Por: André | 17 Setembro 2014
Jesuíta e diretor da revista italiana La Civiltà Cattolica, o padre Antonio Spadaro desenvolve há muitos anos uma reflexão teológica sobre a fé nos tempos da internet.
Mais que um simples instrumento de evangelização, a internet é um novo espaço onde o desejo de Deus se expressa ainda mais facilmente quando favorece as relações de comunhão entre as pessoas.
A entrevista é de Samuel Lieven e publicada no jornal francês La Croix, 13-09-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Teólogo e filósofo, você começou uma ampla reflexão sobre a fé na era da internet e assentou as bases para uma “ciberteologia”. (1) O que o empurrou nesta direção?
Tudo parte da minha experiência pessoal. Como a maioria dos pesquisadores da minha geração, o uso da internet e das redes sociais teve um impacto profundo sobre a maneira de trabalhar e, inclusive, de rezar. O poder dos buscadores, a diversidade dos blogs, as numerosas trocas que eu posso realizada diariamente pelo Twitter e o Facebook, tomaram, pouco a pouco, a dianteira em relação à minha leitura dos jornais e dos livros. As informações e as reflexões mais interessantes me vêm hoje estando conectado à rede. Constatando como esse novo meio de conhecimento e de vinculação modificou o meu dia a dia, eu procurei compreender qual poderia ser o impacto da internet sobre a fé e a vida da Igreja.
A internet muda a nossa maneira de trabalhar, de pensar... Mas pode mudar a nossa maneira de crer?
Fundamentalmente, o conteúdo da fé e a maneira de crer não mudam. Ao contrário, a prática da internet tem um impacto evidente sobre a nossa maneira de expressar e de pensar a fé. É aqui que a teologia entra. Como a internet e a sua lógica conectiva mudam a minha maneira de escutar e de ler a Bíblia? Como modifica a minha compreensão da Revelação, da Igreja e da comunhão eclesial, da liturgia e dos sacramentos? Isso não é um questionamento abstrato. Esta reflexão é fruto de uma autêntica experiência de fé na rede.
Viver a sua fé na internet, o que isso quer dizer?
Há alguns anos, eu me debrucei sobre o fenômeno do Second Life, esse mundo inteiramente virtual onde cada um pode assumir um personagem e fazê-lo evoluir como quiser. Apesar do jogo das aparências, a presença religiosa é bem real. No Second Life, constroem-se igrejas virtuais. Podemos inclusive entrar em casas onde os participantes fazem os Exercícios Espirituais de Santo Inácio! Isso mostra que a religiosidade não conhece fronteiras. O desejo religioso do ser humano expressa-se em todas as partes, sob as formas mais variadas, inclusive num ambiente simulado.
Mas essa é realmente uma descoberta para um teólogo? Estar conectado altera a realidade nesse plano?
Nós estamos, com efeito, muito habituados a ver a internet como uma novidade absoluta. A internet é, antes de tudo, um lugar onde se expressam os desejos humanos mais enraizados, em particular os desejos de comunhão. Esse desejo expressa ainda mais eficazmente quando a internet coloca em relação pessoas que nunca teriam tido a possibilidade de se encontrar fisicamente. Nisso ela favorece um espaço de comunhão que não pode deixar a Igreja indiferente. O anúncio de uma mensagem – o Evangelho – e as relações de comunhão são precisamente os dois pilares sobre as quais a Igreja se assenta. O desafio não é mais apenas “utilizar” bem a internet, como frequentemente se acredita, mas “viver” bem nos tempos da internet. Bem mais que um novo meio de evangelização, a internet é um ambiente completo, um meio para habitar e no qual a fé é chamada a se expressar.
A “comunhão” na internet é autêntica? Ela não esbarra em alguns limites?
A comunhão não é um dado físico. Eu posso estar em comunhão com cristãos do Oriente Médio ou do Japão mesmo quando não os vejo fisicamente. A rede não faz mais que conectar as pessoas entre si, aumentar sua capacidade de comunicar-se; mas é o Espírito Santo que cria a comunhão. Como no mundo físico, tudo depende, no final das contas, do coração do homem. Eu posso estar conectado e nem por isso ter relações pobres, distantes ou negativas. Atualmente, cada vez mais pessoas rezam juntas graças à internet. Deus se deixa encontrar também através do mundo digital, que faz parte da nossa realidade. Nesse sentido, é preciso parar de contrapor um mundo chamado “real” ao mundo “virtual”. Eu prefiro falar de uma única e mesma realidade, ao mesmo tempo física e digital.
É possível celebrar um sacramento pela internet?
Sobre este ponto, a Igreja é categórica. O sacramento, qualquer que seja, requer o ambiente físico, tangível e concreto de uma comunidade cristã feita de carne e osso. Não há, portanto, sacramento pela internet. Isso não exclui uma forma de participação. Por exemplo, participar de uma celebração da Jornada Mundial da Juventude pela internet constitui em si uma presença significativa. Eu posso me associar pela oração, graças à capacidade do ambiente digital de abolir o espaço e o tempo. Assim como os primeiros cristãos se encontravam juntos num mesmo lugar, hoje milhões de fiéis conectados encontram-se em torno do sucessor de Pedro. Mas a experiência virtual não pode substituir a presença real do Cristo na Eucaristia, nem os outros sacramentos.
No seu livro consagrado à “ciberteologia”, você se pergunta sobre o sentido profundo da internet no projeto de Deus...
Essa é, para os cristãos, a questão mais interessante. O impacto da internet sobre as nossas vidas é tão importante que nos convida a discernir como isso concorre para o projeto de Deus para a humanidade. O guia que mais me ajudou nesta reflexão não conheceu a internet, posto que morreu em 1955. Trata-se do jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin que, em O fenômeno humano, desenvolve uma reflexão muito séria sobre a história, marcada por uma agregação progressiva da humanidade: caçadores e coletores espalhados sobre a superfície da Terra, os homens tornaram-se agricultores e se reúnem em aldeias, depois aparecem as primeiras civilizações, os primeiros impérios... Hoje, nós chegamos a um estágio de conexão mais sofisticado que envolve o pensamento. Ao aumentar o potencial de comunhão e de diálogo dos indivíduos entre si, a internet também pode ser entendida como uma etapa do caminho da humanidade, posto em movimento, solicitado e guiado por Deus. A rede, como espaço humano, também faz parte do único “meio divino” que é o nosso mundo.
Nota:
1. Ciberteologia. Pensar o cristianismo nos tempos da rede. São Paulo: Paulinas, 2012.
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O padre Antonio Spadaro, pensador do cristianismo nos tempos da internet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU