua sacralidade”. “É um dom de Deus”, insistiu o Papa, que “tem dois objetivos: amar e gerar vida. É uma paixão, um amor apaixonado... leva-o a dar a vida para sempre. Sempre. E dá-la de corpo e alma”. “Uma só carne: esta é a grandeza da sexualidade”. E devemos falar e viver a sexualidade nesta dimensão: “do amor entre um homem e uma mulher para toda a vida”. “É verdade que nossas fraquezas, nossas quedas espirituais, nos levam a usar a sexualidade fora desse caminho tão bonito, do amor entre um homem e uma mulher. Mas são quedas, como todos os pecados. A mentira, a raiva, a gula... são pecados: pecados capitais – disse o Papa. Mas esta não é a sexualidade do amor: é a sexualidade ‘coisificada, separada do amor e usada para se divertir”.
É a ideia da pornografia. “Diga-me – disse o Papa Francisco –, você viu, por exemplo (não sei se existe em Grenoble), uma indústria de mentiras? Não. Mas uma indústria da sexualidade separada do amor, você viu isso? Sim! Ganha-se muito dinheiro com a indústria da pornografia, por exemplo. É uma degeneração com relação ao nível em que Deus a colocou. E com esse comércio ganha-se muito dinheiro. Mas a sexualidade é grande: protejam sua dimensão sexual, sua identidade sexual. Protejam-na bem. E preparem-na para o amor, para incluí-la nesse amor que os acompanhará por toda a vida”.
O Papa também respondeu a uma pergunta sobre a vocação, outro “dom de Deus” que deve ser protegido. E esclareceu alguns pontos: “O Senhor chama. E a pessoa chamada diz: ‘Eu quero ser freira, quero ser padre, quero ser religiosa...’. E começa um caminho, que deve ser acompanhado com normalidade. Normalidade. Eu tenho medo dos seminaristas que fazem assim [disse assumindo uma “pose”], tenho medo, porque não são normais. Você quer ser padre? Você deve ser um homem verdadeiro que segue em frente. Você quer ser freira? Você deve ser uma mulher madura que segue em frente. Nunca negar a humanidade. Que sejam normais, porque o mal que faz um sacerdote neurótico é terrível! E o mal que pode fazer uma freira neurótica é muito grande!
Além da normalidade, é necessário que os jovens sejam acompanhados “na pertença comunitária”. “Um sacerdote isolado da comunidade não está certo: ele é um ‘solteirão’. Solteirões são aqueles que não se casam e ficam velhos. Aqueles que não se casam e ficam sozinhos a vida toda. ‘Celibataire’, mas eu disse uma palavra mais forte. Não, o sacerdote não deve ser um ‘solteirão’ isolado; ele deve ser um pai. A paternidade: educá-los na paternidade. E também na fraternidade. O mesmo vale para a freira: ela deve aprender a ser mãe de tantas pessoas, e a comunidade também”.
Falando com outro rapaz de 16 anos, que se queixou sobre os ataques de seus amigos da escola contra a Igreja, criticada por questões como a homossexualidade ou a pederastia, o Papa Francisco deu uma receita “para transmitir a mensagem da Igreja: proximidade, cercania”. E também ouvir, o chamado “apostolado da escuta”. “’E depois, padre, falar?’. Não, deter-se. Antes de falar, fazer... a última coisa que você tem que fazer é dizer coisas. Antes deve fazer, e ele vai ver como você lida com a vida. E será ele que vai perguntá-lo: ‘por que você faz isso?’. E aí você pode falar. O testemunho antes da palavra. ‘Ecouter, faire’, e depois falar”, enfatizou o Papa.
Também convidou os jovens novamente para não ficarem sentados no “sofá”, mas sempre a “estar a caminho”, para não “se aposentar aos vinte anos”. O Pontífice conversou com Gabriel e Clara-Marie sobre a solidariedade e o serviço aos pobres: “Eles estão no centro do Evangelho”, insistiu. E fez referência a quando era seminarista e jovem sacerdote na América Latina de 68, época histórica em que “o que mais importava era a guerrilha, o trabalho político... E se um sacerdote fazia um trabalho com os pobres, era ‘comunista’”. “Parecia que o único grupo que se aproximava dos pobres e lutava por justiça eram os comunistas. É o contrário: o Evangelho coloca os pobres no centro. Além disso, coloca a pobreza no centro. Se você não tem pobreza de espírito, não será abençoado, um bom cristão”.
É fundamental “aproximar-se dos pobres”, insistiu o Pontífice, “mas não de cima para baixo. É lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo apenas quando você se inclina para levantá-la”. Devemos colocar-nos “no mesmo nível” dos pobres, servindo-os, “porque são a imagem de Cristo”. E por pobres, o Papa argentino refere-se a “pobres de tudo”: dinheiro, saúde, cultura, os pobres que caíram nos vícios, nas dependências. “Quantos de seus companheiros estão nas drogas, por exemplo: são pobres, pobres de Evangelho! ‘Mas não, o que está na droga tem muito dinheiro e uma família rica, esse não é pobre’. Não, esse é um pobre, é um pobre”, observou Francisco.
O Papa também exortou os jovens a se comprometerem com os outros, na família e na sociedade. “Cuidar dos irmãos, assim como necessita que os irmãos cuidem de você. Esta é a vida cristã: não vivemos isolados, somos um corpo, e Deus quer que a gente ande em comunidade, que nos cuidemos uns dos outros, que procuremos nos ajudar no caminho”.
Particularmente na sociedade, “um cristão deve ser uma pessoa que se compromete”, insistiu o Bispo de Roma. “Não só aqueles que fazem política, todos, todos. No lugar onde você está. Você é contador? Veja como fazer? É médico? Veja como fazer. Cada um. Mas você não pode ser cristão sem assumir um compromisso na sociedade, sem criar a sociedade. Não se escandalizem com isso. Para ser bom cristão, é preciso sujar as mãos ajudando os outros. Não apenas as ideias, com os fatos”.
E, claro, às vezes nos equivocamos. Nada acontece, “equivocar-se é humano”, pede-se perdão e se segue em frente. O importante é não cair no egoísmo ou na corrupção, “dois inimigos indecentes” do cristão. “O egoísmo é o fechamento. As pessoas egoístas não sabem ver o horizonte”. E a corrupção é tão indecente “que acaba não deixando você viver para si mesmo, mas faz você viver ‘para os bolsos’. Faz se apegar ao dinheiro. É algo muito indecente”, que “amputa todos os ideais”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco: “O sexo? Um dom de Deus e não um tabu” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU