26 Setembro 2023
"Precisamos parar de gastar bilhões em armamentos projetados para combater inimigos imaginários. Precisamos trabalhar lado a lado com todas as nações para enfrentar a questão climática", escrevem Melissa Garriga e Tim Biondo, em artigo publicado por Presenza, 20-09-2023.
Melissa Garriga é a gerente de comunicações e análise de mídia da Codepink, organização feminista antimilitarista. Ela escreve sobre a intersecção do militarismo e o custo humano da guerra.
Tim Biondo é o gerente de comunicações digitais da Codepink. É bacharel em Estudos para a Paz pela Universidade George Washington. Seus estudos centraram-se na compreensão crítica de questões de paz, justiça, poder e império.
Dezenas de milhares de pessoas inundaram as ruas de Nova York em 17 de setembro para a Marcha contra os Combustíveis Fósseis, e o movimento pela justiça climática parece mais organizado do que nunca. Mas há um enorme problema que continua sendo ignorado e é chamado de Pentágono.
O aparato militar dos Estados Unidos é o maior consumidor institucional de petróleo do mundo, devido às emissões de gases de efeito estufa que superam as de 140 nações combinadas e equivalem a cerca de um terço do consumo de combustíveis fósseis na América. O Departamento de Defesa também utiliza enormes quantidades de gás natural e carvão, além de usinas nucleares em suas bases em todo o país. Como podemos esperar que os Estados Unidos participem de um movimento cujo objetivo é acabar com o uso de combustíveis fósseis e proteger nosso planeta, se uma de suas instituições está causando tanto caos sem assumir qualquer responsabilidade? A resposta é: não podemos.
Enquanto continuarmos a ignorar o papel do Pentágono no agravamento das mudanças climáticas, nossa luta para proteger o planeta estará incompleta. Também corremos o risco de enfraquecer nossa própria capacidade de fazer a diferença, se não considerarmos o fato de que um gasto militar de quase três trilhões de dólares desvia tantos recursos das pessoas, reduzindo sua capacidade de agir pela justiça climática e impondo condições de vida caracterizadas por uma extrema desigualdade econômica.
Enquanto as autoridades dos Estados Unidos insistem que o consumidor médio é responsável por seu impacto ambiental, como incentivar a transição para veículos elétricos ou proibir lâmpadas incandescentes, elas não assumem nenhuma responsabilidade pelo enorme impacto que as forças armadas têm em todo o mundo. Desde queimadas de resíduos no Iraque, o uso de urânio empobrecido e bombas de fragmentação na Ucrânia, até a crescente lista de bases militares domésticas e estrangeiras: o aparato militar dos Estados Unidos não apenas está destruindo seu próprio país, mas também está devastando comunidades indígenas e Estados soberanos através de um grave degradação ambiental.
De acordo com o Environmental Working Group, "é provável que mais de 700 instalações militares estejam contaminadas com as 'substâncias químicas perpétuas' conhecidas como PFAS". Mas o problema vai muito além da água potável. No Japão, os indígenas ryukyuanos estão resistindo à construção de mais uma base militar na ilha de Okinawa. A nova base ameaça seriamente o frágil ecossistema mantido com dificuldade pelos ryukyuanos. O dano ao seu ecossistema marinho naturalmente coincide com a contaminação da água potável: uma batalha que o Havaí e a ilha de Guam conhecem muito bem.
Todos esses fatores que contribuem para as mudanças climáticas estão presentes em áreas "livres de conflitos", mas qual é o impacto das forças militares dos Estados Unidos em zonas de guerra? Vamos pegar como exemplo a guerra entre Rússia e Ucrânia, apoiada pelos EUA com ajuda no valor de trilhões de dólares. Recentemente, a CNN documentou que "um total de 120 milhões de toneladas de poluição que causa o aquecimento global podem ser atribuídas aos primeiros doze meses de guerra". Eles explicaram que essas medidas são "equivalentes às emissões anuais da Bélgica, ou às produzidas em um ano pela circulação de 27 milhões de carros a gasolina". O dano não para por aí. A guerra na Ucrânia comprometeu gasodutos, resultando em vazamentos de metano; é considerada a causa da morte de golfinhos e danos ao ambiente marinho; causou desmatamento, destruição de áreas cultiváveis e contaminação da água; aumentou a produção de energia poluente, como carvão. Além disso, implica a ameaça iminente de vazamentos radioativos e catástrofes nucleares. Continuar essa guerra significa continuar o ecocídio. Devemos fazer o possível para encerrá-la agora, sem mais mortes e destruição.
Os Estados Unidos não estão apenas alimentando a atual crise climática, eles também estão financiando-a em nosso próprio risco. O Pentágono consome até 64% dos gastos do governo (incluindo educação e saúde). Eles estão gastando nosso dinheiro que poderia ser usado para financiar projetos sociais, perpetuando assim esse desastre climático.
O americano médio, especialmente aqueles que fazem parte das comunidades negras, de cor e pobres, está sendo forçado a pagar por uma guerra interminável e pelo degradação ambiental por meio de impostos, tarifas e contas cada vez mais altas. As mudanças climáticas representam uma ameaça à segurança nacional, com o potencial de afetar a estabilidade global e o fornecimento de serviços essenciais pelos governos. Lembrem-se do alerta da vice-presidente Kamala Harris: "Por anos, guerras foram travadas pelo petróleo; em breve, guerras serão travadas pela água".
A principal missão do Pentágono é se preparar para possíveis ataques de adversários, mas não há garantia de que os "adversários" dos Estados Unidos (Rússia, Irã, China e Coreia do Norte) irão lançar um ataque. E uma enorme força militar permanente não é a única maneira de reduzir as supostas ameaças desses adversários, que têm aparatos militares muito menores em comparação. "Enquanto tenta assustar os americanos com essas 'ameaças' hipotéticas, o governo se recusa a reconhecer o perigo real enfrentado todos os dias pelas comunidades ao redor do mundo devido às mudanças climáticas".
A crise climática está acontecendo agora, e as consequências são evidentes. Nos Estados Unidos, as mudanças climáticas já estão contribuindo para a seca e incêndios na Califórnia, Louisiana e Havaí. O aumento do nível do mar ameaça comunidades costeiras; o aumento das temperaturas provavelmente aumentará os distúrbios civis e o número de mortes no trabalho.
Precisamos agir agora, promovendo a paz e a cooperação em todo o planeta. Precisamos redirecionar os gastos de bases militares e guerras para medidas de combate à crise climática. Caso contrário, enfrentaremos problemas...
Precisamos de uma plataforma para a justiça climática que reforce o pedido de fim das guerras no mundo e em nosso próprio país de uma vez por todas. Precisamos encerrar a chamada "guerra ao terror" que custou trilhões de dólares, matou milhões de pessoas e criou um ciclo interminável de violência e instabilidade em todo o mundo.
Precisamos parar de gastar bilhões em armamentos projetados para combater inimigos imaginários. Precisamos trabalhar lado a lado com todas as nações para enfrentar a questão climática, sem excluir as nações consideradas inimigas e o chamado 'Sul Global', que está suportando o peso maior da crise climática.
Precisamos garantir que nossos impostos sejam gastos com o que consideramos mais importante: o que significa encerrar guerras intermináveis e a degradação ambiental. Precisamos de um "Green New Deal" que desloque os fundos federais dos gastos militares para prioridades nacionais como saúde, educação e projetos de infraestrutura.
Na luta pela justiça climática, o Pentágono é o proverbial "elefante na sala". Não podemos mais ignorar sua enorme pegada ecológica. É simples: para defender a Terra, precisamos encerrar imediatamente as guerras. A paz não pode mais ser vista como algo utópico; é uma necessidade. Nossa sobrevivência está em jogo.
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Crise climática. O Pentágono é o verdadeiro problema - Instituto Humanitas Unisinos - IHU