14 Janeiro 2025
Se o Kremlin reagir com preocupação cautelosa, a maioria dos chamados “blogueiros patrióticos” se alegrará: “Começa a era dos mais fortes”. E para a mídia da Federação, o presidente eleito “é do interesse de Moscou”. Por pelo menos três razões.
A reportagem é de Rosalba Castelletti, publicada por la Repubblica, 12-01-2025.
Entre Donald Trump, que ameaça tomar a Groenlândia à força, e a França e a Alemanha, que defendem a soberania da Dinamarca sobre a ilha no extremo norte do Oceano Atlântico, há um terceiro que gosta disso: a Rússia.
Se as autoridades de Moscou reagirem com cautelosa preocupação às ambições territoriais do presidente eleito dos EUA e observarem com ostensivo alívio que o magnata só tomará posse na Casa Branca em 20 de janeiro e que até então não falará "em nome do Povo dos EUA", a maioria dos blogueiros militares patrióticos exultam: “É a lei do mais forte”. E o site Vzgljad diz isso explicitamente: “Trump serve aos interesses de Moscou.”
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, definiu como "dramáticas" as intenções de Trump de não descartar o uso de "coerção militar ou econômica" para anexar a Groenlândia, o Canal do Panamá e o Canadá. A Rússia, explicou, tem “interesses nacionais estratégicos” no Ártico e quer “preservar a atmosfera de paz e estabilidade na região”, por isso está a observar “com muito cuidado o desenvolvimento bastante dramático da situação”. Peskov, porém, exortou-nos a não nos precipitarmos: “Até agora, graças a Deus, são apenas declarações”.
A porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, também minimizou o fato. “Quando Trump se tornar presidente, quando assumir os seus poderes, falará em nome do Estado e do povo dos Estados Unidos a título oficial. Só então provavelmente será possível avaliar e analisar de alguma forma”, disse ele à Rádio Sputnik.
Na TV e na rede social Telegram, que agora se tornou a verdadeira “barriga” do país, as reações, porém, são de sinal contrário. “O que Trump disse nos beneficia”, comentou Vladimir Soloviov, durante seu talk show no horário nobre. O presidente eleito, disse o apelidado de “propagandista-chefe”, está “destruindo totalmente qualquer ilusão que alguém ainda possa ter sobre a cimeira das democracias, sobre o respeito pelas opiniões dos aliados da OTAN. É como se ele estivesse dizendo: “Quem são vocês? Vocês são todos ninguém. Falarei com Putin e Xi Jinping. Quanto a você, quem é você? Entregue a Groenlândia." Ele é um cara bom, um cara ótimo."
Mesmo para a maioria dos chamados “blogueiros Zeta”, ou autoproclamados “blogueiros patrióticos”, que apoiam a qualquer custo a chamada Operação Militar Especial contra Kiev, as ambições de Trump legitimam a ofensiva de Moscou na Ucrânia. “Trump irá desmantelar a velha ordem mundial”, é convencido pelo canal Starshe Eddy Telegram com cerca de 610 mil assinantes, principalmente fruto da pena do alemão Kulikovsky, um dos poucos que previu a ofensiva russa. Ele irá fazê-lo, continua ele, “de forma muito mais rápida e confiável do que nós, russos, alguma vez conseguiríamos, porque o atacamos por fora, enquanto ele o mina por dentro”.
Para o canal Zhivov Z do especialista militar e cientista político Aleksej Zhivov, 114 mil assinantes, as ambições territoriais de Trump marcam “o início de uma nova era nas relações internacionais, uma era de redistribuição de terras” porque, depois da Rússia e de Israel, “os Estados Unidos agora legitimam o processo de redefinição do mapa mundial e estão prontos para liderá-lo.”
Boris Razhin, do Centro de Jornalismo Político-Militar do canal Coronel Cassad, com mais de 885 mil assinantes, concorda: “Começa a era das Operações Militares Especiais. O direito internacional morreu e agora as fronteiras dos países são garantidas única e exclusivamente pela força. Portanto, os fortes tirarão dos fracos o que puderem tirar. E nos próximos anos, o mundo que conhecemos em termos de fronteiras territoriais e esferas de influência mudará.”
O correspondente militar do Komsomolskaya Pravda, Aleksandr Kots, no seu canal seguido por quase 586 mil assinantes, chega a comparar Trump aos “bandidos de bairro familiares a quem cresceu na Rússia nos anos 90”. Na sua esteira, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, provavelmente tentará obter o controle do Corredor Zangezur e o turco Recep Tayyip Erdogan iniciará uma “guerra contra os curdos em território sírio”.
O jornalista Kots, porém, também alerta: ao reivindicar a Groenlândia e o Canadá, Trump almeja o domínio no Ártico e “criará problemas de todas as maneiras possíveis” para desafiar a Rússia na área. O canal Dva Majors, com 1,2 milhões de assinantes, “The Two Majors”, que se pensa ter sido fundado pelos irmãos Dmitry Korzin e Ekaterina Korzina, também alerta: “Uma terrível guerra no Ártico com Putin está iminente.”
O site online Vzgljad, considerado uma caixa de ressonância das ideias em voga na administração presidencial russa, não esconde o conflito de interesses entre a Rússia e os Estados Unidos no Ártico. Mas, conclui, “a ironia da história é que não importa como termine a epopeia da compra/cessão/referendo/conquista da Groenlândia, toda esta história já tem um vencedor. E é a Rússia." E num artigo intitulado “Trump visa a Groenlândia no interesse da Rússia” ele enumera pelo menos três razões.
Primeiro: “Trump está dividindo o Ocidente coletivo. Quem ousaria pensar há alguns anos que os Estados Unidos ameaçariam invadir um país da OTAN?” Em segundo lugar, o presidente eleito “questiona o princípio da inviolabilidade das fronteiras”, absolvendo efetivamente o expansionismo da Rússia na Ucrânia. Por último, “propõe resolver a questão organizando um referendo na Groenlândia”, a mesma estratégia – recorda Vzgljad – adoptada por Moscou nos territórios unilateralmente anexados à Ucrânia em 2014 e 2022.
Um paralelo que o próprio Peskov não deixou de sublinhar. “Se falamos da necessidade de ter em conta a opinião dos habitantes da Groenlândia, então provavelmente deveríamos também lembrar as opiniões expressas pelos habitantes das quatro novas regiões da Federação Russa. E mostre o mesmo respeito." Tudo volta.
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“Anexação da Groenlândia”, porque as palavras de Trump jogam a favor da Rússia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU