16 Março 2018
Não importa o que se diga, o Sínodo dos Bispos sobre os jovens e o discernimento convocado pelo Papa Francisco e marcado para outubro é um projeto ambicioso.
O evento não almeja apenas mostrar que a Igreja está aberta a escutar todos os jovens do mundo, mas para fazer isso ela também está empregando novos instrumentos tecnológicos.
Enquanto uns saúdam esse empenho inovador, outros levantam dúvidas sobre como estas novas tecnologias serão usadas, qual será o alcance global do Sínodo e quais reais efeitos ele trará, se é que trará algum.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 14-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Ou o Sínodo é o lançamento de algo novo, ou será a enésima oportunidade desperdiçada pela Igreja para fingir que está escutando alguém”, disse o padre italiano Paolo Mulps, de 31 anos, que participou do Festival Internacional de Criatividade na Gestão Pastoral, realizado em Roma nos dias 9 e 10 de março e que irá apresentar ao Sínodo os seus resultados.
Outros se preocupam com que, por mais ambiciosas que possa ser, as possibilidades a serem consideradas ainda não são suficientemente variadas.
“A visão dos bispos sobre o que estão tentando fazer com a tecnologia é muito pequena”, disse o especialista em big data e em tecnologia Joshua Tijerina em entrevista por telefone ao Crux.
Os bispos que estarão participando do Sínodo, a acontecer no Salão Sinodal do Vaticano, terão a oportunidade de recorrer a uma enorme quantidade de documentação e insumos, elencados durante os meses antecedentes ao evento.
Entre outros lugares, as vozes dos jovens serão ouvidas durante um encontro pré-sinodal em Roma entre os dias 19 e 24 de março envolvendo mais de 300 representantes jovens enviados pelas conferências episcopais de todo o mundo. Mas esse é só o começo, já que os jovens estarão contribuindo de muitas outras maneiras, por exemplo: via conferências, festivais e, talvez, até mesmo via hackatons vaticanos.
De acordo com Tanya George, missionária consagrada indiana que trabalha como a diretora para a região asiática do Parlamento Jovem Mundial, organização com sede em Roma, o verdadeiro desafio deste Sínodo dos Bispos será representar a diversidade da juventude ao redor do globo.
“A realidade é muito complexa. Aqui na Europa, os jovens pensam de um modo diferente e não participam da vida da Igreja, enquanto na Ásia eles são bastante ativos e há muita energia! Como conciliar isso?”, disse George ao Crux.
A jovem missionária disse que está “um pouco preocupada” com o eurocentrismo que, às vezes, permeia os sínodos, porém sente-se otimista, pois os jovens do mundo inteiro terão a oportunidade de participar.
“Acho que isso é só um começo. Um novo começo”, disse.
Historicamente no Vaticano há um atraso não somente em termos de adotar novas tecnologias, mas também em adaptar-se à mudança. Por exemplo, ficou famoso o caso do Papa Gregório XVI que, em meados do século XIX, proibiu trens e a iluminação a gás nos Estados papais, preocupado com que eles promoveriam a difusão de ideias liberais e outras noções modernas.
“É um movimento clássico da Igreja não chegar por primeiro”, disse em entrevista ao Crux o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, de 77 anos, nomeado pelo papa em 2013 para coordenar os encontros sinodais ao redor do mundo.
No entanto, sob a liderança do Papa Francisco, um sucesso junto à imprensa, o Sínodo está entrando ousadamente na era digital ao estrear novas estratégias tecnológicas.
Com o tema “Os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional”, o Sínodo usará o Facebook como uma plataforma para se engajar com os mais novos. Foram criados seis grupos privados nesta rede social (em inglês, espanhol, alemão, português, italiano e francês), abertos a pessoas com idades entre 16 e 29 anos e que estão sendo mediados por voluntários de várias dioceses.
Esses grupos servem como locais de diálogo sobre diferentes tópicos, marcados por hashtags correspondentes, e onde os jovens podem debater livremente. Os organizadores esperam que mais de três mil jovens se juntem a cada um destes grupos já antes do Sínodo começar.
Entretanto, ironicamente para a maioria das pessoas, hoje, o Facebook é uma ferramenta ultrapassada. Embora muitos tenham uma conta no Facebook, a maioria prefere a plataforma social baseada em fotografias chamada Instagram. Segundo o Pe. Ariel Beramendi, jovem padre boliviano que trabalha para o departamento criado com a finalidade de auxiliar a secretaria sinodal a administrar as comunicações e redes sociais, ainda há vantagens em usar o Facebook.
“É uma rede social segura e podemos manualmente descobrir se [uma conta] é falsa ou não, e ela pode especialmente ser moderada”, disse Beramendi em entrevista ao Crux.
Os moderadores dos grupos terão de classificar manualmente as informações que surgirem nas conversas no Facebook e compilá-las num documento unificado a ser apresentado aos bispos durante o Sínodo.
Este texto estará acompanhado por um outro conjunto de dados importante extraído de mais de 150 mil questionários relativos à moralidade, à fé e à vida respondidos pelos jovens do mundo inteiro. Estas sondagens serão analisadas por meio de um algoritmo do Instituto Toniolo da Universidade Católica de Milão.
Pela primeira vez na história, o Sínodo não apenas está cruzando a “cortina de aço” das mídias sociais, mas também está aplicando a análise de big data para determinar temas comuns surgidos a partir dos questionários.
Na linguagem tecnológica, “big data” refere-se a um grande conjunto de dados que demandariam tempo demais para um humano analisar por completo. Esses dados podem ser examinados por computadores e relevar padrões, correlações e conexões. Algumas das máquinas melhores equipadas para realizar esse trabalho são os sistemas de inteligência artificial e os sistemas de aprendizagem profunda.
Embora não haja dúvida de que o uso pelo Sínodo das mídias sociais representa “algo novo”, como disse Baldisserri, ainda há questionamentos sobre um potencial inexplorado.
Tijerina, especialista em big data, é o CEO da agência digital Him&Her e um dos fundadores e CEO do Movimento Halcyon, organização sem fins lucrativos que busca criar conteúdo baseado na moral e na ética para as mídias.
Enquanto o Facebook oferece enormes possibilidades, segundo o especialista, ele é também “problemático”, pois o seu algoritmo presenteia os usuários somente com um conteúdo que eles já gostam, tornando bem difícil encontrar opiniões que não estejam em conformidade com a própria visão de mundo.
Esse fenômeno é chamado de “filtro bolha”, onde, dependendo das preferências e reações do usuário, um conteúdo é eliminado ou introduzido.
Uma outra questão é que os dados nos grupos do Facebook são peneirados e reunidos por indivíduos, que inevitavelmente irão aplicar os seus próprios preconceitos, ao invés de usar máquinas de alta performance.
Com um tal modelo, “vai ser difícil ter uma ideia do que não foi peneirado”, disse Tijerina. “Acho que o importante é ser capaz de usar inteligência artificial e os big data para analisar uma tonelada desse material todo, e descobrir o que as pessoas estão de fato falando”, acrescentou.
“Nas mídias sociais, na internet, na rede ou em qualquer outro componente digital, onde você se conecta com milhões e milhões de pessoas, a questão não é ‘Como extraio informações dessas pessoas?’, mas sim ‘Como transformo a visão de mundo dessas pessoas?’ ‘Como alcanço essas pessoas com uma mensagem importante?’ ‘Como registro um retorno sobre investimento para realmente mostrar conversão?’”, indagou Tijerina.
Big data pode se um aliado útil, disse o entrevistado, mas, novamente, a Igreja está alguns passos atrás aqui.
“Big data não tem a ver com encontrar respostas, mas com criar mudanças”, explicou o especialista em mídias.
O questionário que os jovens compilaram em todo o mundo é um exemplo de “busca por respostas”, e é apenas uma pequena parte do quadro geral comparado com o potencial de big data. Por exemplo, Tijerina tem trabalhado num projeto centrado nas vocações, que, através de sondagens e testes de personalidade sobre o clero, pode criar um perfil usado para encontrar jovens nas mídias sociais que se interessariam no sacerdócio. A partir desse ponto, disse ele, as dioceses e arquidioceses podem criar programas destinados a atrair essas pessoas para a Igreja.
“A realidade é que, no momento em que a Igreja põe os pés dentro da inteligência artificial, eu fico temeroso com que ela esteja perdendo uma grande oportunidade, caso apenas fique fazendo perguntas”, disse Tijerina.
De acordo com Beramendi, se a Igreja se aprofundar em big data, esta terá de ser “uma decisão no nível político”, mas “dar um passo no mundo de big data me parece um passo possível”.
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O Sínodo adentra a era digital, mas os bispos estão pensando grande o suficiente? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU