10 Dezembro 2024
“Vença quem for na Síria ou em qualquer outra região do mundo, hoje, são os povos que perdem. A situação é tão, mas tão terrível, que não dá nem mesmo para comemorar a queda de um tirano, porque já existem outros parecidos prontos para assumir”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 09-12-2024. A tradução é do Cepat.
Alguns analistas geopolíticos afirmam que houve um acordo Washington-Moscou para reforçar a presença russa na Ucrânia e deixar o terreno livre no Oriente Médio para os Estados Unidos. Outros defendem a tese de que os grandes vencedores da queda de Bashar al-Assad na Síria são a Turquia e Israel. Insistem que haverá uma distribuição territorial dos espólios sírios entre as grandes potências globais e regionais. Os que veem mais longe observam a fragilidade do regime do Irã e, talvez, do próprio Kremlin, e já prognosticam mudanças de fundo.
Seguindo com os seus cálculos, desde já, conjecturam quem se encarregará da reconstrução da Síria, se serão os chineses ou os próprios estadunidenses com os seus aliados israelenses. “Aqueles que sabem” dizem que a guerra continuará, que não há como detê-la, que Erdogan, presidente da Turquia, seguirá avançando para estabelecer uma zona de amortecimento em torno do seu país, para criar um novo império, enquanto o sionismo se encarrega de definir o rumo para o Grande Israel.
Faz algum tempo que escutamos que o império estadunidense está tão fragilizado que logo cairá. Com a mesma frieza com que afirmavam, até ontem, que o Hamas e o Hezbollah derrotariam Israel com a ajuda do Eixo da Resistência. Agora, sabemos que a queda do regime sírio não visa a democracia, como diz o Ocidente, mas, sim, cortar as linhas de abastecimento para estas organizações, facilitando a limpeza étnica sionista.
A verdade é que a geopolítica, tão imprevisível e oportunista, tão parecida com o “visitante noturno” (aquela afirmação de Fernand Braudel para definir o capitalismo), oscila de acordo com as conveniências do momento. Apenas 24 horas antes da queda do regime sírio, insistiam que “de modo algum os jihadistas entrarão em Damasco”. Depois, vêm as desculpas que falam de traições e de reviravoltas “imprevisíveis”. Além disso, há a insolência dos meios de comunicação, que agora chamam de “rebeldes” os mesmos que antes citavam como “terroristas”.
Aqui, uma boa descrição da jornalista Caitlin Jonhstone em seu portal: “Agora, a imprensa imperial está cheia de manchetes como ‘O líder rebelde sírio passou de jihadista radical a um ‘revolucionário’ vestido de blazer’, da CNN; ‘O líder rebelde sírio al-Golani: de jihadista radical a pragmático ostensivo”, do The Times of Israel; e ‘Como os jihadistas ‘amigáveis com a diversidade’ da Síria planejam construir um estado”, do The Telegraph’”. Acrescenta com profunda ironia: “É apenas uma questão de tempo até começarmos a ver ex-membros do ISIS e da Al-Qaeda conversando em programas de entrevistas liberais ocidentais com seus pronomes de gênero preferidos junto a seus nomes”.
Fica muito claro que a Al-Qaeda é uma criação ocidental, estadunidense, europeia e israelense para semear o caos na região.
Nas distribuições territoriais, que é o motivo das guerras em curso, busca-se tirar algo do inimigo e morder onde há bens comuns a serem convertidos em mercadorias. Ambos abundam no Oriente Médio.
Não tenho dúvidas de que essas análises têm algo de verdade, ou que atentam a certas tendências e realidades. Mas….
Mas se alguém perguntar: “E os povos?”. Olham para os lados e balançam os ombros, como se não soubessem do que se trata. Para a geopolítica e os geopolíticos, nós, povos, pessoas comuns, somos argila moldável pela vontade do monarca, ou seja, do capital e de seus administradores. E os que não permitem caminham para o matadouro.
Hoje, não são mais sequer os Estados-nação que remodelam os mapas do mundo, mas pura e simplesmente os canhões e as bombas. Dito de outro modo, e seguindo o Subcomandante Marcos, o capital limpa territórios, expulsando povos, para se apropriar dos bens comuns, em sua guerra de espoliação.
O capital utiliza as suas forças armadas ou grupos narco-paramilitares, dá no mesmo, para fazer o trabalho sujo, conforme a conveniência em cada geografia. É o que vem acontecendo com espantosa exatidão em boa parte do nosso continente.
Vença quem for na Síria ou em qualquer outra região do mundo, hoje, são os povos que perdem. A situação é tão, mas tão terrível, que não dá nem mesmo para comemorar a queda de um tirano, porque já existem outros parecidos prontos para assumir. Não se vislumbra no horizonte nada mais do que nuvens e tempestades, com mais e mais violência contra os de baixo. Por isso, paremos de ouvir os geopolíticos para nos concentrar no que é nosso: sobreviver à catástrofe e nos preparar para o dia seguinte... mesmo que demore 120 anos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A perversidade geopolítica. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU