30 Abril 2024
“É nosso dever pedir que as relações com a academia israelense sejam interrompidas até que esta tome parte do processo de descolonização.” Assim Maya Wind conclui a conversa com o Il Manifesto. Antropóloga israelense na Colúmbia Britânica, publicou recentemente o livro Towers of Ivory and Steel: How Israeli Universities Deny Palestinian Freedom pela editora Verso, no qual investiga o papel da academia na manutenção do sistema de opressão do povo palestino.
Towers of Ivory and Steel: How Israeli Universities Deny Palestinian Freedom (Foto: Divulgação)
A entrevista é de Chiara Cruciati, publicada por Il Manifesto, 24-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vamos começar pelo papel histórico na fundação da indústria militar israelense.
As universidades israelenses foram um dos alicerces da dominação racial, do apartheid e da ocupação e estiveram ao serviço do Estado de diversas maneiras. Primeiro, o lugar em si e o forma como os campi foram construídos em terras confiscadas, para retirar continuidade ao território palestino, faz deles uma das infraestruturas da desapropriação. O mesmo ocorre com a produção de conhecimento funcional para o sistema militar e de inteligência: muitas disciplinas foram subordinadas à produção de pesquisas que fornecem há décadas modelos de governo militar dos palestinos.
Por fim, há o aspecto tecnológico: a academia israelense deu origem à indústria militar israelense.
As empresas que ainda hoje lideram nasceram dentro da academia israelense, por exemplo a Science Corps, departamento de pesquisa interno às milícias Haganah, atuante nos três primeiros campi israelenses, o Technion, a Universidade Hebraica e o Instituto Weizmann. Com a fundação do estado, acadêmicos e cientistas israelenses trabalharam para garantir que Israel não apenas importasse armas e tecnologias militares, mas para que as desenvolvesse. Essa é a origem da indústria militar israelense, da Israel Aerospace Industries, Rafael, Elbit Systems, nascidas dentro das universidades, em particular no Technion. São as empresas que mais tarde se tornaram exportadoras globais. E desde a sua origem as armas produzidas são testadas nos palestinos. As universidades são o laboratório central da indústria militar israelense e as suas cúpulas falam sobre isso abertamente. Cito-as no livro quando dizem que sem a academia Israel não teria jamais atingido seu nível atual.
Essa colaboração ainda está ativa e encontra aplicação na ofensiva em Gaza?
Há uma grande obscuridade em torno das colaborações. O que sabemos é que todas as tecnologias desenvolvidas no passado são a base das novas, é como um edifício que cresce. Rafael, Elbit, Iai são internas ao sistema acadêmico de diversas formas: bolsas para os estudantes, financiamento de pesquisas e laboratórios inteiros, portas giratórias de pesquisadores e funcionários. São dois sistemas inseparáveis. E há outro tipo de indústria, especialmente na Universidade de Telavive, que trata de inteligência artificial.
Existe também um papel político de legitimação das práticas militares?
Há anos, e em particular nos últimos seis meses, os acadêmicos têm reagido às tentativas de julgar Israel internacionalmente. Por exemplo, no Tribunal Internacional de Justiça: acadêmicos e juristas israelenses produzem interpretações do direito humanitário e do direito de guerra para proteger Israel da acusação de genocídio. Há décadas fabricam interpretações inovadoras do direito internacional para argumentar que Israel não o viola e que as ofensivas militares contra os palestinos não comportam crimes de guerra. As universidades são realmente sujeitos centrais no mecanismo de legitimação e de sustentação da impunidade israelense. Quando a África do Sul se dirigiu ao TIJ, as faculdades de direito e juristas imediatamente se mobilizaram para produzir contra-argumentos.
Entre os mais ativos está o antigo responsável do departamento de direito internacional do exército, que hoje trabalha na Universidade de Telavive e que disse, vou citar: “A arena internacional é um campo de batalha. Você tem que conhecer seu inimigo e saber como enfrentá-lo, não queremos fornecer a ele munição"."
No plano político, assistimos não só à falta de uma condenação da ofensiva em Gaza, mas também à repressão interna nos campi das vozes críticas.
Desde as suas origens, a academia israelense tem sido um lugar hostil e repressivo para estudantes e professores palestinos. Houve certamente uma escalada, com as administrações universitárias que suspenderam estudantes, expulsaram-nos dos dormitórios com apenas 24 horas de aviso e pediram investigações sobre eles. A caça às bruxas é facilitada por faculdades e grupos de estudantes judeus israelenses, como a União Nacional dos Estudantes que monitora os palestinos e os denuncia. O caso da professora Nadera Shalhoub-Kevorkian é exemplar: foi detida e interrogada na semana passada. A razão pela qual vem sendo perseguida há anos é que ela tem a coragem de fazer pesquisas sobre a violência colonial e a violência do estado. A Universidade Hebraica é diretamente responsável pelo que está lhe acontecendo: por anos decidiu não a apoiar e finalmente a suspendeu, ajudando no clima de incitação contra ela.
Qual é a relação entre a academia israelense e a academia palestina?
É o que o intelectual palestino Kamal Nabulsi define de lado escolástico da ocupação. Israel sempre viu a educação palestina como uma ameaça, como qualquer outra administração colonial. Por isso sempre a reprimiu tanto dentro de Israel como nos Territórios ocupados. As universidades israelenses desempenharam um papel importante porque condicionaram por décadas a inscrição dos cidadãos palestinos à fidelidade ao Estado e reprimiram continuamente a pesquisa crítica palestina e a mobilização interna nos campi. Sem falar do silêncio do mundo acadêmico israelense diante da destruição de todas as universidades de Gaza, aos contínuos ataques e às detenções nos campi na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e à detenção de estudantes e professores palestinos nas prisões militares israelenses.
Estão em andamento há meses na Itália protestos para encerrar as colaborações com as universidades israelenses. O mesmo acontece nos Estados Unidos. Pede-se para boicotar as instituições, não os professores em si.
O que pensa disso?
O meu livro pretende fornecer provas claras da cumplicidade do mundo acadêmico israelense na opressão dos palestinos. É um fato que é cúmplice do sistema de apartheid, ocupação e colonialismo. É por isso que apoio o boicote. Penso que para os docentes, os estudantes e as administrações universitárias de todo o mundo (em particular no Ocidente: são as universidades ocidentais que financiam e legitimam a academia israelense) é indispensável assumir a responsabilidade pela sua própria cumplicidade pela falta de liberdade dos palestinos.
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“As universidades israelenses são o laboratório da indústria militar”. Entrevista com Maya Wind - Instituto Humanitas Unisinos - IHU