07 Junho 2019
O Espírito jamais deixou de desempenhar um papel principal, seja na Criação e em sua renovação, seja na história da salvação. Ele foi quem inspirou os escritores bíblicos todos e, também, quem desatou a língua dos Apóstolos, para que testemunhassem a Ressurreição de Cristo nas línguas de cada um dos seus ouvintes. Com Pentecostes, a Páscoa se completa! Cumpriu-se hoje a promessa de Jesus: os discípulos “ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas!”
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes - Ciclo C (09 de junhio de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Missa da vigília
1ª leitura: «Foi chamada Babel, porque aí o Senhor confundiu a linguagem de todo o mundo» (Gn 11,1-9).
Salmo: Sl. 103(104) - R/ Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai.
2ª leitura: «É o próprio Espírito que intercede em nosso favor com gemidos inefáveis» (Romanos 8,22-27).
Evangelho: «Rios de água viva jorrarão do seu interior» (João 7,37-39).
Missa do dia
1ª leitura: «Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas» (Atos 2,1-11).
Salmo: Sl. 103(104) - R/ Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai.
2ª leitura: «A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum» (1 Cor 12,3-7.12-13).
Sequência: "Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!"
Evangelho: «Soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’» (João 20,19-23).
O Espírito visto da nossa parte, ou seja, sem que por ora nos preocupemos com o que signifique na Trindade, é o próprio Deus agindo em nossas vidas. Às vezes, as Escrituras O comparam ao óleo, usado para se fazer penetrar os materiais mais duros. Deste modo, também o Espírito Santo pode vir desposar o nosso próprio espírito, conferindo à Aliança a sua forma perfeita. Paulo diz que é Ele que “intercede em nosso favor”; sem dúvida, desde que Lhe demos licença para exprimir-se por nós. Quando Jesus estava conosco, aqui na terra, Deus nos permanecia exterior; já, pelo Espírito, Ele se nos torna interior. Somos, pois, assim, «Templos do Espírito Santo», habitação de Deus (1 Cor 6,19). O divino Espírito tornou-se o dinamismo mesmo que nos põe em movimento, rumo à nossa criação perfeita e acabada. É preciso, pois, corrigirmos a imagem do Templo, estática demais, e substituí-la pelas da respiração, que nos faz viver, e da força, necessária à caminhada. «Todo aquele que nasceu do Espírito» torna-se mobilidade: «não se sabe de onde vem nem para onde vai» (João 3,8).
Alguns foram tentados a dizer que, no Antigo Testamento, os homens estavam sob o império do Pai; nos tempos evangélicos, sob o império do Filho; e, no tempo da Igreja, estamos sob o império do Espírito. Ora, isto é um pouco simples demais. Porque, na verdade, o Espírito não faz nada que também não façam o Pai e o Filho. Como Espírito do Pai e do Filho, Ele nos dá atitudes ao mesmo tempo paternais (e maternais) e filiais. Ele nos traz de volta ao Cristo e o que Ele forma em nós é a semelhança com o Cristo. Pelo Espírito, tornamo-nos "filhos de Deus", assim como o Cristo. Pois, não é ao Espírito que as Escrituras atribuem a concepção e o nascimento de Jesus (Lucas 1,35)? O Espírito é fecundidade, é Ele que nos faz "dar frutos". Muitos cristãos quase não pensam n’Ele, talvez por Ele ser de tal modo interior a nós, que a sua ação nos escape; assim como nos escapa, por exemplo, o funcionamento de nosso cérebro.
O que acabamos de dizer poderia deixar acreditar que a vinda do Espírito é um acontecimento íntimo, referido somente a Deus e a mim. Mas não é nada disto, pois o Espírito é ligação. É passagem de um ao outro (do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, na Trindade). Se o Espírito nos dá certezas filiais, só pode fazer isto conferindo-nos atitudes fraternais. Somos todos filhos, conjuntamente. Da mesma forma, o trabalho do Espírito consiste em dar ao Cristo um corpo de comunhão, feito de entendimento entre todos os homens, a começar pelos discípulos. A cena de Pentecostes (1ª leitura) nos mostra isto. Temos aí diversos homens chamados a se compreenderem - a se ouvirem - não somente numa linguagem única, como em Babel, mas conservando as diferenças. Este é o corpo descrito em Coríntios 12. Cada vez que estabelecemos laços verdadeiros, libertadores e criadores, encontramo-nos sob a mobilização do Espírito.
Eis o que sai da boca de Deus: o Sopro, de fato, é que nos sopra a Palavra. «O Espírito vos recordará tudo o que vos tenho dito», anuncia Jesus imediatamente antes de sua Paixão, em Jo 14,26. Em 16,12-15, João insiste em que o Espírito não tem outra Palavra que não seja a do Filho, no qual reside tudo o que há no Pai: «Tudo o que o Pai tem é meu.» O Espírito fala dentro de nós e o que Ele nos diz é o Filho, Palavra do Pai. De onde podem vir algumas dificuldades, porque o Espírito não é o único a falar dentro de nós; também falam a nossa vontade de poder, o medo de nos darmos em demasia ou de termos de nos suportar em demasia. São vozes discordantes que podem encobrir e sufocar a voz sem palavras do Espírito. E pode ser muito difícil identificar quem é que está falando dentro de nós. Muitas vezes, nada se parece mais com o anjo da luz do que o anjo das trevas. No relato das tentações de Jesus, os evangelistas, sem qualquer repugnância, colocam na boca do tentador citações das Escrituras ou a promessa de algo bom no futuro. Ora, o que pode haver de melhor do que defender a fé? Mas, se para isso há de se contar com as cruzadas ou a inquisição, saímos do âmbito de mobilização do Espírito. E como o mal pode facilmente ganhar a aparência do bem, João e Paulo já falavam no discernimento espiritual, tendo em vista identificar a voz que, aqui e agora, está falando dentro de nós. É preciso ter disponibilidade e confiança absolutas no Espírito.
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«Anunciar (e ouvir) as maravilhas de Deus» - Instituto Humanitas Unisinos - IHU