A viagem ecumênica de Leão XIV entre Turquia e Líbano e os dilemas do mundo ortodoxo. Artigo de Giovanni Maria Vian

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25 Novembro 2025

 "No contexto das relações dentro do mundo ortodoxo, acirradas pelas tensões entre os patriarcados de Constantinopla e Moscou devido à guerra na Ucrânia, a preocupação de Roma — e especialmente o Papa Leão — é enfatizar o significado ecumênico mais amplo da viagem, e não apenas a relação com Constantinopla", escreve Giovanni Marian Vian, professor italiano de filologia patrística e jornalista, em artigo publicado por Domani, 23-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Leão XIV está prestes a embarcar em sua primeira viagem internacional: seis dias, de 27 de novembro a 2 de dezembro, à Turquia e ao Líbano, um país bíblico e parte da "Terra Santa". Há, sem dúvida, interesse nos dois cenários: a situação no Oriente e as relações entre os cristãos, particularmente os ortodoxos, tendo como pano de fundo as guerras na Ucrânia e em Gaza. Os passos do pontífice serão, além disso, comparados com aqueles do Papa Francisco, mas é preciso lembrar que, nos últimos tempos, são quase sessenta anos que os pontífices assumiram o costume de viajar e que Leão XIV é o quinto papa a visitar a região.

Prevost também quis deixar duas coisas claras desde o início: ele se sente um sucessor do Apóstolo Pedro — mais que de um pontífice ou outro, ciente de que "os papas passam" — e não gosta dos holofotes, que são prejudiciais a qualquer um com responsabilidade na Igreja. Por isso, ele enfatiza a tradição papal, livre de qualquer personalismo e numa dialética normal entre a continuidade, que é óbvia, e a descontinuidade, que é muito mais interessante de decifrar.

Do concílio

Um aniversário realmente histórico paira sobre a viagem: o décimo sétimo centenário do Concílio de Niceia (atual Iznik, na Turquia). Ali, de 20 de maio a 19 de junho de 325, pela primeira vez foram convocados pelo Imperador Constantino todos os bispos do mundo habitado (em grego, oikouméne), pelo menos idealmente.

Mais de duzentos e cinquenta deles foram à cidade, não muito distante da atual Istambul, um número considerável, a maioria vinda do Oriente. A novidade da iniciativa era evidente, e aquele primeiro concílio — o Niceno II, foi celebrado em 787, o último reconhecido pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente — continua sendo um evento marcante. A assembleia, liderada pelo imperador e seus conselheiros, estabeleceu a regra de fé que em 381 seria completada pelo Primeiro Concílio de Constantinopla e se tornaria o Credo de quase todos os cristãos: isso também foi uma novidade.

Para as celebrações previstas para recordar o concílio Bartolomeu, o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, havia convidado o Papa Francisco, mas a doença terminal e a morte do pontífice impossibilitaram o plano. Eleito em 8 de maio, Prevost não quis imediatamente adicionar a viagem — de complexas implicações ecumênicas — à sua agenda. Portanto, como última data possível para celebrar o evento foi cogitada a festa de Santo André, padroeiro de Constantinopla, que acontece em 30 de novembro.

No contexto das relações dentro do mundo ortodoxo, acirradas pelas tensões entre os patriarcados de Constantinopla e Moscou devido à guerra na Ucrânia, a preocupação de Roma — e especialmente o Papa Leão — é enfatizar o significado ecumênico mais amplo da viagem, e não apenas a relação com Constantinopla. Assim, após chegar à capital turca com visitas ao mausoléu de Atatürk e ao presidente Erdoğan, está previsto um razoável espaço de tempo para a comemoração de Niceia e os encontros com os líderes das diversas igrejas cristãs, embora algumas ausências sejam esperadas.

Celebrada na véspera da festa de Santo André, a comemoração começará com uma oração na catedral armênia e será solenizada com uma "divina liturgia" na igreja patriarcal. Logo em seguida, no mesmo dia, Prevost viajará para Beirute. E também no Líbano — onde o Papa visitará quatro localidades além da capital — parece central a dimensão ecumênica e inter-religiosa, juntamente com o apoio ao país.

A importância de Constantinopla

A história explica a importância de Constantinopla no mundo ortodoxo, onde em 357 o imperador Constâncio II traz as relíquias do apóstolo, irmão de São Pedro, e assim acompanha o crescimento da cidade imperial inaugurada por Constantino em 328. André, o "primeiro chamado" (em grego, protókletos) por Jesus, torna-se então o santo padroeiro da "nova Roma". A cidade foi assim definida pelo Concílio de 381, que no terceiro cânone decreta para o bispo de Constantinopla "a primazia de honra depois daquela de Roma". A partir da Antiguidade Tardia, a divisão cultural e religiosa entre as duas Romas tornou-se cada vez mais acentuada, até que em 1054 a ruptura culmina em excomunhões mútuas. Somente a reaproximação entre o Patriarca Atenágoras e Paulo VI — que se encontram pela primeira vez em Jerusalém em 1964 — possibilita o levantamento das excomunhões em 1965 e uma nova relação entre as duas igrejas, que se declaram "irmãs". Ao longo das décadas, os encontros se multiplicam, com a troca de visitas em alto nível nas festas de seus respectivos santos padroeiros: Pedro e Paulo em 29 de junho, André em 30 de novembro.

Embora as relações entre Roma e Constantinopla sejam boas hoje, o mundo ortodoxo, com seus trezentos milhões de fiéis, ainda está passando por novas e dramáticas rupturas. Após o milênio bizantino (que deu origem à evangelização da Rússia e à ideologia de Moscou como a "terceira Roma"), ortodoxos e cristãos orientais — ainda que divididos entre si por diferentes igrejas e ritos — são severamente postos à prova: pela opressão otomana, pelo genocídio armênio, pelas sete décadas de perseguição comunista e pelo êxodo forçado dos países do Oriente Próximo e Médio.

Essa perda é apenas parcialmente compensada por uma importante diáspora que mantém vivas e difunde em diversos países ocidentais as ricas tradições dos cristianismos orientais. Após a queda do comunismo soviético e europeu, apesar das guerras nos Balcãs, no Oriente Médio e na Síria, com severa perseguição e novos mártires, em 2016 o Patriarca Bartolomeu consegue convocar um concílio pan-ortodoxo em Creta. Mas a assembleia — planejada por quase um século e preparada desde 1961 — fracassa de fato, devido ao boicote do Patriarcado de Moscou, que arrasta com ele aquele de Antioquia e as igrejas da Bulgária e da Geórgia.

A guerra fratricida

Então, a partir de 2022, a guerra fratricida desencadeada na Ucrânia pela agressão russa, apoiada e abençoada pelo Patriarca Kirill, aprofunda as divisões entre os ortodoxos. Há dois séculos sofrem por um vínculo sufocante com o nacionalismo, inclusive sob o jugo do comunismo: é a heresia do filetismo (em grego "tribalismo"), apesar de ter sido condenada em 1872 por um concílio em Constantinopla.

Os últimos trinta anos, com as guerras e o fracasso do Concílio de Creta, demonstram isso. A ortodoxia, escreve Jean-Arnault Dérens em sua corajosa obra Géopolitique de l’orthodoxie (Tallandier), precisa “romper com todas as formas de conluio entre a Igreja e os poderes constituídos, entre a fé e os nacionalismos”.

Relata agora esses anos sob a perspectiva de Constantinopla, em um livro onde a paixão se mistura à tradição ortodoxa Emmanuel Adamakis, Metropolita de Calcedônia, (Libres enfants de Dieu, Les Éditions du Cerf). Cretense como Tito, destinatário de uma das cartas atribuídas a São Paulo, o bispo recorda a restituição das relíquias de São Tito, solicitada por Paulo VI em 1966, e escreve ter começado a compreender então, aos sete anos de idade, que é bom “sair de si mesmos” para “ir ao encontro do Deus vivo e servi-lo servindo aos outros”.

Referência

Autori vari. Commentario Biblico per il XXI secolo, Queriniana, pagg. 2.172, € 195

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