19 Mai 2017
“Vós o conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,17).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 4° Domingo de Páscoa (21/05/2017) que corresponde a João 14,15-21.
O evangelho de João nos oferece diversas imagens de Páscoa: vida, pastor e porta, morada de Deus… O evangelho deste domingo nos apresenta a Páscoa como promessa e esperança do Espírito Santo, o “Paráclito” (defensor/consolador) dos(as) seguidores(as) de Jesus. Jesus mesmo tinha sido o Paráclito de seus discípulos, mas agora envia seu Espírito para que seja presença interior e companhia.
A Páscoa apresenta-se, assim, como experiência de Presença, Deus em nós. Esta é a grande promessa que sustenta o caminho do seguimento na história, tantas vezes obscuro e angustiante para o ser humano. Presença que des-vela nossa identidade e nossa verdade mais profunda: filhos(as) amados(as) do Pai.
O Evangelho de João é uma verdadeira catequese do Espírito, que se revela como “Espírito da verdade”, pois atua justamente na intimidade das pessoas, des-velando sua originalidade interior e comunicando-lhes luz e força para expandir suas vidas na direção do serviço aos outros.
Este “Espírito da verdade” não deve ser confundido com uma doutrina. Esta “verdade” não deve ser buscada nos livros dos teólogos nem nos documentos da hierarquia. É algo muito mais profundo. Jesus diz que “ela vive conosco e está dentro de nós”. É alento, força, luz, amor... que nos chega do mistério último de Deus. Devemos acolhê-la com um coração simples e confiante.
Este “Espírito da verdade” está no interior de cada um de nós, defendendo-nos de tudo o que nos pode afastar de Jesus. Convida a nos abrir com simplicidade ao mistério de um Deus, Amigo da vida. Quem busca a este Deus com honradez e verdade não está longe dele.
A sociedade pós-moderna apostou pelo “exterior” e se distanciou da dimensão essencial da vida humana: a interioridade. Tudo nos convida a viver a partir de fora; tudo nos pressiona a mover-nos com pressa, sem nos deter em nada nem em ninguém; a paz já não encontra espaços para morar em nosso coração; vivemos quase sempre na superfície da vida; estamos esquecendo o que significa saborear a vida a partir de dentro. Vivemos a globalização da dispersão e da superficialidade.
E o ser humano “disperso e superficial” é um ser “desordenado”, ou seja, vive seduzido por estímulos ambientais, envolvido por apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas inovações rápidas, magnetizado por ofertas alucinantes... E então, ele se esvazia, se dilui, perde a interioridade e... se desumaniza.
A exterioridade absorve a interioridade humana. A pessoa foge de si mesma, tem medo de encontrar-se. Por isso, acompanha o ritmo dos outros, repete a linguagem dos outros, adota os critérios dos outros..., e acaba sendo influenciada e dominada por pressões e hábitos externos.
Que pode dizer a espiritualidade do Evangelho ao ser humano deste 3º milênio?
Um aspecto decisivo que emerge, entre tantos outros, é este: o valor do interior, ou seja, tudo o que se refere à dimensão do coração, das intenções profundas, das decisões que partem das raízes internas.
Para “desbloquear” nosso interior, fechado e petrificado, Jesus Cristo promete o envio do Espírito Santo, presença que examina e purifica as trilhas do coração humano, pois nosso interior é lugar da intimidade com Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimento e construção de decisões.
Nesse sentido, ser seguidor(a) de Jesus significa ser um aprendiz do Espírito, deixando-nos conduzir por Ele em direção à fronteira da interioridade, do nosso próprio “eu profundo”. Presença que des-vela regiões não contaminadas em nosso coração, onde tudo começa a ser percebido como novo, de onde brotam esperanças adormecidas e desejos ocultos.
É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua interioridade-profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida.
Essa interioridade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias. Mesmo nas atividades cotidianas mais simples, a pessoa que criou espaço para a profundidade e para a interioridade mostra-se centrada, serena e cumulada de paz, caminhando junto com os outros na mesma direção que aponta para a Fonte de vida e de eternidade.
Sabe-se e sente-se habitada por um Maior que é uma Fonte irradiante de ternura e de amor. Irradia vitalidade e entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si, carrega o Sentido do universo, de cada coisa.
Acolhe e interioriza experiencialmente esse Mistério sem nome e permite que Ele ilumine sua vida; dialoga e entra em comunhão com Ele, pois o detecta e o sente em cada detalhe da realidade.
Toda experiência espiritual significa um encontro com um rosto novo e desafiador de Deus, que emerge dos grandes desafios da realidade histórica.
Esta “vida interior” é, ao mesmo tempo, a terra onde a pessoa planta suas raízes e a fonte onde ela pode apagar sua sede.
A partir da interioridade, tudo se transfigura, tudo tem sentido, tudo vem carregado de veneração e sacralidade. Viver a interioridade é desenvolver a nossa capacidade de contemplação, de compaixão, de assombro, escuta das mensagens e dos valores presentes no mundo à nossa volta.
Sem interioridade, Deus parece distante, o Cristo permanece no passado, o Evangelho torna-se lei, a Igreja uma simples organização, a autoridade transforma-se em poder, a missão em propaganda, o seguimento se burocratiza, a liturgia vira ritualismo...
É triste perceber que as comunidades cristãs não sabem cuidar e promover a vida interior. Muitos não sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de dentro. Privados de experiência interior, sobrevive-se esquecendo essa dimensão mais original: escuta-se palavras com os ouvidos e pronuncia-se orações com os lábios, enquanto o coração está ausente.
Com isso, no coração de muitos cristãos está se apagando a experiência interior de Deus.
Que sentido pode ter a Igreja de Jesus se deixamos que se perca em nossas comunidades o “Espírito da verdade”? Quem poderá salvá-la do auto-engano, dos desvios e da mediocridade? Quem anunciará a Boa Notícia de Jesus em uma sociedade tão necessitada de alento e esperança?
A oração é o caminho interior que nos faz chegar até o nosso próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável...; este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde mergulhamos no silêncio, à escuta de todo o nosso ser.
Se a nossa oração for um autêntico “deixar-nos conduzir pelo Espírito”, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. O Espírito liberará em nós as melhores possibilidades, recursos desconhecidos, capacidades, intuições... e nos fará descobrir em nós mesmos(as), nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis...
Das raízes profundas brotarão as respostas mais criativas e duradouras que terão impacto na realidade onde nos encontramos, desencadeando um movimento de profundas mudanças.
Busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade, a verdade de sua vida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Espírito Santo: “desbloqueador” de interioridades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU