"Mas, enfim, para prosseguir com a conversa, fica a pergunta: onde está no governo Lula 3 a política ambiental construída a partir da soberania popular, da justiça social e ambiental para a sociedade brasileira?"
O artigo é de Sérgio Botton Barcellos, professor do Departamento de Ciências Sociais/CCHLA/UFPB e docente do Programa de Pós-graduação em Sociologia — UFPB.
Esse texto é a busca de uma forma franca de diálogo junto a tantas outras iniciativas, mobilizações, elaborações etc. em relação a política ambiental que vem sendo tocada e gestada no Brasil após mais de dois anos e meio de governo Lula 3 em suas condições e contradições. Trata-se de uma balanço inicial e parcial que pretendo desenvolver mais e mais como fiz em relação ao lamentável governo Bolsonaro. Eu já estava algum tempo “matutando” sobre isso, participando de espaços, conversando com militantes, pesquisando, analisando o cenário e aguardando a ação do governo diante do “PL da devastação”.
Diante disso, brevemente cabe considerar que a política ambiental no Brasil é atravessada por uma série de contradições históricas e estruturais que a tornam, ao mesmo tempo, avançada em sua formulação legal e frágil em sua implementação. Desde a redemocratização, o país construiu um dos arcabouços jurídicos considerados um dos mais sofisticados do mundo, sobretudo com a Constituição de 1988, que elevou o meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental. A criação do Ibama, do ICMBio e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) consolidou uma burocracia técnica, inclusive considerada referência internacionalmente. No entanto, essa estrutura opera ao longo do tempo sendo alvo da pressão constante de interesses econômicos hegemônicos nacionais e internacionais, como do agronegócio, da mineração, do setor energético, das empreiteiras etc. que tensionam e limitam a atuação das instituições ambientais e oferecem mitigação a partir de uma educação ambiental que muitas vezes legitima os empreendimentos.
Essa tensão é visível no próprio modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, baseado em uma lógica extrativista, agroexportadora e de infraestrutura pesada. O mesmo Estado que formula políticas ambientais e de conservação é também responsável por concessões para megaprojetos que desmatam, poluem, exploram bens naturais e desterritorializam comunidades tradicionais e povos originários. O discurso da preservação coexiste com a prática da destruição sistemática dos biomas brasileiros. Mesmo governos considerados progressistas, como os de Lula e Dilma, combinaram avanços na criação de unidades de conservação, na diminuição de índices de desmatamento que eram altíssimos (sem apresentar os índices de restauração) e demarcações de terras indígenas ao mesmo tempo que ocorre o desmantelamento de instituições indigenistas, quilombolas e ambientais no Brasil. Em 2024 o Brasil registrou uma queda de 32,4% no desmatamento, com todos os biomas apresentando redução – sendo o Cerrado responsável por 52,5% da área perdida, totalizando 652 mil hectares, enquanto a Amazônia teve 377 mil hectares derrubados, 30% do total nacional Esses números representam um recuo, mas ainda refletem ritmo insuficiente diante da meta de zerar o desmatamento até 2030, sobretudo considerando que 43% da supressão ocorreu com autorização, muitas vezes dentro de UCs. Isso sem falar que ainda não há discussão sobre recuperação de áreas anteriormente desmatadas e exploradas.
Nos últimos anos, o Brasil também embarcou na lógica do chamado “neoliberalismo verde”, apostando em mecanismos de mercado como pagamento por serviços ambientais, créditos de carbono e fundos de investimento ambiental. Essa transição do ambientalismo público para o ambientalismo financeiro tem ampliado a presença de grandes corporações nas decisões ambientais, muitas vezes em detrimento de comunidades locais. A natureza, nesse modelo, deixa de ser bem comum e passa a ser precificada, negociada, explorada e tratada como um recurso natural conforme as lógicas do capital. Ao mesmo tempo, comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponesas são frequentemente marginalizadas, quando não criminalizadas, por defenderem seus territórios e seus modos de vida sustentáveis em relação ao modelo de exploração e espoliação no modelo capitalista vigente. O governo Bolsonaro agravou esse cenário. Entre 2019 e 2022, o país assistiu a um desmonte sistemático da política ambiental, com cortes orçamentários, perseguição a servidores públicos, estímulo à grilagem e ao garimpo ilegal, aumento dos conflitos fundiários e uma explosão no desmatamento. O discurso negacionista e antiambientalista do então presidente criou um ambiente de impunidade e violência nos territórios, especialmente na Amazônia, onde a presença estatal, apesar do combate, foi parcialmente substituída por milícias, madeireiras ilegais e redes de crime ambiental. Mesmo após a saída de Bolsonaro, os efeitos do desmonte das políticas ambientais persistem em algumas situações, como: faltam servidores, orçamento, equipamentos e, sobretudo, força política para reverter o esvaziamento das políticas.
Com a eleição de Lula em 2022, surgiu a expectativa de reconstrução da política ambiental e do papel do Brasil como potência ecológica. A nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) sinalizou, simbolicamente, o retorno de um projeto mais comprometido com a sustentabilidade, com foco na redução do desmatamento e na reaproximação com organismos internacionais. Marina voltou ao governo como figura de prestígio global, articulando agendas como a retomada do Fundo Amazônia, o fortalecimento das conferências climáticas e o apoio a povos indígenas e tradicionais.
No entanto, mesmo com essa simbologia, o MMA enfrentou e segue enfrentando limitações profundas ao longo do governo Lula 3. Uma das principais contradições está no fato de que Marina Silva chefia uma pasta estratégica, mas é politicamente isolada dentro de um governo que, para garantir maioria no Congresso, fez concessões sistemáticas à bancada ruralista, da energia, da mineração etc., quando não é abandonada pela base do governo para ser insultada nas audiências no Congresso. Ao mesmo tempo em que Marina discursa sobre descarbonização e proteção da biodiversidade em fóruns internacionais, o governo libera mais e mais agrotóxicos, muitos deles banidos na Europa, e atua de forma no mínimo apática em projetos como o novo marco temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas.
A transferência da Agencia Nacional de Águas (Ana) e da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, chefiado por aliados do centrão, é outro exemplo de esvaziamento institucional do MMA. O mesmo se aplica ao papel desempenhado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que deveria ser aliado, mas que muitas vezes compete com o MMA, sem articulação efetiva entre os dois, em pautas territoriais sensíveis, no qual muitas vezes concede as terras devolutas da união para empreendimentos nos estados o que tende a gerar apropriação por grupos econômicos e especulação no mercado fundiário. Nesse mesmo contexto, emergiu de forma atravessada a “política de transformação ecológica” lançada pelo Ministério da Fazenda. Liderada pelo atarantado Fernando Haddad, essa política buscou impulsionar a economia verde por meio de instrumentos de mercado, reestruturação industrial e estímulo a investimentos “sustentáveis”. No discurso, trata-se de promover um novo ciclo de crescimento com base na descarbonização e na bioeconomia. Na prática, porém, a política tem se mostrado marcada por um viés tecnocrático, financeiro, que atropela outras instâncias de governo e distante das agendas socioambientais históricas e populares. A iniciativa concentra-se em atrair investidores privados e criar arcabouços regulatórios que favoreçam o capital verde internacional, mas sem enfrentar os conflitos fundiários, o poder do agronegócio ou o desmatamento legalizado. Ou seja, não há conexão real entre essa transformação ecológica proposta pela Fazenda e a política de base territorial defendida pelo MMA; pelo contrário, o que se vê são abordagens paralelas, por vezes concorrentes, quando não desorganizadas e contraditórias dentro do próprio governo.
Atualmente, o orçamento do MMA para 2025 está fixado em R$ 4,5 bilhões, valor que representa uma ligeira queda de 1% em relação a 2024. O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) complementa essa cifra com um pacote de R$ 11,2 bilhões, embora apenas R$ 4,46 milhões sejam alocados diretamente pelo MMA para projetos não reembolsáveis, o restante é canalizado via linhas de crédito do BNDES. O MMA enfrenta, além disso, déficit de execução orçamentária, com parte significativa dos recursos aprovados não sendo efetivamente utilizados.
A maior dessas contradições se revela no próprio arcabouço fiscal que é o principal projeto de governo na gestão Lula 3. A âncora fiscal limita os investimentos públicos e impõe restrições severas à expansão dos gastos sociais e ambientais. Ou seja, mesmo que se reconheça a urgência de uma transição ecológica, o teto de investimentos impede que essa transição seja liderada pelo Estado e pautada pela justiça climática. Os recursos para políticas públicas estruturantes — regularização fundiária, apoio à agroecologia, fiscalização ambiental e infraestrutura para populações tradicionais, seguem minguados >— enquanto o discurso oficial prioriza parcerias público-privadas e mercados de carbono. Assim, o governo promete uma transição ecológica sem reformar a estrutura fiscal, sem questionar com ações efetivas o rentismo e sem reforma agrária.
As contradições não param por aí. O plano de governo apresentado por Lula em 2022 falava em “retomar o protagonismo ambiental do Brasil”, “reindustrializar com base na bioeconomia” e “fortalecer os povos indígenas e a agroecologia como pilares da sustentabilidade”, mas muitas dessas promessas estão sendo esvaziadas na prática. Na mesma linha, a promessa de impulsionar a economia verde com justiça social esbarra na ausência de um projeto industrial ambiental consistente.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), retomado em 2023, mantém a lógica de grandes obras de infraestrutura com impactos socioambientais severos, como estradas, hidrelétricas e portos em áreas ambientalmente sensíveis. Muitas dessas obras estão sendo aceleradas considerando o licenciamento ambiental como um gargalo pelo mercado financeiro.
Além desse quadro, também cresce a intensidade de conflitos socioambientais relacionados à água e à mineração de acordo com o Mapa dos Conflitos no Campo (CPT, 2025). Em 2024 registraram-se 266 disputas envolvendo recursos hídricos (alta frente aos 225 do ano anterior) e 1.768 conflitos ligados à posse da terra. A mineração, tanto em grandes empreendimentos quanto em garimpos ilegais, provoca poluição de rios (como o Paraopeba, o Doce e bacias do Pará), uso intensivo de água e assoreamento, agentes de tensões que também se refletem em violências contra comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas.
Outro questão a ser considerada quando pensamos política ambiental é a desigualdade social. Exemplo disso, pode ser visto no relatório Global Wealth Report 2023 expõe crescentes níveis globais de concentração de riqueza – os 1 % mais ricos detêm cerca de 47,5 % da riqueza mundial – e a desigualdade entre países e dentro deles segue acentuada, especialmente no Brasil, com índice de Gini de riqueza de 88,4 em 2022. Essas desigualdades impactam diretamente a política ambiental, pois sem redistribuição de poder, tributação progressiva e combate à acumulação privada de capital, não há base econômica estruturada e sólida para financiar a rede de proteção socioambiental apropriada e contextualizada a um projeto de país soberano, seja em relação aos interesses financeiros privados, seja em relação aos interesses neoextrativistas de Estados Unidos, União Europeia, China etc.
A COP30, marcada para acontecer entre 10 e 21 de novembro de 2025 em Belém, no Pará, chega cercada de expectativas, contradições e questões em aberto. A escolha de sediar a conferência no coração da Amazônia foi celebrada como um gesto simbólico de levar a pauta climática para o território que encarna os desafios e as urgências ambientais do planeta. No entanto, a preparação para receber cerca de 45 mil participantes, entre chefes de Estado, delegações, cientistas, ativistas e jornalistas, revelou altos custos devido a improvisos na organização e falta de planejamento e entendimento entre Casa Civil, Itamaraty e organização local, bem como limitações estruturais, conflitos políticos e contradições que colocam em xeque a própria coerência do evento.
Um dos grandes entraves segue sendo a hospedagem. A ida do evento para a cidade fez disparar os preços, com diárias chegando a US$ 700 e aumento de até quinze vezes em relação ao valor habitual. A situação é considerada grave, considerando a proximidade da data do evento. Tanto que o secretariado da ONU para o clima convocou uma reunião de emergência para discutir soluções, chegando a ventilar a hipótese de transferir parte da conferência para outras cidades, proposta que o governo brasileiro rejeitou. Entre as alternativas apresentadas estão o uso de navios de cruzeiro como hotéis flutuantes, a adaptação de escolas e alojamentos militares e a construção emergencial de hospedagens temporárias, mas ainda assim os custos superam o subsídio diário de US$ 149 pago pela ONU.
Paralelamente, a cidade está tomada por obras de pavimentação, drenagem, revitalização de praças e melhoria da infraestrutura de transporte. Apesar de necessárias, muitas intervenções começaram tarde e estão em ritmo acelerado, gerando transtornos no trânsito e na vida cotidiana. Um dos projetos que mais gerou polêmica é a construção da chamada Avenida Liberdade, uma rodovia de 13,2 quilômetros em área de floresta protegida, com ciclovias e passagens para animais. Ambientalistas apontam o paradoxo de abrir uma via em área sensível no mesmo evento que pretende defender a preservação amazônica.
Outro ponto crítico é o acesso desigual à conferência. Os custos elevados de permanência em Belém criam barreiras para representantes de países emergentes, lideranças comunitárias e organizações da sociedade civil. Há o risco de que o encontro se transforme em uma grande peça de marketing do capitalismo verde, que promove a Amazônia como símbolo, mas deixa de fora justamente aqueles que vivem na região e que já são os que mais sofrem com os impactos locais da crise climática.
Assim, a COP30 se encontra em mais um dilema. De um lado, a oportunidade histórica de fazer da Amazônia o centro do debate global sobre clima e justiça ambiental; de outro, a ameaça de que problemas logísticos, obras controversas e exclusão de vozes que precisam e devem ser levadas em consideração comprometam não apenas o evento, mas também a credibilidade das soluções discutidas. A maneira como essas questões serão enfrentadas nos próximos meses definirá se a COP30 no Brasil entrará para a história como palco de um marco político real ou como vitrine de contradições e um legado um tanto questionável a exemplo da Copa do Mundo de 2014 e das Olímpiadas de 2016 ambas também organizadas em gestões petistas.
Esse conjunto de aspectos são apenas a ponta do iceberg de uma relação conturbada por disputas de protagonismo, falta de planejamento, ingerência e divergências entre a Casa Civil, Itamaraty e organização do evento no interior do governo. Ou seja, é só mais um exemplo dos problemas de gestão, organização interna e implementação de políticas públicas no governo Lula 3 (vide relato 480 dias no governo Lula 3). A quem interessar, recomendo a excelente iniciativa da plataforma de jornalismo Sumaúma onde é possível acompanhar o cotidiano e as questões problemáticas relacionadas a COP30 e a questão indígena na Amazônia
O chamado “PL da Devastação” (PL 2159/2021), sancionado em 8 de agosto de 2025 com 63 vetos, evidencia contradições entre o discurso, compromissos internacionais e demandas ambientais da sociedade brasileira. Embora o governo Lula tenha eliminado dispositivos criticados por ambientalistas, como a expansão da LAC (Licença por Adesão e Compromisso) para atividades de impacto mediano e outros mecanismos de automação de licenciamento, ainda manteve pontos-chave que podem fragilizar o licenciamento ambiental e acelerar empreendimentos que podem causar um elevado potencial de dano.
Além da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que faz um lobby pesado para a desregulamentação do licenciamento ambiental no Brasil é o Movimento Brasil Competitivo com 63 empresas mantenedoras entre big techs, mineradoras, Itaú, Bradesco etc. O movimento é presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, conforme noticiado pelo de Olho nos Ruralistas no vídeo “Quem está por trás, de verdade, do PL da Devastação?”. Ou seja, isso tudo não está descontextualizado em relação ao Tarifaço e a guerra comercial e diplomática entre Brasil e EUA.
A LAE (Licença Ambiental Especial) permite acelerar o licenciamento de projetos considerados estratégicos, e foi ativada imediatamente por medida provisória, sem coibir sua aplicação em alto impacto ambiental, o que gera preocupações sobre a qualidade das análises e o respeito ao processo técnico‑ambiental e tende a legitimar pressões políticas sobre processos técnicos que exigem acurácia e tempo. Essa LAE pode abrir brechas para licenciar empreendimentos que terão altos impactos ambientais, como mineração em áreas sensíveis, grandes hidrelétricas, linhas de transmissão e até exploração de petróleo na foz do Amazonas, com menor participação social e menos tempo para avaliações ambientais rigorosas. A aceleração sem salvaguardas enfraquece o princípio da precaução e tende a colidir com o direito à consulta prévia, livre e informada garantido pela Convenção 169 da OIT. Exemplo disso, conforme publicado em um texto no site Outras Palavras “A aprovação da LAE pode expandir ainda mais esse tipo de licenciamento expresso para fronteiras associadas ao lítio e às terras raras, que são objeto de crescente disputa geopolítica. Com o avanço da mineração em áreas de recarga do cerrado, regiões que já são acometidas por escassez hídrica têm ampliado o desafio do abastecimento, principalmente quando se trata de comunidades tradicionais”.
Embora a LAC (Licença Ambiental por Adesão e Compromisso) tenha sido limitada a atividades de baixo impacto, o texto ainda permite que estados e municípios definam localmente o que isso significa, abrindo brechas para uma “corrida para o fundo”, na qual entes menos rigorosos desbloqueiem empreendimentos ambientalmente nocivos sob o pretexto de baixo impacto.
A curto prazo, além dos outros biomas, a curto prazo o impacto dessas medidas sobre a Amazônia Legal e o Cerrado merecem ser observadas. Ao reduzir etapas para empreendimentos “estratégicos” nessas regiões, tendencialmente pode ser aumentada a pressão sobre o arco do desmatamento (Pará, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas), contrariando a meta de zerar o desmatamento até 2030, reafirmada por Lula em fóruns como ONU e G20.
Ainda, não é demais lembrar que no plano de governo, havia o compromisso de revogar medidas que fragilizassem o licenciamento e a fortalecer o Sisnama o que não foi vetado no PL. O principal problema do licenciamento ambiental no Brasil é o enfraquecimento do Sistema, causado pela falta de recursos e pessoal. Seria papel do governo atuar para a reestruturação e no investimento orçamentário junto ao Sistema e pautar o Congresso sobre essa necessidade e a construção de soluções. A solução apresentada de flexibilizar a legislação pela demora por si só é falaciosa.
Ainda, deve-se atentar ao fato que a bancada do agronegócio no Congresso, liderada pelo relator Zé Vitor (PL-MG) e articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), está se mobilizando para derrubar vetos do governo à Lei do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190/25) considerados prejudiciais ao setor. O foco está na derrubada do veto sobre a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio porte ou potencial poluidor, na devolução a estados e municípios da autonomia para definir critérios de porte e impacto ambiental e na retirada da exigência de análise prévia do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para acesso a licenças simplificadas. O argumento da FPA é que essas medidas reduzem burocracias e respeitam as realidades locais, enquanto setores do governo alegam riscos de fragilização do controle ambiental e de “guerra regulatória” entre entes federativos.
Diante desse conjunto de aspectos elencados, o resultado é no mínimo de uma mensagem, digamos, ambígua: de um lado, o governo se declara defensor do meio ambiente e das comunidades tradicionais; de outro, preserva instrumentos que aceleram o caos climático em nome da propalada governabilidade e de projetos considerados por grupos da burguesia nacional e corporações financeiras internacionais como “estratégicos”.
Além da derrubada dos vetos no Congresso Nacional, o que vem por aí? Organizações da sociedade civil planejam acionar o STF contra o PL, por várias questões, dentre elas alegando irregularidades na tramitação no Senado e inconstitucionalidade de pontos como a licença auto declaratória para projetos de médio porte.
A estratégia de transição energética global reposicionou o Brasil como ator-chave das disputas geoeconômicas contemporâneas. O país detém cerca de 23 % das reservas mundiais de terras raras, domina 98 % das reservas de nióbio e possui quantidades significativas de lítio, grafita, cobre, cobalto e urânio. Ainda assim, segue marginal na produção e dependente da exportação de matéria-prima. Essa lógica se insere no que a sociologia ambiental crítica denomina neoextrativismo e neocolonialismo mineral, nos quais países do Sul Global permanecem fornecedores de recursos estratégicos enquanto Norte Global captura valor tecnológico e econômico. Anunciou-se uma ambiciosa meta de formular uma Política Nacional de Minerais Críticos, com incentivos para pesquisa mineral, industrialização interna, controle estatal sobre concessões e redistribuição via CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral). Previa ainda a reestruturação da ANM e sinergia entre os ministérios de MME, Ciência e Economia, além da criação de linhas de crédito via BNDES para transformar minérios em tecnologia.
Essas promessas, porém, permanecem não cumpridas. O governo Lula 3 criou uma “comissão ultra especial” para mapear jazidas minerárias (estimando que 70 % do território ainda não havia sido explorado nas diretrizes) e uma divisão na ANM específica para minerais críticos. No entanto, falta um marco regulatório para garantir agregação de valor local, critérios rigorosos para transferência tecnológica e consulta às comunidades afetadas. Em suma, o que se reafirma é a predisposição à abertura do setor a investidores. Sobretudo, a necessidade de debate constante a respeito do direito a consulta livre, prévia e informada.
No campo do racismo ambiental, o padrão de exploração mineral tendencialmente afeta desproporcionalmente povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que são frequentemente excluídos dos processos decisórios. Impactos como poluição por mercúrio, violência ou remoções compulsórias recaem sobre esses grupos, sem que haja mecanismos de compensação ou participação. É essa injustiça socioambiental que revela a dimensão racial e territorial da disputa pelos recursos.
A ausência de um projeto soberano nacional — contendo um plano que integre mineração, ciência, tecnologia e justiça socioambiental segue gerando desigualdades e compondo a política ambiental e energética do país. Primeiro, o país segue majoritariamente exportando matéria‑prima, sem transformar valor em território nacional. Segundo, a transição energética no Brasil permanece desconectada dos debates sobre tecnologia, inovação e autossuficiência. Terceiro, as populações mais vulnerabilizadas continuam expostas a riscos ambientais e sociais sem contrapartida substancial de investimentos ou participação na grande maioria das políticas públicas. Mesmo, que sob uma lógica capitalista, vamos supor, segundo noticiado pela mídia corporativa, a exploração sustentável e industrializada de minerais críticos poderia gerar R$ 243 bilhões ao PIB até 2050, com criação de empregos qualificados e impulso à inovação tecnológica. Essa projeção exige, no entanto, mesmo que sob uma lógica extrativista, exigiria um rompimento com o modelo de neocolonial e a adoção de políticas públicas estratégicas e estruturantes, que priorizem a valorização local, controle político sobre os minerais e respeito aos direitos territoriais e ambientais.
Em síntese, a promessa de um Brasil de mineração soberana no plano de 2022 ainda não se concretizou. A tensão entre defesa da soberania e mais abertura a interesses estrangeiros, torna-se mais evidente à medida que os efeitos da ausência de um projeto nacional soberano se manifestam. Estamos diante de um processo de decisão na política ambiental e energética, no qual a equipe econômica mais uma vez atua de modo disfuncional nesse processo, o que pode reforçar o neocolonialismo verde mediante lógica neoextrativista e silenciar os povos nos territórios. Ou pode, mesmo que a chance pareça ser remota, construir um projeto pautado em uma justiça social e ambiental que transforme minerais em bem viver, ciência, equidade e democracia.
Não há solução fácil diante do cenário ambiental que está posto no Brasil e no mundo diante das mudanças climáticas em curso.
Talvez, primeiro pautar as políticas públicas a partir da as experiências das organizações e movimentos, pois são as ações apropriadas e contextualizadas aos territórios e as formas de vida locais em sua diversidade e especificidade. Na Nota Técnica “Política Territorial, Fundiária e Ambiental no Brasil: Balanço do governo Lula 3”, diversos movimentos e organizações sociais apresentaram ao governo Lula 3 um conjunto articulado de propostas socioambientais que visam reverter o modelo predatório vigente e efetivar a justiça climática e territorial no país. Por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) exige a retomada da reforma agrária com criação de novos assentamentos, infraestrutura, crédito agrícola e apoio à produção agroecológica, além da revogação de decretos que criminalizam ocupações produtivas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por sua vez, cobra a demarcação imediata de terras indígenas, a retirada de invasores, o fortalecimento da Funai, o respeito à consulta prévia conforme a Convenção 169 da OIT e a participação efetiva nos processos da política ambiental. A 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente (CNMA), realizada em maio de 2025 (após 11 anos) foi elogiada no âmbito do governo por sua representatividade (56 % de mulheres, 64 % de pessoas negras e cerca de 33 % de delegados indígenas e de povos tradicionais), representação de 2 570 municípios consultados. Ocorreu a elaboração de 2.635 propostas, sendo 100 selecionadas que versavam sobre justiça climática, transição ecológica e governança ambiental. No entanto, por parte das organizações e movimentos sociais participantes, surgiram diversas críticas e denúncias apontando contradições entre o discurso inclusivo e as práticas instauradas.
Organizações da sociedade civil questionaram a ausência de Lula durante a conferência, interpretando essa ausência como reflexo da distância entre o protagonismo simbólico pretendido e a falta de engajamento efetivo da Presidência. Diversos municípios, especialmente no sul do país, sequer aderiram ao processo preparatório. Por exemplo, menos de 40% das cidades do Rio Grande do Sul participaram, evidenciando algumas fragilidades no alcance nacional da conferência. Destaca-se que, embora acessível à imprensa especializada e a grupos urbanos, faltou conexão real com os desafios regionais, como mobilidade urbana, conflitos hídricos e mineração — temas priorizados na CNMA, mas que permanecem invisíveis na agenda executiva dos ministérios, revelando uma lacuna entre deliberação social e execução real do governo.
A proposta mais votada foi “Construir o plano nacional de regularização fundiária e cogestão socioambiental de territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais e periféricas junto a um amplo sistema de áreas protegidas acelerando demarcação e homologação de territórios indígenas, titulação de territórios quilombolas, fiscalização e proteção contra crimes ambientais e valorização do conhecimento ancestral”.
As pautas entregues englobam três eixos principais: reforma agrária com apoio à agroecologia, reconhecimento e demarcação de territórios tradicionais, e reforço institucional para combater o desmonte ambiental. Também foi pedido o arquivamento do PL da Devastação (o que não aconteceu) e a adoção de políticas territoriais que incluam populações afetadas por mineração e conflitos hídricos. Detalhe: esses pontos estavam presentes no plano de governo eleito em 2022.
Em síntese, entre as dez prioridades definidas para o enfrentamento da emergência climática, estão: a destinação mínima de 5% dos orçamentos públicos para ações climáticas; a taxação progressiva de grandes fortunas para financiar políticas socioambientais; o fomento à agricultura sustentável e regenerativa; a gestão integrada de resíduos sólidos com base na economia circular; a criação de um Programa Nacional de Justiça Climática; o fortalecimento das brigadas florestais comunitárias; a implementação de políticas de educação ambiental permanente, decolonial e transformadora, em todos os níveis de ensino; a criação de uma política nacional sobre os direitos dos animais; o fortalecimento dos comitês de bacias hidrográficas; e a regularização fundiária e a cogestão de territórios indígenas, quilombolas e tradicionais.
Com base nessas pautas, para mudar os rumos da política ambiental em curso no governo Lula 3 em direção a políticas públicas relativas a um projeto de país popular e soberano, ainda mais em um cenário de tarifaço, faz-se necessário emergencialmente, pelo menos implementar cinco dessas propostas aprovadas na CNMA:
1) instituir uma reforma fiscal progressiva com imposto sobre grandes fortunas e títulos verdes vinculados à justiça climática;
2) vincular o “plano de transformação ecológica” a orçamentos mínimos para fiscalização, regularização fundiária e apoio à agroecologia;
3) condicionar financiamentos públicos e incentivos fiscais ao fim do desmatamento autorizado em unidades de conservação;
4) reconhecer e financiar diretamente os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais como agentes centrais da gestão territorial;
5) a curtíssimo prazo incluir cláusulas no arcabouço fiscal — que é o grande projeto do governo Lula 3 — que afastem o teto de gastos de ações climáticas, garantindo fonte permanente de recursos ambientais.
Considera-se, que sem a decisão por essas mudanças por parte do governo não ocorrerá o início de um processo de transição efetivo para uma política ambiental com justiça social e ambiental no Brasil.
Até o momento o que se observa em relação a política ambiental do e no governo Lula 3, embora tenha decidido por ações simbólicas no campo ambiental no início do governo, é a gestão de um modelo predatório agroextrativista, liberação massiva de agrotóxicos, esvaziamento político e institucional do MMA, ausência de reforma agrária e investimentos concentrados no agronegócio. isso revela que mesmo com o marketing político de “potência ambiental”, o governo segue operando sob a lógica da gestão do caos climático em curso no Brasil e no mundo, mas de forma menos intensiva que no governo Bolsonaro.
A política de transformação ecológica da Fazenda, por sua vez, avança como um projeto tecnocrático de mercado verde, sem articulação real e efetiva com os territórios, povos tradicionais ou com o debate da justiça climática.
Ao invés de uma política estruturante, redistributiva e comprometida com o enfrentamento das causas da devastação ambiental, o que se vê até o momento é um conjunto de ações dispersas e orientadas em grande parte pela lógica do capital financeiro e de marketing internacional. Claro, há exceções por meio de algumas ações e manifestações por grupos políticos postos a margem dentro do governo. O plano de governo prometia protagonismo ambiental, agroecologia, industrialização verde e fortalecimento dos povos originários, mas essas metas vêm sendo atropeladas pelo arcabouço fiscal, pela combinação de ingerência administrativa e agenda da reeleição no interior do governo, bem como pelo receio de confrontar os interesses que lucram com a devastação ambiental. Ou seja, a política ambiental no governo Lula 3 tem em suas relações de produção política severas contradições internas conforme foram descritas nesse balanço parcial e inicial.
Entretanto, deve-se reconhecer e de forma meritória que há sim setores no MMA por meio de parte de servidores(as) comprometidos(as) e engajados(as) nas pautas ambientais que atuam na tentativa de rearticulação da fiscalização, ampliando unidades de conservação etc.
Mas, enfim, para prosseguir com a conversa, fica a pergunta: onde está no governo Lula 3 a política ambiental construída a partir da soberania popular, da justiça social e ambiental para a sociedade brasileira?