07 Fevereiro 2024
"Todos os interesses particulares reivindicam, antes de mais nada, dinheiro. E os governos cada vez mais fracos e assustados com o que acontecerá nas eleições europeias de junho, prometem dinheiro", escreve Manlio Graziano, estudioso italiano especializado em geopolítica e geopolítica das religiões, em artigo publicado por Settimana News, 02-02-2024.
Por anos, talvez desde sempre, os especialistas em assuntos políticos discutem se a Europa existe politicamente ou se é, como Metternich disse da Itália, "uma mera expressão geográfica".
A Europa política tem sido e continua sendo uma ambição, pelo menos desde a Primeira Guerra Mundial, quando ficou claro para muitos que, continuando a lutar entre si, os Estados do Velho Continente seriam devorados por potências extracontinentais, e com eles, a Europa seria devorada, tornando-se uma mera expressão geográfica.
No final da Segunda Guerra Mundial, o projeto europeu foi revitalizado pela França.
Aproveitando a momentânea impotência alemã, Paris pensava poder retomar onde Napoleão fora interrompido, desta vez expandindo sua influência não com a Grande Armada, mas com a mensagem de uma grande pacificação do continente, da fraternidade entre seus povos e, claro, da criação de uma grande potência para se opor à supremacia dos Estados Unidos.
Muitos, especialmente na Itália, veem isso como prova da arrogância francesa. É o erro típico daqueles que substituem a política pela moral: todos os processos de unificação nacional surgiram de um núcleo fundador que se impôs aos outros, de uma forma ou de outra.
O limite da França não era sua arrogância, mas o fato de que sua arrogância não tinha bases sólidas, ou seja, em outras palavras, a França não conseguia impor-se aos outros: a força de dissuasão não bastava, era necessário também o auxílio do motor econômico alemão.
Daí surgiu o eixo renano, com muitos descontentamentos, no entanto, de ambos os lados do Reno, especialmente de Paris, que continuava a ver a Europa como uma continuação da França com outros meios.
O problema é que as unificações nacionais do passado funcionaram em dois casos: quando o núcleo fundador tinha uma superioridade esmagadora; e quando o núcleo fundador soube encontrar compromissos com os potenciais dissidentes (uma coisa não excluindo necessariamente a outra).
O compromisso em que os Estados nacionais se baseiam consiste na superioridade do interesse comum, nacional, sobre os interesses particulares, pelo menos nos momentos críticos da vida da nação.
Hoje, os Estados estão em crise porque nenhum político é mais capaz de impor o interesse superior do país sobre os interesses particulares. Se, além disso, os interesses particulares de uma categoria dentro de um país específico da Europa se impuserem sobre os interesses gerais europeus, então a crise é profunda, talvez irreparável.
A guerra dos agricultores dos diferentes países europeus contra os agricultores de outros países (europeus e não europeus) tem consequências destrutivas nas relações internacionais provavelmente maiores do que a crise em Gaza.
É uma onda de nacionalismo agrícola sem precedentes: não porque nunca tenha ocorrido antes (à medida que se desce, o nacionalismo agrícola se transforma em regionalismo agrícola, depois em localismo agrícola, depois em "quilômetro zero"), mas porque nunca antes os vários governos europeus e até mesmo a Comissão Europeia foram tão sensíveis a isso.
O jovem primeiro-ministro de Emmanuel Macron, Gabriel Attal, proclama a "exceção agrícola francesa", endossando assim o fato de que seus quinhentos mil agricultores reivindicam políticas protecionistas contra produtos italianos e espanhóis, mas também extraeuropeus, e a abolição das regras europeias sobre agricultura (exceto o dinheiro da PAC, a Política Agrícola Comum, é claro), especialmente as medidas ambientais para combater as mudanças climáticas.
Os agricultores italianos e espanhóis reivindicam a mesma coisa, contra a importação de produtos estrangeiros, africanos, mas também franceses.
Os governos dizem que seus agricultores estão certos. A presidente da Comissão da UE, Ursula Von der Leyen, na tentativa de manter tudo junto, também tende a dar razão aos agricultores, chegando ao ponto de retirar um dispositivo-chave do European Green Deal, que ela enfaticamente chamou de "o momento do homem na Lua da Europa".
Do ponto de vista deles, é claro, os interesses particulares sempre têm razão. Cada um quer puxar a coberta para si, e às vezes não pode fazer mais nada.
Mas o Estado existe - ou pelo menos deveria existir - precisamente para conciliar os interesses particulares com o interesse geral e, onde o conflito for insuperável, impor o interesse geral sobre os interesses particulares.
Hoje, está acontecendo o contrário, e o público aplaude. E quanto mais o público aplaude, mais os governos serão tentados a apoiar os interesses particulares que o público aplaude.
Mas o público não conecta os vários pontos:
Todos os interesses particulares reivindicam, antes de mais nada, dinheiro. E os governos cada vez mais fracos e assustados com o que acontecerá nas eleições europeias de junho, prometem dinheiro.
O que alimenta a convicção de que há dinheiro para todos e, portanto, alimenta as esperanças e ganâncias de todos os outros interesses particulares. A despeito da dívida pública, que continua a crescer.
Se pegarmos todos esses ingredientes e os misturarmos, entenderemos por que a guerra dos agricultores contra a Europa pode ser um daqueles momentos que, mais do que o Apollo 11 ("o homem na Lua"), acabarão por se assemelhar ao Apollo 13 ("Houston, temos um problema").
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Europa: A guerra dos agricultores é uma ameaça. Artigo de Manlio Graziano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU