17 Julho 2025
Por 267 a 116, deputados aprovam proposta que torna o licenciamento uma exceção. Ambientalistas apostam em veto e judicialização.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 17-07-2025.
A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17), por 267 votos a 116, o Projeto de Lei nº 2159/21, que flexibiliza radicalmente o licenciamento ambiental no país. Chamado de “PL da Devastação” por ambientalistas, o projeto começou a ser apreciado por volta das 23h45 da noite e foi votado à 1h45. A votação foi feita de forma híbrida, com parte dos deputados votando de forma remota e parte no Plenário.
A esquerda tentou retirar o projeto de pauta e adiar a discussão, mas perdeu os dois requerimentos.
“Congresso inimigo do povo, votando uma matéria dessas na calada da noite. Eu sei qual será o resultado desta votação, mas nós estamos aqui para fazer a luta”, discursou a deputada Fernanda Melchuionna (PSOL-RS).
PSOL, PT, REDE, PV e a grande maioria do PSB e PDT votaram contra o PL (veja como cada deputado votou, disponível aqui).
“Se esse PL aqui for aprovado agora, 86% dos projetos de mineração e suas barragens em Minas Gerais serão aprovados de forma automática. Sem estudos de impacto ambiental, isso é um absurdo”, discursou a deputada Salabert (PDT-MG)”.
Originário da Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado pelo Senado no dia 21 de maio. O que os deputados avaliaram hoje foram as emendas propostas pelos senadores. Além do texto base, cinco emendas foram aprovadas.
Estão passando a boiada!
— Maria do Rosário (@mariadorosario) July 17, 2025
1:34 da madrugada.
Estamos na luta p/impedir PL da Devastação.
Somos contra o fim do licenciamento ambiental. Em nome do lucro destroem o meio ambiente. Por Mariana, Brumadinho, pelo Rio Grande do Sul, pelo Pampa, Amazônia e Pantanal, pela VIDA:… pic.twitter.com/ktDrC6YrEy
“Em vez de aperfeiçoar as regras do licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o Congresso optou por consolidar a lei da não-licença e o autolicenciamento. Um apertar de botão, sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental, será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no país, na modalidade por Adesão e Compromisso. Já a chamada Licença Ambiental Especial, criada para facilitar grandes empreendimentos, é oficialmente guiada por interesses políticos. Terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas não titulados serão ignorados nos processos, afastando-se direitos fundamentais assegurados pela Constituição. É uma tragédia para nossa política ambiental, um dia que lembraremos para sempre: a marca do descontrole ambiental no país”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
O PL do Licenciamento muda as regras atuais de licenciamento e cria amplas possibilidades de procedimentos autodeclaratórios, de dispensa de licenciamento e de renovações automáticas, além de enfraquecer condicionantes ambientais e abrir possibilidade para que estados e municípios possam definir, sem coordenação nacional, as atividades que devem – e, principalmente, que não devem – passar por licenciamento ambiental.
“Conduzir uma votação de algo tão devastador para a sociedade brasileira como o projeto nº 2159/21 no apagar das luzes do semestre, de forma virtual, será ótimo para os parlamentares que querem escapar do debate e da pressão da sociedade civil organizada. Este novo capítulo dos fatos nos faz ter certeza de que o PL da Devastação é mais que um afrouxamento das regras do licenciamento ambiental, é, também, um golpe para o exercício da democracia”, disse a especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno.
A votação aconteceu à toque de caixa, antes do recesso parlamentar de julho, por pressão de setores produtivos. No dia 8 de julho, o relator do projeto, deputado Zé Vitor (PL-MG), esteve em reunião com representantes de diferentes setores na sede da Frente Parlamentar da Agropecuária, onde recebeu uma carta aberta assinada por 95 representações de setores produtivos em defesa do PL.
Naquele mesmo dia, 350 organizações da sociedade civil publicaram um manifesto contra o PL do Licenciamento. O documento, entregue ao presidente da Câmara, Hugo Motta, ao líder de governo e a lideranças parlamentares e representantes do executivo, pedia que a proposta não fosse a votação.
O projeto vai agora para sanção presidencial. Se for sancionado pelo presidente Lula da forma como está, uma área maior do que o território da Grécia fica imediatamente sob ameaça de desmatamento, alertam organizações da sociedade civil.
“Tal como foi aprovado, o projeto de lei estimula o desmatamento e agrava a crise climática. O presidente Lula diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP 30, é a oportunidade perfeita para transformar o discurso em prática. Esperamos que ele cumpra seus compromissos de campanha e rejeite esse texto absurdo aprovado pelo Congresso brasileiro”, declarou Marcio Astrini, secretário executivo do OC.
Na última quinta-feira (10), em audiência da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos deputados, representantes do governo apontaram que o texto em tramitação provocará “dano irremediável” ao sistema de proteção ambiental no país.
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, elencou 40 pontos do projeto com necessidade de reparos. “Temos vários dispositivos que vão precisar de correção para evitar o que seria um dano irremediável ao sistema de proteção ambiental. Estamos trabalhando intensamente no governo, liderados pela Casa Civil e diretamente pelo ministro Rui Costa, para que a gente possa ter algo que não seja tão impactante e tão danoso para o sistema ambiental brasileiro”, disse, na ocasião.
A Indígena parte pra cima do kim depois de ser aprovado a mudança do licenciamento ambiental.🤡
— 🇧🇷Zelia Fabro22🇧🇷 (@zfabrogmailcom) July 17, 2025
Qto tempo para o puxadinho da esquerda derrubar? pic.twitter.com/S4nQbxxLnr
A mudança de última hora no texto, no entanto, já era considerada muito improvável. Além da pressão de diferentes setores produtivos e de parlamentares favoráveis à proposta, a Câmara, local de origem da proposta, analisava somente as emendas propostas pelo Senado. O pedido de adiamento feito na ocasião não foi acatado pelo presidente da Casa Legislativa.
Na segunda-feira (14), um parecer elaborado por duas referências acadêmicas na avaliação de impactos e no licenciamento ambiental indicou que o PL 2159/21 é a “antítese da solução para o licenciamento ambiental”
Assinado por Luís Sánchez, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, e Alberto Fonseca, da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, o parecer mostra que o projeto aumenta a insegurança jurídica ao reduzir controle sobre obras que causam degradação e não resolve o desafio de harmonizar e integrar regras, como defendiam os apoiadores da proposta.
“Os redatores do PL ou desconhecem ou ignoraram completamente toda a base de conhecimento sobre licenciamento ambiental no Brasil […] Ao subestimar os potenciais impactos dos projetos sujeitos a licenciamento ambiental simplificado e superestimar a capacidade dos órgãos licenciadores de fiscalizar e controlar os impactos na etapa de pós-licença, deverá incentivar um modelo de desenvolvimento econômico mais retrógrado, como se via das décadas de 1960, 70 e 80, nas quais diversas obras e projetos eram implementados aceleradamente, gerando impactos adversos sem a devida prevenção, mitigação e compensação”, apontam os pesquisadores.
A versão original da Lei Geral do Licenciamento tramita no Congresso há 21 anos. Segundo organizações da sociedade civil, o texto original não era negativo, mas, ao longo dos anos, foi sofrendo modificações que fragilizam o processo de licenciamento ambiental no País.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a proposta avançou na Câmara, onde estava parada, tendo sido aprovada em maio de 2021 pelos deputados, sob o número PL 3729/04.
No Senado, a tramitação recebeu inúmeras críticas pela forma como foi conduzida. Ela foi analisada ao mesmo tempo nas Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Meio Ambiente (CMA), no dia 20 de maio.
Os relatores de tais comissões, respectivamente, Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), emitiram um texto comum para a proposta. A costura entre os relatores e a pressão da bancada ruralista agilizou o envio ao Plenário, com apreciação em regime de urgência no dia seguinte, 21 de maio.
O relatório de Tereza Cristina e Confúcio Moura, no entanto, foi publicado minutos antes da votação, o que impossibilitou a apreciação cuidadosa dos parlamentares. O texto foi aprovado na noite do dia 21 de maio por 54 votos a favor e 13 contrários. Aprovado nesta terça-feira na Câmara, o texto agora segue para sanção presidencial. A sociedade civil já iniciou a campanha para que o presidente Lula vete integralmente a lei aprovada.