16 Janeiro 2025
"O retorno ao período do início do século XX, quando ocorreram dezenas de intervenções armadas dos Estados Unidos, marca um ponto de inflexão que deve nos levar a observar o nosso futuro no espelho de Gaza, Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia, pelo menos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 13-01-2025. A tradução é do Cepat.
O governo Barack Obama (2009-2017) promoveu uma importante guinada na política externa dos Estados Unidos. O pivô foi a guinada para a Ásia, com a pretensão de vetar a influência da China e sua expansão como potência global. Até aquele momento, o foco da política externa estava no Oriente Médio.
Agora, Trump parece buscar uma nova guinada que traria consequências profundas para a América Latina. O diplomata indiano M. K. Bhadrakumar, profundo conhecedor da Ásia Ocidental e observador atento das mudanças em curso, detalha as novas tendências em um artigo em Indian Punchline (10 de janeiro de 2025) com o título “Trump revela o projeto Grande América”.
Sua principal conclusão é que “o projeto da Grande América é uma Doutrina Monroe do século XXI” que enterra a doutrina do Deep State de uma ordem internacional “baseada em regras”. Toma como referência a conferência que Trump deu na terça-feira, dia 7, em sua mansão na Flórida, quando atacou Biden e seu entorno dizendo que são “grupos de pessoas doentes”.
Ressalta que a transição atual de Biden para Trump visa vetar seu futuro mandato, assim como Obama fez. “O governo Biden está apenas seguindo os passos de Barack Obama, que no período de transição após a sensacional vitória eleitoral de Trump, em novembro de 2015, criou uma crise nas relações diplomáticas com a Rússia e alimentou a absurda hipótese do “conluio com a Rússia” fabricada pelo agências de inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Para os povos e movimentos latino-americanos, o que mais interessa é refletir sobre as quatro propostas que lançou: a anexação da Groenlândia e do Canadá, tomar o controle do Canal do Panamá e renomear o Golfo do México como Golfo da América.
Apesar de serem parceiros estratégicos, ameaçou a Dinamarca com ações militares e tarifas altas, caso não concorde em entregar a Groenlândia, e ao Canadá em fazer uso da “força econômica” para que consinta com os seus desejos. Disse algo semelhante sobre tomar o controle militar do Canal do Panamá. Paralelamente, evitou qualquer comentário crítico sobre a Rússia, a China e o Irã, que sob os democratas eram os alvos políticos, diplomáticos e militares da Casa Branca.
A guinada está clara. Trump parou de falar sobre o Indo-Pacífico, mas, no entanto, enfatizou “a prioridade que deu ao controle estadunidense do Hemisfério Ocidental (e do estratégico Mar de Barents) para perpetuar sua influência hegemônica como uma potência global”, ressalta Bhadrakumar. Por tudo isso, conclui que “o projeto da Grande América é uma Doutrina Monroe do século XXI”, ao passo que rejeita o multilateralismo e propõe retornar à velha agenda imperialista e expansionista que foi a principal característica do império, entre o final do século XIX e o primeiro terço do século XX.
O que a nova agenda imperial significa para os povos?
1. Que as intervenções militares retornarão (na verdade, nunca pararam) e que se intensificará a política de apropriação de territórios, golpes de Estado e de dura repressão aos povos e movimentos que não se subordinarem.
2. O retorno ao período do início do século XX, quando ocorreram dezenas de intervenções armadas dos Estados Unidos, marca um ponto de inflexão que deve nos levar a observar o nosso futuro no espelho de Gaza, Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia, pelo menos.
3. Esta política brutal substitui as de proteção do meio ambiente, transição energética e apoio à diversidade sexual. Embora essas políticas fossem apenas um tampão para a dominação imperialista, conseguiam adesões entre ONGs e governos progressistas.
4. Projetos autoritários como os de Nayib Bukele, em El Salvador, Daniel Noboa, no Equador, Javier Milei, na Argentina, e Jair Bolsonaro, no Brasil, serão amplamente beneficiados e serão as referências na região para o Pentágono e o Comando Sul. Os progressismos precisarão adaptar-se, direitizar-se e polir suas já frágeis arestas transformadoras. Venezuela, Bolívia e Cuba, sem dúvida, serão fortemente pressionadas para que se voltem cada vez mais para os interesses do império ou arquem com as consequências.
5. Este duro panorama faz parte da reorganização do capitalismo que os zapatistas chamam de “tormenta”. Não estamos em condições de deter a tormenta, nem temos força suficiente para apresentar alternativas que vão além do local, como destacou o Capitão Marcos, no ano passado. Por isso, propõem trabalhar desde já para que em 120 anos os povos estejam em condições de enfrentar o “dia depois” da tormenta.
No meu modo de ver, os povos e movimentos não zapatistas precisam dar muitos passos para conseguir enfrentar essa situação. Primeiro, analisar e estudar a “tormenta”, compreender o que é e a gravidade da situação em que estamos. Minha impressão é que não há consciência suficiente de que a humanidade de baixo e a vida dos povos estão em perigo.
Segundo, começar a nos preparar para navegar a tormenta e sobreviver às catástrofes. Para isso, é indispensável fortalecer as autonomias, porque a dependência dos governos nos fragiliza extremamente. Sem autonomia, não sobreviveremos.
Terceiro, prepararmo-nos para defender nossos territórios e espaços, nossas famílias e comunidades. Sem autodefesa, vão nos massacrar. Isto não quer dizer entrar na guerra de cima, mas, sim, criar e fortalecer nosso próprio mundo, nossa saúde, educação, alimentos e modos de vida que nos tornam diferentes, e defendê-lo.
Não temos muito tempo, e a esquerda e os progressismos fazem tudo o que é possível para nos distrair e anestesiar as resistências com “programas sociais” que não servem para nada a não ser nos fragilizar.