23 Setembro 2025
“Israel é um dos países mais militarizados do mundo. As Forças de Defesa de Israel e as forças de segurança israelenses em geral constituem o núcleo em torno do qual as instituições, as estruturas financeiras e a economia do país se desenvolveram desde que David Ben-Gurion ordenou a criação das Forças de Defesa de Israel (IDF) em 26 de maio de 1948. Ao longo das décadas seguintes, a economia política do país se desenvolveu em torno desse princípio organizador central da guerra, evoluindo à medida que a natureza da guerra mudava com a política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio”. A reflexão é de Shir Hever, em artigo publicado por Phenomenal World e reproduzido por Sin Permiso, 19-09-2025. A tradução é do Cepat.
Shir Hever estuda os aspectos econômicos da ocupação israelense do território palestino. É diretor da Aliança entre Israelenses e Palestinos pela Justiça (IPP). Publicou dois livros sobre o assunto [La economía de la ocupación israelí: represión más allá de la explotación (Pluto Press, 2010) e La privatización de la seguridad israelí (Pluto Press, 2017)] e profere palestras sobre diversos temas relacionados à sua pesquisa.
Eis o artigo
Israel é um dos países mais militarizados do mundo. As Forças de Defesa de Israel e as forças de segurança israelenses em geral constituem o núcleo em torno do qual as instituições, as estruturas financeiras e a economia do país se desenvolveram desde que David Ben-Gurion ordenou a criação das Forças de Defesa de Israel (IDF) em 26 de maio de 1948. Ao longo das décadas seguintes, a economia política do país se desenvolveu em torno desse princípio organizador central da guerra, evoluindo à medida que a natureza da guerra mudava com a política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio.
Na década de 1940, as milícias descentralizadas de colonos se consolidaram em uma empresa estatal e administrada publicamente para a produção de bens militares. O Estado israelense limitou as exportações dessa indústria, um padrão que continuou após a independência, à medida que fabricantes estatais de armas produziam armas para fins expansionistas. Durante os primeiros anos da Guerra Fria e o período pós-colonial, a estratégia militar israelense refletiu esse modelo econômico. Em vez de buscar a guerra convencional, o assentamento colonial foi promovido por meio de pequenas unidades militares que realizavam campanhas de limpeza étnica com armas leves. Embora Israel importasse armas, principalmente da França, equipava essas milícias principalmente através da produção nacional.
Foi após a Guerra Árabe-Israelense de 1973, com o aumento do financiamento militar dos EUA, que as práticas de aquisição militar israelense mudaram. A nova fase da Guerra Fria global iniciou um período de mudança setorial na indústria da defesa de Israel. A guerra expôs sérias fragilidades na indústria de defesa israelense, que havia lutado contra exércitos armados pela União Soviética em países árabes. A resposta de Israel foi um aumento rápido e acentuado nas importações de sistemas de armas dos EUA.
Mas essa decisão exigiu um ajuste estrutural: para fortalecer seus laços com a indústria de defesa dos EUA, Israel privatizou e liberalizou seu aparato militar nacional. Nas últimas décadas do século XX, as Forças de Defesa de Israel (IDF) transformaram-se em uma força policial colonial de alta tecnologia, gerenciando as populações palestinas de Gaza e da Cisjordânia através da vigilância e do controle. À medida que as importações de armas dos EUA continuavam, Israel reorientou sua própria produção para novas tecnologias especializadas de vigilância e encarceramento. Formou-se uma nova divisão global do trabalho na produção de equipamentos militares, moldada pela Guerra ao Terror e pela indústria de defesa global liderada pelos EUA até 2023.
A campanha genocida que Israel está travando na Faixa de Gaza marca uma ruptura com o status quo de décadas. Desde o 7 de outubro, a indústria militar israelense tem buscado cada vez mais complementar sua enorme dependência das importações militares com sua própria produção doméstica, um retorno às suas origens como uma nação de milícias mobilizadas para constantes hostilidades. A mudança tem sido qualitativa e quantitativa. Ao produzir para o consumo doméstico, o complexo militar-industrial israelense começou a recompor seu perfil de produção em torno de armas de baixa tecnologia projetadas para destruição e deslocamento brutal, em direção a produtos e práticas mais semelhantes à sua estratégia de origem.
Um Estado colonial de assentamento
As raízes da indústria de armamentos de Israel são anteriores à fundação do próprio Estado. A Israel Military Industries, a fabricante da pistola Desert Eagle e da submetralhadora Uzi, foi fundada em 1933 como fabricante de armas de pequeno porte para abastecer as primeiras milícias sionistas. Suas armas eram produzidas secretamente, contrabandeadas e escondidas ilegalmente para serem usadas por esses grupos sionistas armados.
As milícias que mais tarde formaram as FDI estavam equipadas principalmente com metralhadoras Sten, morteiros e veículos blindados leves — armas adequadas para intimidar civis e, em última análise, eficazes na limpeza étnica da Palestina. Essas armas favoreciam táticas de pequenas unidades e guerra irregular em terrenos difíceis, alinhadas à doutrina inicial de Israel de alta mobilidade e comando descentralizado, e exemplificando o que os generais israelenses frequentemente descreviam como o ideal de “um exército pequeno e inteligente”.
A mentalidade coletivista dos colonos foi essencial para dar forma ao militarismo do movimento sionista, as estratégias de armamento e a relação com a população palestina autóctone. Sob a liderança do ex-primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion, líder do Partido Trabalhista e dos sindicatos, o Estado monopolizou a fabricação israelense de armas. Esse monopólio sobre a produção de armas impulsionou o setor público do país, com receitas canalizadas de volta para pesquisa e desenvolvimento. (1)
Esse tipo de guerra também influenciou a política de recrutamento militar. Para manter a coesão, a lealdade e a unidade, Israel isentou grandes segmentos da população do serviço militar obrigatório: palestinos, judeus ultraortodoxos e, posteriormente, um número crescente de judeus seculares. A estratégia provou ser bem-sucedida em 1948, 1956 e 1967, quando as unidades ágeis e levemente armadas conseguiram superar as forças árabes menos organizadas. No entanto, com a eclosão da guerra em 1973, as limitações dessa estratégia rapidamente se tornaram evidentes.
A infraestrutura de dominação
Embora o sucesso militar de Israel contra o Egito, Síria e Jordânia na Guerra dos Seis Dias de 1967 tenha gerado excesso de confiança entre as elites militares israelenses, a Guerra do Yom Kippur de 1973 destruiu essa concepção de autossuficiência, inclusive na fabricação de armas. As grandes compras de equipamentos militares russos pelos governos do Iraque e da Síria, bem como a explosão das receitas do petróleo árabe e o influxo de armas que eles compraram, sinalizaram a chegada de um acúmulo regional de armas em muitos eixos diferentes de conflito. Quando a guerra começou em outubro, as pequenas unidades israelenses e até mesmo a superioridade aérea não conseguiram conter o avanço das divisões sírias e egípcias. Em meio à guerra, Israel recorreu à importação de armas de fabricação estadunidense, o que exigiu novas táticas e, em última análise, uma nova estratégia.
A dependência do financiamento militar dos EUA começou em meio à Guerra do Yom Kippur e rapidamente se tornou uma característica fundamental da indústria armamentista israelense. A hostilidade estrutural de Israel em relação aos governos socialistas árabes financiados pela União Soviética tornou-a um representante natural dos interesses dos EUA na Guerra Fria. Ao resgatar Israel da beira da destruição, os EUA ganharam um novo trunfo estatal para projetar seu próprio poder no Oriente Médio e uma oportunidade para reestruturar a indústria militar israelense em torno de suas próprias prioridades econômicas e geoestratégicas.
Nos anos seguintes, os EUA utilizaram o financiamento militar para exercer pressão sobre os tipos de tecnologias e equipamentos que Israel poderia produzir em casa. O Pentágono identificou projetos de pesquisa militar israelenses que poderiam competir com as empresas de defesa estadunidenses e negociou seu eventual desmantelamento. Entre eles, um míssil antitanque para competir com o míssil LAU de fabricação estadunidense, bem como o principal projeto de armas de Israel: o caça a jato Lavi, desenvolvido na década de 1980 e projetado para superar o desempenho do caça F-16 da Lockheed Martin. (2) O Pentágono também controlou as exportações israelenses de sistemas contendo tecnologia estadunidense, proibindo sua venda para países como Rússia e China.
Desde 1973, Israel se tornou o maior receptador de assistência militar estrangeira estadunidense no mundo e, desde a Revolução Iraniana de 1979, de longe o maior comprador de equipamentos militares dos EUA na região. Desde a Guerra do Yom Kippur, os Estados Unidos concederam a Israel mais de US$ 171 bilhões em assistência militar, sem ajuste pela inflação e sem juros. (3) Essa mudança na base das compras militares israelenses reorientou profundamente o papel dos fabricantes nacionais de armas de Israel.
Embora os Estados Unidos sejam o maior exportador mundial de armas por uma ampla margem, Israel emergiu como um grande exportador de armas por mérito próprio, com a maior taxa de exportações de armas per capita do mundo. Embora as exportações de armas dos EUA priorizem membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a maioria das exportações de armas de Israel é direcionada a não membros da OTAN.
A união dos interesses militares dos EUA e de Israel teria dois resultados. Primeiro, sob a influência dos EUA, as empresas privadas de armas ganharam destaque sobre as empresas estatais nas compras das Forças de Defesa de Israel (FDI), à medida que o país vivenciava um período mais amplo de intensa privatização. As pressões pela privatização aumentaram em decorrência dos dolorosos ajustes impostos pelos EUA à produção de armas, bem como dos cortes nos gastos militares, reflexos do fim da Guerra Fria.
Em 1993, um comitê governamental liderado pelo professor Israel Sadan se reuniu para estudar o futuro das compras militares israelenses, recomendando a privatização de funções “periféricas”, desde armazenagem e distribuição até compras logísticas e até mesmo a própria segurança da base. A concorrência entre os fornecedores privatizados foi apresentada como uma medida de redução de custos que, segundo garantiam os israelenses, não comprometeria a segurança. A eficiência era a palavra de ordem da época, um princípio adotado pelo então chefe das FDI, Ehud Barak, que declarou que “tudo o que não dispara ou auxilia diretamente no disparo será eliminado”. (4)
A privatização não se limitou à indústria de armas. Com o Plano de Estabilização Estrutural de 1985, Israel embarcou em um processo de privatização em larga escala de sua infraestrutura e serviços de telecomunicações, da companhia aérea nacional israelense, do setor bancário e da privatização parcial dos serviços de água, saúde e portos. (5) Além de atrair as preferências dos EUA, a privatização proporcionou aos membros da elite de segurança israelense oportunidades lucrativas na gestão de empresas privadas de armas.
Em segundo lugar, essas empresas privadas se tornariam cada vez mais integradas à Guerra Global contra o Terror liderada pelos EUA. A privatização andou de mãos dadas com a especialização em tecnologias utilizadas na guerra cibernética, drones de ataque e sistemas eletrônicos avançados para veículos militares. (6) Após a Segunda Intifada e os ataques de 11 de setembro de 2001, Israel e os Estados Unidos compartilharam o interesse em desenvolver sistemas de alta tecnologia para vigilância, regulação e controle.
Desde 2001, entre 70% e 80% das armas fabricadas em Israel foram vendidas para o exterior. As empresas israelenses de armas desenvolveram a reputação de vender armas a clientes que, de outra forma, seriam deixados de lado: países sob embargos militares, grupos rebeldes, milícias, Estados sem laços diplomáticos com outros grandes produtores de armas e até mesmo clientes que posteriormente voltaram essas armas contra Israel. (7) Israel desenvolveu essa reputação durante a década de 1960 — no auge da Guerra Fria global — exportando armas para Uganda, Angola, Chile, África do Sul, Cingapura, Taiwan, Nicarágua, Guatemala e o Irã pré-revolucionário.
Posteriormente, à medida que a geografia das guerras quentes mudou, suas exportações se deslocaram para Ruanda, Iugoslávia, Turquia, Azerbaijão e Índia. Nas últimas décadas, os Estados do Golfo passaram a importar cada vez mais armas israelenses. Embora Israel esteja atrás dos maiores exportadores de armas do mundo, como Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha, alcançou o status de maior exportador de armas per capita do mundo por volta de 2009, após a invasão da Faixa de Gaza em 2008, que matou cerca de 1.400 palestinos. (8)
Em 2003, o presidente estadunidense George Bush criou o Departamento de Segurança Nacional (DHS), com um orçamento superior a US$ 59 bilhões. O DHS e o clima de guerra global antiterrorista representaram a oportunidade perfeita para as empresas militares e de segurança israelenses capitalizarem sua experiência nos territórios ocupados. As empresas israelenses apresentaram os territórios palestinos ocupados como um campo de testes para o desenvolvimento de produtos adequados para um projeto de segurança nacional em evolução dos Estados Unidos, e Tel Aviv logo se tornou a capital mundial do setor de segurança da indústria de armas. (9)
A série de operações militares israelenses em Gaza, no Líbano e em outros lugares impulsionou as empresas de armas do país, permitindo-lhes comercializar seus produtos como “testados em batalha” nas diversas feiras de armas que se seguem a cada operação. (10) Nesse momento, esses produtos militares tornaram-se grandes negócios e um setor essencial da economia israelense. Em 2012, Israel arrecadou US$ 7,5 bilhões com exportações militares; no mesmo ano, o ex-ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, relatou que 150.000 famílias israelenses dependiam da indústria militar para obter sua renda.
A relação especial entre Israel e os Estados Unidos é fundamental em tudo isso. Uma relação fundamentalmente militar, a troca de dinheiro e armas desempenha um papel estruturante na economia israelense. Embora cerca de 75% dos US$ 3,1 bilhões em ajuda militar dos EUA a Israel devam ser gastos em armas estadunidenses, o restante pode ser gasto em armas produzidas internamente. Esse fortalecimento do alinhamento diplomático facilitou a integração industrial, como quando a Magnum Research, com sede nos EUA, transferiu a produção de suas pistolas Magnum e Desert Eagle para Israel. Hoje, mesmo quando Israel compra armas de fabricação americana, elas são frequentemente fabricadas com componentes israelenses.
Os fundos de pesquisa alocados pelo governo e programas conjuntos de pesquisa universitária deram um ar de legitimidade científica às tecnologias de repressão. (11) Em 2018, a onda de privatizações e a nova demanda por exportações culminaram na compra da estatal Israel Military Industries pela Elbit Systems; esta última tornou-se, consequentemente, a maior empresa de armas de Israel e a 28ª maior empresa de armas do mundo em 2019. Ela fornece bens e serviços militares não apenas diretamente, mas indiretamente como subcontratada para empresas maiores, como a General Dynamics e a Airbus. (12) A Elbit Systems incorpora claramente a nova face da indústria de armas israelense: tecnologias de opressão, linhas de produtos complementares em vez de competitivas com as armas dos EUA e exportações globais que capitalizam o valor que os governos de todo o mundo atribuem à expertise de Israel na ocupação.
Nas cinco décadas que se seguiram à guerra de 1973, as milícias coloniais de assentamento de Israel apoiadas pelo Estado foram transformadas em um sistema de alta tecnologia para a opressão palestina. Em seu exército, agora intensivo em capital, as empresas de armas demonstram sua tecnologia avançada por meio de ataques militares contra palestinos e da vigilância e controle diários da ocupação. (13, 14)
Este “laboratório”, especializado em sistemas de vigilância, equipamentos de controle de distúrbios e infraestrutura prisional, produz ferramentas ideais para a manutenção da ocupação, mas inadequadas para a guerra convencional. As FDI não são mais uma força de combate; elas se transformaram em um exército policial colonial, priorizando a dissuasão, a humilhação e a supressão da resistência palestina em detrimento da supremacia no campo de batalha. Dezenas de milhares de seguranças privados foram treinados no desenvolvimento e manutenção dessas tecnologias.
A estratégia de extermínio
A dependência de Israel, durante décadas, desse modelo de vigilância de alta tecnologia de populações palestinas confinadas foi posta em crise pelos ataques do 7 de outubro. Investigações internas vazadas, de março de 2025, revelam que as autoridades descartaram a possibilidade de um ataque palestino, acreditando que seu regime de dissuasão era infalível. Quando o Hamas destruiu essa ilusão, o governo de extrema-direita israelense retornou ao que até então parecia uma forma obsoleta de guerra: armas pesadas fornecidas pelos EUA (artilharia, tanques, drones armados, bombardeios navais e caças) para uso em um cerco prolongado de uma população inteira.
O genocídio que Israel está realizando em Gaza, juntamente com a invasão do Líbano e os ataques aéreos na Síria, Iêmen e Irã, compartilham uma característica importante: são realizados principalmente com armas importadas. A maioria delas é subsidiada pelos contribuintes estadunidenses, embora Israel pague um prêmio por armas da Alemanha, Sérvia e, cada vez mais, “países com os quais não temos relações diplomáticas, incluindo Estados muçulmanos em todos os continentes”, disse um oficial do establishment de defesa israelense ao Ynet em novembro de 2024.
À medida que as IDF esgotaram munição e equipamento em sua campanha posterior ao 7 de outubro, os traficantes de armas israelenses se tornaram os necrófagos em um comércio global de armas cujos preços são inflados pela demanda por armas para a Ucrânia, negociando sistemas de armas de alta tecnologia, como veículos aéreos não tripulados e equipamentos computadorizados, em troca do material básico de projéteis, pólvora e outros explosivos. (15)
De acordo com o Wall Street Journal, até dezembro de 2023, os Estados Unidos haviam entregue a Israel mais de 5.000 bombas não guiadas Mk82, 5.400 bombas não guiadas Mk84 de 2.000 libras, 1.000 bombas GBU-39 de 1.000 libras e aproximadamente 3.000 kits JDAM. Até o 7 de outubro, os Estados Unidos forneceram aproximadamente US$ 17,9 bilhões em armas e munições a Israel, além de financiamento militar estrangeiro anual de US$ 3,8 bilhões e as importações pagas de US$ 8,2 bilhões de empresas de armas dos EUA. (16)
A transição para uma estratégia de maximização da destruição também desencadeou um retorno à fabricação nacional de armas. Na conferência de acionistas da Elbit Systems de 2025, a tendência era clara: Israel continua dependente das importações de armas, mas está tentando obter o máximo possível de empresas nacionais para escapar do impacto do crescente embargo militar contra ele. A participação da Elbit Systems nas exportações caiu de 79% no primeiro trimestre de 2023 para 58% no quarto trimestre de 2024. Mas esse realinhamento da demanda em torno do comprador nacional fundador da empresa não reduziu as vendas.
Os relatórios financeiros recentes da Elbit Systems revelam que a receita e o lucro operacional da empresa aumentaram não devido às exportações, mas graças a “um aumento substancial na demanda por seus produtos e soluções por parte do Ministério da Defesa de Israel (IMOD) em comparação com os níveis de demanda pré-guerra”. No ano fiscal encerrado em dezembro de 2024, a empresa obteve um lucro de US$ 1,6 bilhão sobre uma receita de US$ 6,8 bilhões, em comparação com um lucro de US$ 1,5 bilhão sobre uma receita de US$ 6 bilhões em 2023. Sua carteira de pedidos cresceu de US$ 17,8 bilhões para US$ 23,8 bilhões. Em geral, as empresas de armas israelenses têm recebido uma enxurrada de pedidos do exército nacional. (17) Em maio de 2025, a Elbit emitiu US$ 588 milhões em novo capital, subscrito pelo Bank of America Securities, J.P. Morgan, Jefferies e Morgan Stanley.
Como em períodos anteriores, essa mudança econômica acompanhou mudanças na estratégia militar. Um exemplo revelador é o novo canhão Sigma (Ro'em) de 155 mm da Elbit Systems. À primeira vista, seu desenvolvimento parece paradoxal: Israel enfrenta uma escassez crítica de projéteis de 155 mm; mas por que investir em um canhão que dobra a cadência de tiro? As inovações do Sigma revelam as prioridades mais profundas das Forças de Defesa de Israel (IDF): seu carregador automático robótico reduz a necessidade de tripulação de sete soldados para apenas dois, permitindo que unidades menores operem com coordenação ou disciplina mínimas. Com o fluxo de bombas dos EUA e a ajuda financeira dos EUA financiando a compra de projéteis israelenses em todo o mundo, o novo equipamento pode facilitar a reorganização da estratégia das IDF.
Sigma é uma arma para bombardeio de milícias, maximizando a destruição por soldado e, ao mesmo tempo, institucionalizando a mesma falta de disciplina que caracterizou a campanha israelense em Gaza. Ele personifica a transformação das IDF: um exército tecnologicamente avançado que retorna à artilharia, onde o poder de fogo substitui a estratégia e a aniquilação substitui a ocupação.
Essas ferramentas estão sendo manejadas com a mentalidade das milícias de colonos. “A artilharia e o fogo direto de tanques são mais eficazes do que armas de precisão caras”, disse um oficial das Forças de Defesa de Israel (IDF) em novembro. “Assassinar um terrorista usando um projétil de tanque ou um franco-atirador, em vez de um míssil disparado de um UAV, é considerado mais ‘profissional’”. (18)
Os tanques bombardeiam os acampamentos de refugiados à queima-roupa; os ataques aéreos arrasam quarteirões inteiros para matar militantes isolados. A doutrina estadunidense de armas combinadas e ataques de precisão é ignorada, substituída pela aniquilação indiscriminada. A indústria de armamentos criada para policiar as zonas de ocupação em todo o Sul Global no final da Guerra Fria se voltou para dentro, tornando-se parte de uma frota moderna de equipamentos de máxima destruição fabricados nos EUA.
Notas
1. Ya’akov Lifshitz, Security Economy, the General Theory and the Case of Israel, Jerusalem: Ministry of Defense Publishing and the Jerusalem Center for Israel Studies (2000).
2. Sharon Sadeh, “Israel’s Beleaguered Defense Industry,” Middle East Review of International Affairs Journal, Vol. 5, No. 1, março de 2001, pp. 64–77.
3. Jeremy Sharp, “US Foreign Aid to Israel: Overview and Developments since October 7, 2023”. Acesso em agosto de 2025.
4. Nadir Tzur, “The Third Lebanon War,” Reshet Bet, 17-07-2011. Acesso em dezembro de 2013.
5. Yael Hason, Three Decades of Privatization [Shlosha Asorim Shel Hafrata], Tel-Aviv: Adva Center (novembro de 2006).
6. Sadeh, 2001.
7. Jonathan Cook, “Israel Maintains Robust Arms Trade with Rogue Regimes,” Al-Jazeera, outubro de 2017. Acesso em dezembro de 2024.
8. United Nations, “5. Estimates of Mid-Year Population: 2002–2011,” Demographic Yearbook, 2013. Acesso em dezembro de 2024; Richard F. Grimmett and Paul K. Kerr, “Conventional Arms Transfers to Developing Nations, 2004–2011, “Congressional Research Service, 7–5700, 24-08-2012; Amnesty International, “Israel/Gaza: Operation ‘Cast Lead’ – 22 Days of Death and Destruction, Facts and Figures,” julho de 2009. Acesso em dezembro de 2024.
9. Jonathan Cook, “Israel’s Booming Secretive Arms Trade,” Al-Jazeera, agosto de 2013. Acesso em dezembro de 2024. Neve Gordon, “The Political Economy of Israel’s Homeland Security/Surveillance Industry,” The New Transparency, Working Paper (28-04-2009).
10. Sophia Goodfriend, “Gaza War Offers the Ultimate Marketing Tool for Israeli Arms Companies,” +972 Magazine, janeiro de 2024. Acesso em dezembro de 2024.
11. Maya Wind, Towers of Ivory and Steel: how Israeli Universities Deny Palestinian Freedom, Verso (2023).
12. Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) “The SIPRI top 100 Arms-Producing and Military Service Companies, 2020,” SIPRI, dezembro de 2020. Acesso em dezembro de 2024.
13. Yagil Levy, Israel’s Death Hierarchy: Casualty Aversion in a Militarized Democracy, New York: NYU Press (2012).
14. This is widely referred to as the Palestinian “laboratory” — a term used in the critical literature as well as by Israeli arms companies themselves.
15. Hussein, 2024. Yoav Zitun, “From deals in the Third World to dubious brokers: a glimpse into the IDF arms race,” Ynet, 22-11-2024; Cf. Haaretz. Acesso em janeiro de 2025.
16. Ellen Knickmeyer, “US spends a record $17.9 billion on military aid to Israel since last Oct. 7,” AP, 09-10-2024. Acesso em agosto de 2025; Hagai Amit, “89 Billion NIS in two years: the numbers behind the buying binge of the IDF in the war,” The Marker, 27-07-2025. Acesso em agosto de 2025.
17. Yuval Azulay, “Israel’s Arms Industry Profits Soar as Wars Fuel Billion-Dollar Contracts,” Calcalist, agosto de 2024. Acesso em dezembro de 2024.
18. Zitun, “From deals in the Third World to dubious brokers: a glimpse into the IDF arms race,” Ynet, 22-11-2024.
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