28 Julho 2025
“As guerras são as articulações da acumulação de capital, independentemente dos estados-nação envolvidos nos conflitos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 25-07-2025. A tradução é do Cepat.
É verdade que algumas grandes empresas lucram com o genocídio palestino, conforme a denúncia da relatora especial das Nações Unidas para os Territórios Palestinos, Francesca Albanese. Também apareceu, dias atrás, que o Pentágono destinou 54% de seus gastos a empresas privadas, entre 2020 e 2024. Isto equivale à fabulosa quantia de 2,1 trilhões de dólares para engordar os cofres de um punhado de grandes multinacionais da guerra, segundo o Instituto Quincy para o Estado Responsável.
Contudo, a realidade do capital vai muito além dos lucros de algumas empresas, a ponto de hoje podermos afirmar que a acumulação de capital não se sustenta sem violência, sem destruir povos, sem massacrar mulheres e crianças. As guerras são as articulações da acumulação de capital, independentemente dos estados-nação envolvidos nos conflitos.
A complexidade da conjuntura atual reside na sobreposição de diversos tipos de guerras que, no entanto, têm objetivos semelhantes. Estamos diante de guerras entre estados, como é o caso da Rússia e Ucrânia, ou, se preferir, da OTAN e a Rússia. Além disso, há guerras abertas, embora não declaradas, de estados contra povos, como é o caso de Israel contra o povo palestino. Contudo, outros tipos de guerra também abundam, como as “guerras contra as drogas”, caso do México, ou contra as gangues, a pobreza e até contra a mudança climática.
Embora cada uma apresente suas particularidades, todas apontam para o mesmo objetivo: atacar e deslocar povos para facilitar a pilhagem. Admito que esta forma de fazer um recorte da realidade pode deixar de fora algumas características dessas guerras, mas penso que é necessário se colocar firmemente ao lado dos povos que, repetidamente, são as vítimas da acumulação capitalista e, portanto, das guerras. Uma parte da esquerda e também dos movimentos sociais está optando por algumas potências capitalistas (Rússia, China) frente a outras (Estados Unidos, União Europeia), com o argumento de combater o “inimigo principal”. Isto leva ao estabelecimento de alianças com aqueles que se posicionam contra o império estadunidense.
Considero que esta política é nefasta para os movimentos e os povos, pois divide e hierarquiza, escolhendo vítimas defensáveis enquanto outras são esquecidas. Chama a atenção que se defenda o povo palestino, questão inteiramente justa, mas não se fale do povo ucraniano ou do povo russo, cujos filhos estão dando a vida para defender interesses alheios, em uma guerra para a qual não foram consultados. Em um caso, o capital ocidental protegido por Trump e a União Europeia. No outro, um regime autoritário e capitalista, como o liderado por Putin.
Parece-me ainda mais grave os movimentos que defendem abertamente a China ou o Irã, como acontece em diversos casos na região latino-americana. Não podemos aceitar que as guerras entre grandes estados sejam guerras intercapitalistas? Que sentido faz para nós, que lutamos por um novo mundo, sermos aliados do capitalismo de estado? Porque este é um dos principais argumentos daqueles que sustentam que a China, ou estados semelhantes, são diferentes dos europeus e dos Estados Unidos por ser o estado que dirige a economia.
Não poucos argumentam que na China os trabalhadores têm acesso à saúde pública, à moradia e a outros benefícios sociais, estabelecendo assim uma diferença em relação aos países centrais do capitalismo atual, onde grande parte desses serviços é privada. Lamento dizer que me parece um argumento muito pobre e que o capitalismo de estado é tão capitalista quanto o da propriedade privada.
Parece evidente que o estado continua sendo um divisor de águas entre os setores populares e os movimentos. Não se compreende que o estado-nação mudou. O 1% apropriou-se dele para transformá-lo em escudo de seus interesses. Os estados de bem-estar social que se expandiram após a segunda guerra europeia não existem mais. A política do velho continente contra os migrantes é apenas uma mostra desta guinada brutal.
Quando vemos que a polícia na Califórnia utiliza carros sem placas de identificação e capuzes para prender migrantes, devemos refletir sobre o rumo dos estados, que ainda são defendidos por alguns como alavancas da emancipação coletiva. Entendo que a cultura política, como toda cultura, evolui muito lentamente, razão pela qual mudar as formas de agir não será nada simples. Muitos coletivos e pessoas seguem pensando e agindo como se o capitalismo não tivesse mudado e repetem frequentemente que as coisas continuam como sempre foram.
A esperança está em ver como alguns povos e organizações traçam outros rumos. Em particular, o empenho do zapatismo em acabar com as pirâmides nos mostra que, 31 anos após o levante, seguem caminhando de outras formas, aprendendo com os erros, que é a única maneira de crescer.