27 Novembro 2025
O Papa deseja fortalecer os laços com a Igreja Ortodoxa, por ocasião do 1700º aniversário do Concílio de Niceia, e chegará a Beirute uma semana após o último ataque com mísseis realizado pelo governo de Netanyahu.
A reportagem é de Íñigo Domínguez, publicada por El País, 27-11-2025.
O Papa Leão XIV inicia na manhã desta quinta-feira uma visita de seis dias à Turquia e ao Líbano, que se estenderá até 2 de dezembro. Esta é a sua primeira viagem desde a sua eleição em maio passado. Trata-se de uma viagem às raízes mais remotas do cristianismo, coincidindo com uma das datas mais emblemáticas dos seus primeiros séculos: o 1700º aniversário do primeiro concílio do mundo cristão, realizado em 325 em Niceia, na atual Turquia, cidade que hoje se chama Iznik.
Além disso, no Líbano, onde desembarcará no domingo, o Papa visitará pela primeira vez um país em guerra, vivenciando em primeira mão o conflito no Oriente Médio — neste mesmo domingo, Israel lançou mísseis contra Beirute, matando cinco pessoas — e tentará transmitir uma mensagem de paz. Ele também falará sobre o valor da coexistência e da tolerância em um dos países com maior diversidade religiosa da região — somente no cristianismo, existem dez igrejas diferentes, todas antigas — e encontrará a minoria cristã, que, representando cerca de 44% da população, é a maior da área.
Esta primeira viagem do Papa será uma oportunidade para observar seu estilo e como ele aborda as relações internacionais. Também será provável que seja sua primeira coletiva de imprensa com os jornalistas que o acompanham no avião, caso siga o costume dos papas anteriores. Leão XIV concedeu apenas uma entrevista exclusiva, publicada no livro da americana Elise Anne Allen, e respondeu ocasionalmente a perguntas de jornalistas que o abordaram ao sair de Castel Gandolfo. Esta será a primeira vez que ele terá um diálogo aberto e prolongado com a imprensa. Daí a expectativa entre os veículos de comunicação credenciados, que inundaram o Vaticano com pedidos para viajar no avião. Muitos foram recusados e, por fim, 82 profissionais da mídia foram admitidos, incluindo representantes do jornal El País.
A importância da viagem também decorre da sombra de Israel, que provavelmente estará muito presente, ainda que implicitamente, nos discursos do Papa no Líbano. As relações entre a Santa Sé e Israel tornaram-se muito tensas nos últimos meses, especialmente depois que o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin, descreveu a ofensiva em Gaza como uma "carnificina" no mês passado. E isso apesar de as relações já serem desastrosas durante o papado de Francisco. Embora um cessar-fogo esteja em vigor desde novembro de 2024, Israel bombardeia o sul e o leste do Líbano quase diariamente, dada a recusa da milícia pró-Irã Hezbollah em se desarmar, e o último domingo foi marcado pelo ataque mais grave dos últimos meses. O ataque a Beirute matou o chefe militar da organização xiita, Haisam Ali Tabatabai, uma ação que representa o ápice da tensão na véspera da chegada do Papa.
O Papa Leão XIV parte nesta quinta-feira às 7h40, com a dúvida se celebrará o Dia de Ação de Graças como um bom americano e comerá peru recheado, chegando a Ancara às 10h30, horário espanhol. Lá, encontrará-se pela primeira vez com o presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e à tarde seguirá para Istambul. Durante esta etapa da viagem, no sábado, visitará um templo muçulmano pela primeira vez como Papa, a majestosa Mesquita Azul.
Mas, além do diálogo com o Islã, o tema principal da viagem do Papa e do Vaticano são as relações com o mundo ortodoxo, meticulosamente reconstruídas desde a década de 1960; uma tarefa interminável, restaurar a unidade perdida, o que se chama ecumenismo. Bartolomeu I, o Patriarca de Constantinopla, de 85 anos , que já viu quatro papas desde que assumiu o cargo, é, de Istambul, a mais alta autoridade no mundo ortodoxo, que na verdade é composto por igrejas autônomas entre si. O pequeno patriarcado — existem hoje apenas 33.000 cristãos na Turquia, 0,04% da população — que está sediado na antiga Constantinopla há séculos e, sob o Império Otomano, era o segundo em importância apenas para Roma e mantém esse status.
Esta viagem é, na verdade, um legado de Francisco, que faleceu no final de maio, coincidindo exatamente com o aniversário do Concílio de Niceia, sem poder comparecer. Robert Prevost foi eleito Papa naquele mesmo mês, mas manter a data na agenda era muito corrido, então este mês foi escolhido porque 30 de novembro é o dia de Santo André, irmão de São Pedro e o santo mais venerado no mundo ortodoxo. Uma parada no Líbano foi adicionada posteriormente, um país que Francisco nunca visitou e que representava uma espécie de obrigação especial para demonstrar sua proximidade com a comunidade cristã local, os últimos bastiões dessa religião no Oriente Médio.
Tendo como motivo inicial a viagem o aniversário do Primeiro Concílio, um dos pontos altos destes dias será a visita do Papa a Iznik, nesta sexta-feira, para um momento de oração com os patriarcas de diversas igrejas ortodoxas. Juntos, recordarão algo que mais tarde se rompeu: a unidade dos cristãos, pois sete séculos depois, em 1054, ocorreu o cisma entre as Igrejas Católica e Ortodoxa.
Esta viagem é mais um pequeno passo rumo à unidade, embora ninguém deva criar grandes expectativas. A própria Igreja Ortodoxa tem suas disputas internas, com uma cisão visível que existe há anos entre todas as igrejas do sul da Europa, representadas pelo Patriarcado de Constantinopla e pelo Patriarcado de Moscou. Essa ferida foi ainda mais agravada pela invasão russa da Ucrânia, apoiada pelo Patriarca Kirill, em conflito aberto com a Igreja Ortodoxa de Kiev, que se separou de Moscou em 2019.
A visita do Papa servirá para fortalecer os laços entre o Vaticano e as Igrejas Ortodoxas, desde o histórico abraço entre Paulo VI e o Patriarca Atenágoras em Jerusalém, em 1964, que marcou o fim de quase mil anos de silêncio. Uma cerimônia conjunta será realizada no sábado na Igreja de São Jorge, pertencente ao Patriarcado Ortodoxo, após a qual o Papa e Bartolomeu I assinarão uma declaração conjunta.
Nos últimos meses, tem-se falado de um gesto, um pequeno passo rumo à reaproximação, que seria unificar a data da Páscoa entre os mundos católico e ortodoxo. Esta é uma das iniciativas que cada denominação começou a adotar separadamente depois que as igrejas orientais decidiram não seguir o calendário gregoriano no século XVI. O próprio Leão XIV manifestou seu apoio a essa ideia em junho passado. Este ano, coincidentemente, a Páscoa caiu no mesmo dia, solidificando ainda mais a proposta. Talvez seja um dos acordos que se concretize em Istambul.
Em seguida, no Líbano, onde permanecerá de 30 de novembro a 2 de dezembro, Leão XIV chegará a um país profundamente marcado por décadas de guerra e violência, e que também sofreu a terrível explosão de um carregamento de produtos químicos no porto de Beirute em 4 de agosto de 2020 — uma catástrofe que causou mais de 200 mortes, 7.000 feridos e deixou 300.000 pessoas desabrigadas. Antes de partir, o Papa visitará o local do acidente no porto na terça-feira, um dos pontos altos de sua visita. A explosão permanece uma ferida aberta no país, pois a justiça ainda não foi feita e a investigação avança a passos de tartaruga.
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