O mito da ameaça russa sobre o qual a Guerra Fria foi construída deveria ser ensinado nas escolas como um exemplo perfeito de como se constrói uma ideologia.
"Para manter tudo isso unido, nada melhor do que a ameaça do expansionismo russo. O 'inimigo comum' permite cobrir os diferentes interesses e dissidências estratégicas entre uns e outros. E, ao mesmo tempo, aquecer a máquina psicológica para preparar o público para os sacrifícios necessários para um rearmamento generalizado, o novo ideal para os anos vindouros", escreve Manlio Graziano, estudioso italiano especializado em geopolítica e geopolítica das religiões, em artigo publicado por Settimana News, 09-04-2024.
No seu famoso Long Telegram, enviado de Moscou em 22 de fevereiro de 1946, o chefe da missão na embaixada americana, George Kennan, explicou a Washington não apenas a situação catastrófica da URSS após a guerra, mas também algumas das principais constantes da política russa.
Uma delas era a tendência fisiológica expansionista do império dos czares e de Stalin (entre os quais ele não via solução de continuidade).
Apesar do esgotamento causado pelo conflito, escreveu Kennan, a pulsão expansionista está sempre presente, porque é inerente à natureza do Estado russo; no entanto, hoje ela representa uma ameaça não para a Europa e muito menos para os americanos, mas... para a própria Rússia: "O sistema interno soviético será agora submetido, devido às recentes expansões territoriais, a uma série de tensões adicionais que no passado representaram um severo tributo para o czarismo". E acrescentava: se, apesar de tudo, a irresistível tentação de se expandir prevalecesse, sempre se deve ter em mente que o poder russo "é muito sensível à lógica da força. Por esse motivo, pode facilmente recuar, e geralmente o faz quando encontra uma forte resistência".
Para garantir que as potências industrializadas da Europa Ocidental não se aproveitassem da derrota da Alemanha para se fortalecerem, os Estados Unidos permitiram que os russos chegassem a Berlim e Praga em 1945, e em Yalta concederam a eles não apenas todos os territórios já prometidos pelo pacto Ribbentrop-Molotov, mas também Königsberg e, principalmente, metade do centro-leste da Europa.
E quando Moscou, fiel à sua própria natureza, tentou ultrapassar o que havia obtido — no Irã em 1945-1946, em Berlim em 1948, na Coreia em 1950, em Cuba em 1962 — a "forte resistência" de Washington a obrigou a recuar, exatamente como Kennan previu.
A atitude americana (e do próprio Kennan) em relação à URSS se inverteu entre 1946 e 1947.
Ou, melhor dizendo, o dispositivo antieuropeu foi refinado: além de usar a Rússia contra a Europa Ocidental, os Estados Unidos decidiram usar a Europa Ocidental contra a Rússia quando o Reino Unido e a França deram origem, em 1947, a uma aliança político-militar (Tratado de Dunkerque) não contra os russos (nem mesmo mencionados no texto), mas "na eventualidade de uma retomada da agressão alemã" e contra "a desagradável perspectiva de uma maior dependência econômica dos Estados Unidos", como explicou mais tarde o ministro das Relações Exteriores britânico Ernest Bevin à Câmara dos Comuns.
O Tratado de Dunkerque, estendido em 1948 aos países do Benelux, foi "expropriado" pelos Estados Unidos e transformado, em 1949, na OTAN, criada para enfrentar a suposta ameaça de um expansionismo russo.
Em suma, embora Kennan tenha assegurado que "a Rússia permanecerá economicamente uma nação vulnerável e, de certa forma, impotente", toda a arquitetura política e militar da Guerra Fria foi construída em torno do mito da "ameaça expansionista russa". Um mito que serviu a Washington para obrigar britânicos e franceses a renunciar a qualquer aspiração de autonomia, para desmantelar seus impérios coloniais e para manter a Europa (e a Alemanha) dividida por quarenta e cinco anos.
Entendam-se: como Kennan sabia muito bem, a Rússia é intrinsecamente, instintivamente expansionista.
Em suas memórias políticas de 1987, o ex-chanceler alemão Helmut Schmidt citava uma frase atribuída a um ministro russo do século XIX: "A fronteira russa é segura apenas quando há soldados russos de um lado e de outro". O historiador americano G. Patrick March encontra a motivação remota disso na invasão mongol do século XIII; desde então, escreve, "o medo paranoico de uma invasão levou a um reflexo compulsivo de expansão nos territórios dos próprios vizinhos, para evitar que eles se expandissem sobre os seus". É assim.
Mas uma coisa é querer se expandir, outra é ter a capacidade de fazê-lo.
O mito da ameaça russa sobre o qual a Guerra Fria foi construída deveria ser ensinado nas escolas como um exemplo perfeito de como se constrói uma ideologia: pega-se um pedaço da realidade (o expansionismo fisiológico russo), o abstrai-se das circunstâncias históricas (a incapacidade de se expandir), e o absolutiza-se (a ameaça está sempre presente), adornando-o com uma série de representações muito eficazes para manter viva a mobilização psicológica (por exemplo, os abrigos antinucleares e as instruções para sobreviver a um ataque nuclear).
Hoje estamos de volta. Desde alguns meses, a ameaça do expansionismo russo tornou-se onipresente; a possibilidade de uma guerra — para se defender de um ataque russo, é claro — está na boca de (quase) todos os líderes europeus. Desde o chefe do comitê militar da OTAN, o almirante holandês Rob Bauer, que está convencido de que "uma guerra nos próximos vinte anos não pode ser descartada", até o primeiro-ministro polonês Donald Tusk, para quem já estamos em uma "era pré-belica", passando pelos líderes da Estônia, Lituânia, Letônia e Suécia.
O presidente francês Emmanuel Macron até mesmo abriu a possibilidade de enviar tropas europeias para a Ucrânia. Enquanto o desarmamento era até pouco tempo atrás uma virtude (o apelo de Sandro Pertini para esvaziar os arsenais e encher os celeiros foi por décadas um preceito de boa educação cívica para se aprender desde criança), hoje se tornou um vício.
Em todos os lugares são anunciados sacrifícios indispensáveis para desviar os gastos públicos dos serviços sociais para a produção bélica: "Tanques ou creches", nossas sociedades terão que escolher, sintetizava o Süddeutsche Zeitung no final de janeiro; mas é por uma boa causa, explicava o Der Spiegel: o exército de "cidadãos em uniforme" se tornaria, de fato, "uma força de defesa da democracia". Apenas os amigos de Putin, lê-se nas entrelinhas, ousam afirmar o contrário.
Por que dizemos que se trata de uma ideologia, ou seja, de uma mascarada dos reais interesses em jogo? Simplesmente porque a Rússia não tem a capacidade de invadir ninguém, muito menos um país da OTAN.
Não que lhe falte vontade, mas simplesmente não pode.
Em dois anos de guerra inútil na Ucrânia, enviou para a morte 49.281 de seus soldados (aqueles cujos nomes foram rastreados pelo site independente russo Mediazona), três vezes mais do que os mortos em dez anos de conflito no Afeganistão (1979-1988), para conquistar alguns quilômetros quadrados a mais do que os já conquistados em 2014.
Em compensação, empurrou dois novos países para os braços da OTAN, provocou o reforço militar de sua antiga esfera de influência na Europa Central e Oriental, perdeu suas margens francesa e alemã na Europa Ocidental, perdeu o controle do Cáucaso, está perdendo o controle da Ásia Central, corre o risco de alienar a Índia e se encontra à mercê da China, um país do qual os russos sempre tiveram medo (Schmidt sempre conta que a primeira preocupação de Brejnev em 1974 era a China, em uma época em que a China estava em plena guerra civil e sua economia era pouco superior à da Espanha). E o front interno está sob tensão, que acabará por se transformar em revoltas.
Mesmo que conseguissem conquistar toda a Ucrânia (uma hipótese bastante improvável), os atuais líderes do Kremlin sairiam dessa aventura com um país muito mais fraco do que era no início de 2022, com muito mais inimigos, exaurido e amedrontado, e reduzido a um satélite de Pequim — a menos que os Estados Unidos ou algum bom samaritano europeu lancem um bote salva-vidas.
Então, de onde vem o quadro apocalíptico de uma possível invasão russa da qual os "cidadãos em uniforme" deveriam nos salvar?
Ela vem de uma observação empírica (mas errada) e de uma série de necessidades, aspirações e medos diferentes, desencadeados não tanto pelo fantasma do "perigo russo", mas pela realidade do grande desordem internacional.
A observação empírica é que nem mesmo o ataque à Ucrânia fazia sentido, e ainda assim foi conduzido.
É verdade, não fazia sentido; mas 1) as expectativas — do comportamento do exército russo, do comportamento do exército e da população ucraniana, do comportamento alemão e francês — eram completamente diferentes e foram desmentidas pela realidade; e 2) o teste foi feito, e os resultados foram catastróficos.
Recomeçar após o desastre ucraniano significaria apenas apressar o colapso definitivo da Rússia, e Putin, que queria passar por um novo Pedro, o Grande, acabaria nos livros de história como uma petulante réplica de Nicolau II, sem sequer a aura do martírio.
As necessidades, aspirações e medos têm origem em uma situação internacional cada vez mais caótica, da qual a Rússia certamente contribuiu, mas da qual está longe de ser o pivô.
Há um ano, em sua última entrevista, Henry Kissinger se referia à relação entre Estados Unidos e China quando afirmava que "estamos a caminho de um confronto entre grandes potências", uma situação semelhante à que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. Desde então, a situação global se agravou, principalmente pela diminuída confiabilidade dos Estados Unidos.
Por quase oitenta anos, a segurança da Europa foi garantida pela ordem política americana e pelo guarda-chuva militar americano; o mesmo vale para o Japão, Coreia do Sul, Austrália e muitos outros países asiáticos; a Índia flertou com a Rússia, mas sempre manteve aberta uma possível saída americana.
Hoje, nada está mais garantido, porque os americanos estão cada vez mais fracos e isolacionistas — uma tendência, esta última, representada não apenas pelos fanfarrões de Donald Trump, mas também pela reduzida capacidade de Washington de desempenhar um papel nas crises mundiais. Inevitavelmente, o nervosismo internacional cresce.
Mas, precisamente, as necessidades, aspirações e temores não são os mesmos em todos os lugares; muito pelo contrário. Aqueles que depositaram quase todas as suas fichas nos Estados Unidos (a Polônia e os países bálticos) estão seriamente preocupados, não apenas com os russos, mas também com o novo ativismo alemão e francês.
Os alemães estão em pleno caos, incertos sobre o que fazer, divididos entre aqueles que esperam pelo arrependimento americano, aqueles que se apoiam no presencialismo de Paris, aqueles que pensam em como restabelecer o contato com Moscou e aqueles que, no fundo, voltam a pensar na Sonderweg, o "caminho especial" alemão, em todas as suas nuances.
A França, por sua vez, está muito mais preocupada com uma possível Sonderweg do que com a "ameaça russa", e aproveita as crescentes dificuldades americanas para relançar sua "autonomia estratégica europeia", que não passa de uma maneira de (esperar) enjaula Berlim.
Para manter tudo isso unido, nada melhor do que a ameaça do expansionismo russo. O "inimigo comum" permite cobrir os diferentes interesses e dissidências estratégicas entre uns e outros. E, ao mesmo tempo, aquecer a máquina psicológica para preparar o público para os sacrifícios necessários para um rearmamento generalizado, o novo ideal para os anos vindouros.