Em meio ao complexo cenário acadêmico e político que marcou as últimas semanas em Nova York, tenho o privilégio de entrevistar Nancy Fraser, uma figura de destaque nos campos da teoria marxista e feminista. Seu forte compromisso com a justiça social e sua defesa de perspectivas críticas provocam debates, tais como o recente cancelamento da sua palestra na Universidade de Colônia pelo seu apoio à Palestina.
Ao mesmo tempo, nas universidades de Nova York, que são epicentros do ativismo e da conscientização social, as lutas em solidariedade à Palestina assumem uma importância crucial. Estes dois contextos, marcados pela resistência acadêmica e o ativismo estudantil, oferecem um fascinante pano de fundo para explorar as ideias e reflexões de Nancy Fraser sobre a intersecção entre academia, política e luta por justiça.
Em nossa conversa, abordamos da situação Israel-Palestina a temas como o marxismo, o amor e a família. Agradeço profundamente que tenha encontrado um momento para falar comigo, apesar dos desafios que enfrenta neste contexto agitado.
A entrevista é de Carme Vivancos-Sánchez, publicada por Pikara Magazine, 05-06-2024. A tradução é do Cepat.
Disse, e corrija-me se eu estiver equivocada, que o feminismo foi “o ponto de entrada para você repensar o marxismo”. Foi assim? Se fosse começar a repensar o marxismo agora, seguiria por aí? Penso especialmente no que você argumenta em seu último livro, ‘Capitalismo Canibal’, e no peso que atribui, por exemplo, à questão ecológica, definida por você mais de uma vez como algo que “muda as regras do jogo”.
Não tenho certeza se foi o feminismo que me fez começar a repensar o marxismo. Minha trajetória como ativista e pensadora radical começou com o movimento pelos direitos civis e a luta pela libertação negra, bem como com a luta anti-imperialista da Guerra do Vietnã, que presidiu o meu compromisso com o feminismo. Foi com base nestas lutas que me tornei marxista, antes de ser profundamente afetada pelo surgimento da segunda onda do feminismo.
Penso que já estava interessada em lutar dentro do marxismo, que precisava ser atualizado com a crítica ao imperialismo e à opressão racial. E então, claro, quando o feminismo eclodiu e me tornei uma feminista radical, eu já era marxista. Isto introduziu uma segunda complicação no marxismo, a complicação do gênero. Contudo, esta foi uma espécie de segunda iteração de uma questão anterior sobre a relação entre capitalismo, imperialismo e opressão racial.
E então, como você sugere, surpreendi-me com a gravidade da crise ecológica e com a necessidade de, mais uma vez, voltar atrás e examinar a crítica do capitalismo para buscar determinar qual é a relação entre capitalismo, crise ecológica e destruição da natureza. Em todo caso, essencialmente, estava pensando a questão: a relação entre capitalismo e opressão racial é meramente contingente ou estrutural? E a relação entre capitalismo e dominação masculina? E entre capitalismo e devastação ecológica?
Estive pensando estas questões diversas vezes, não se tratava mais apenas de imperialismo ou raça, mas de imperialismo, raça, gênero e ecologia, e finalmente toda a questão de uma crise política e uma crise de democracia. Sendo assim, em todo caso, cheguei à conclusão de que se tratava, na realidade, de dimensões de opressão, injustiça e irracionalidade com base estrutural e tendências à crise.
Acabei considerando que aquilo que algumas pessoas chamavam de marxismo tradicional, que se concentrava unilateralmente no trabalho explorado, no ponto de produção, não era realmente adequado para a crítica do capitalismo. Por isso, eu me vi estimulada a desenvolver o meu chamado pensamento ampliado.
Sobre essa visão ampliada do capitalismo explicada por você em ‘Capitalismo Canibal’ e em relação à sua produção intelectual, observo que encontra no anticapitalismo a forma atual de manter viva a crença de que existe uma oportunidade de lutar contra toda essa estrutura. Esta oportunidade existe ou considera que o neoliberalismo já venceu a batalha?
Considero que há muita luta emancipatória e imaginação radical. Neste momento, o que está acontecendo nos campi universitários a favor da Palestina, aqui, em Nova York, faz as pessoas de nossa geração lembrar muito das lutas contra a Guerra do Vietnã. É um momento de tremenda mobilização e energia. Para mim, a crise é multidimensional, inclui uma crise de reprodução social, uma crise da ecologia e uma crise geopolítica da ordem global, que penso que tem a ver com a ruptura de uma hegemonia estadunidense relativamente incontestável na ordem mundial. E eu relacionaria a questão Israel-Palestina com isso.
A questão premente é se aqueles que participam destas diversas batalhas e lutas centrais desenvolvem uma compreensão ampla do fato de que existe um sistema social, o capitalismo, que está na raiz das crises ecológicas, das crises geopolíticas, das crises de opressão racial e imperial, da crise de reprodução social, da crise da democracia…
O cerne da questão é que não acredito que exista qualquer solução que não envolva uma mudança estrutural profunda do sistema. Apesar das diferenças de situação e de experiência sobre o que é mais urgente, poderia haver uma maior consciência das conexões e os vínculos, e penso que tal compreensão poderia ter um impacto, embora não queira exagerar sobre qual pode ser o impacto de um determinado livro ou teoria.
O objetivo é fomentar o pensamento global e espero que isso leve a um ativismo que seja informado por um panorama global e que possa realmente merecer o nome de “contra-hegemonia”, um projeto contra-hegemônico para basicamente transformar o sistema social de forma profunda.
A questão Israel-Palestina se relaciona com o que acaba de dizer sobre as respostas contra-hegemônicas, então, obrigada por comentá-la. Além disso, em seus escritos, particularmente dentro do feminismo, mas também aplicável a outros movimentos, existe uma preocupação com a adoção de métodos neoliberais. Vemos casos em que, apesar dos esforços em resistir, as estruturas imperantes muitas vezes parecem sufocar as alternativas. É quase como se houvesse uma luta de ida e volta em que há uma reação contra o status quo, mas os fundamentos econômicos permanecem firmes. O que você pensa desta dinâmica?
Bem, nos Estados Unidos, no mínimo, vivemos no ato de uma sociedade capitalista democrática liberal, e esta questão remonta a muito tempo atrás, muito antes do neoliberalismo. Sempre houve na política estadunidense fortes movimentos a favor da reforma legal, a favor dos direitos liberais que não mudam por si mesmos as relações de propriedade fundamentais. Os Estados Unidos, assim como a Grã-Bretanha, tiveram fortes movimentos feministas ao longo da sua história, mas foram esmagadoramente liberais.
Não estou dizendo que nunca existiram desafios mais fundamentais. Existiram por parte das feministas negras, por parte das feministas socialistas e das feministas social-democratas, mas penso que temos de reconhecer que foram tendências minoritárias em ocasiões em que houve um espírito revolucionário no país e as feministas o absorveram em parte e se tornaram mais radicais.
Este foi o caso, penso eu, nos anos 1960 e 1970, quando o feminismo radical estadunidense emergiu do ethos mais amplo da nova esquerda e tinha uma espécie de, ao menos, retórica revolucionária. Via a si mesmo com muita força, como parte de uma sociedade anticapitalista, uma esquerda anti-imperialista e antirracista. Então, basicamente, aconteceu o que sempre ocorre nos Estados Unidos: quando esse ethos começa a se apagar e se normalizar, o feminismo – ao menos a sua tendência majoritária – retorna à posição predeterminada, que é o liberalismo.
Digamos que nos anos 1990 a maioria dominante do feminismo estadunidense havia se tornado um grupo de interesse dentro do Partido Democrata, centrado em questões importantes como o acesso ao aborto e a luta para criminalizar a violação conjugal e outras formas de violência etc. Não é que estas coisas não fossem importantes, mas estavam muito separadas do questionamento das estruturas profundas da sociedade capitalista. E assim, estas questões adquiriram uma qualidade liberal que as separou das questões da estrutura mais ampla da relação entre produção e reprodução.
Temos uma versão bastante extrema do feminismo corporativo. O exemplo é Sheryl Sandberg, diretora executiva do Facebook, uma empresa onde tudo se resume a prestar atenção a um estrato privilegiado de mulheres e suas lutas para alcançar, basicamente, a igualdade com os homens de sua própria classe e privilégio. Este não é um feminismo socialmente igualitário em um sentido amplo, é um feminismo de classe específica.
Então, é mais ou menos isso que acontece com a corrente principal do feminismo no neoliberalismo. Ao mesmo tempo, o neoliberalismo está provocando muita deterioração nas condições de vida de dois terços dos estadunidenses… E isto levou ao surgimento de novas formas radicais de feminismo que questionam a hegemonia e o domínio desse liberalismo e neoliberalismo.
Em “Feminismo para os 99%: um manifesto”, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e você buscaram chamar a atenção justamente para formas radicais do feminismo que emergiam.
Sim, já estavam acontecendo nos Estados Unidos e em outros lugares. Dessas formas radicais, algumas já tinham um ethos anticapitalista ou interesse nele. Por isso, penso que o neoliberalismo tem sido, na realidade, o catalisador da radicalização entre as feministas. Penso que foi assim quando [Donald] Trump derrotou Hillary Clinton, em 2016.
E quero apenas acrescentar um ponto: tudo o que acabo de dizer sobre o feminismo poderia e deveria ser dito sobre o movimento antirracista, o ambientalista e vários outros movimentos democráticos. Na era posterior aos direitos civis nos Estados Unidos, tal como a política negra, também se tornaram uma espécie de grupos de interesse dentro do sistema de partidos democráticos que buscavam reformas que não desafiassem o sistema.
O movimento negro teve a sua própria versão de “quebrar o teto de vidro”, que chamaram de luta para conseguir “rostos negros nas altas esferas”. E depois chegou o capitalismo verde, e penso que o movimento ambientalista se dividiu em um segmento importante que sempre foi uma espécie de natureza selvagem, de ambientalismo de elite rica que se converte em capitalismo verde.
E depois, com o neoliberalismo, desenvolveram-se outras formas de ambientalismo muito mais radical e, claro, como sabemos, do movimento Black Lives Matter emergiu um novo tipo de militância antirracista nos Estados Unidos que deu origem a um ressurgimento do interesse pelo marxismo negro, que havia saído do radar, assim como o feminismo marxista.
As pessoas agora estudam e leem pensadoras e escritoras, por isso acredito que vemos uma trajetória muito semelhante ao levante radical dos anos 1960 e 1970, que tinha um espírito anti-imperialista e anticapitalista. Depois, levou a uma espécie de reversão para formas liberais de identidade, grupo político, política específica e, agora, novamente ao ressurgimento do radicalismo e das tentativas de criar novas formas de pensamento marxista negro, pensamento feminista e pensamento ecomarxista. Portanto, este é, do ponto de vista intelectual, um momento muito emocionante.
Recentemente, você debateu a noção de que um número cada vez maior de pessoas está se tornando híbrida, navegando simultaneamente por múltiplas dinâmicas, de questões de expropriação e exploração a questões de gênero e reprodução social. Poderia dar mais detalhes sobre este conceito de hibridização e suas implicações dentro deste sistema mais amplo?
Assim como para tantas pessoas, chamou-me a atenção a ideia de interseccionalidade como uma forma de falar sobre as conexões e os pontos, e de conectar os pontos. Então, vejo o interesse na interseccionalidade como um sintoma positivo do desejo por este marco de análise mais amplo, de se distanciar do pensamento político grupal específico e de se afastar da política de tema único. Busquei oferecer, tanto em Capitalismo Canibal como em meu trabalho mais recente, uma explicação estrutural profunda destas intersecções em que se cruzam classe, gênero e raça e, digamos, império e corporações também.
A sociedade capitalista depende de ao menos três tipos de trabalho: não só o trabalho explorado dos trabalhadores livres nas fábricas, que é onde o marxismo tradicional coloca a ênfase, mas também o trabalho coagido, não-livre, de populações subjugadas e normalmente racializadas, tanto na periferia como no centro. Uma espécie de subtrabalho expropriado, de trabalho inferior no qual as pessoas não têm direitos plenos, nem são capazes de escolher livremente um trabalho, nem de exigir um salário digno que cubra o seu custo de vida como, ao contrário, podem fazer os trabalhadores explorados. E há também o que chamo de trabalho “domesticado” ou reprodução social, mas ressaltando como está um pouco deformado por uma história que, durante muito tempo, nem sequer o reconheceu como trabalho.
O sistema precisa pelo menos destas três formas de trabalho e não pode funcionar sem elas, mas, historicamente, dividiu-as e atribuiu a três grupos diferentes de pessoas: os proletários varões brancos nas fábricas ou explorados; os subtrabalhadores racializados expropriados, muitas vezes na periferia, mas também a população racializada dentro do centro; e depois as que são responsáveis por produzir e reproduzir as gerações portadoras da força de trabalho.
Em relação à sua pergunta sobre os híbridos, existem formas interessantes de rastrear como pensam as pessoas que estão em mais de uma dessas situações. Pessoas expropriadas e exploradas simultaneamente, ou expropriadas e domesticadas ao mesmo tempo, ou nas três circunstâncias. Sempre existiram alguns híbridos, mas me parece que o neoliberalismo está criando mais. Especialmente na era social-democrata. Antes, havia sindicatos fortes e uma maioria de homens, mas o neoliberalismo fragilizou os sindicatos. Deslocou a indústria, substituindo empregos sindicalizados mais bem remunerados por trabalhos em serviços com salários baixos. Sendo assim, muitas pessoas que antes eram apenas exploradas, agora, são expropriadas e exploradas ao mesmo tempo.
Ao mesmo tempo, a indústria se muda para o sul dos Estados Unidos, onde não existem sindicatos, ou na Índia, na China, nos países BRICS etc. Esses lugares ainda sofrem formas de desvio de sua riqueza, o que é outra forma de expropriação, a expropriação por dívida. Esse seria outro tipo de situação híbrida e penso que estas situações são cada vez mais comuns.
Seguem existindo focos de relativo privilégio. Mas também grandes populações que estão em uma situação realmente desesperadora devido à sua expulsão do mundo do reconhecido, que costumam experimentar os desastres climáticos, uma vez que a espoliação de terras as obriga a viver em favelas ou em outras comunidades de bairros marginais sem água, eletricidade, serviços e infraestrutura básicos.
Então, mais e mais pessoas estão em algum tipo de situação mista.
Sim, e é mais fácil para as pessoas compreender os aspectos interseccionais de sua situação. Em princípio, isto poderia levar a uma maior solidariedade, mas também ao contrário, porque as pessoas que estão perdendo o status e as condições que tinham antes são muito propensas a culpar as outras por lhes tirar o que já tinham.
Novamente, o panorama é misto: obtemos mais solidariedade ou temos um antagonismo muito maior, a busca de bodes expiatórios e a culpabilização das vítimas? Algo de ambos, mas penso que cabe a nós incentivar a narrativa que fomenta a solidariedade. Dizer: “Não é que a sua situação não esteja ruim, mas não é culpa dos mexicanos, dos muçulmanos, dos negros, dos imigrantes, dos judeus ou de quem quer que seja o bode expiatório”.
Mudando de assunto, você explorou como o capitalismo afeta o serviço do cuidado e reproduz as desigualdades de gênero. Interessa-me explorar a noção de amor como esse “dom gratuito”. Como avalia que essas dinâmicas influenciam nas relações românticas e nas formas como o amor é vivenciado na sociedade contemporânea?
Penso que o capitalismo caminha sobre a invenção do amor romântico. Na Idade Média, tínhamos o amor cortês, mas penso que o capitalismo como estrutura e como organização deu muita ênfase ao amor do casal [heterossexual]. É o único sistema que realmente institucionalizou, de forma profunda, a divisão entre família e fábrica, cuidado e trabalho, apesar das feministas argumentarem, há muito tempo, que o cuidado é trabalho.
O fato é que criamos estes espaços de residência onde se supõe que a intimidade e a afetividade têm lugar, e depois outras esferas que são as econômicas, em que interagimos com os colegas de trabalho. Esta divisão é a que estabelece uma divisão de gênero e um binarismo profundamente enraizado na sociedade capitalista: um lado é feminino e o outro lado masculino. Isto por si só já é um forte estímulo para a heteronormatividade e um desalento, uma, digamos, anormalização de gays e lésbicas ou de qualquer outra forma de apego emocional não binário.
O amor é o lugar da reprodução que se supõe ser altruísta. A outra esfera é a das relações competitivas. Historicamente, embora as mulheres de classe baixa e alguns homens tenham recebido para servirem a aristocracia, supõe-se que as classes altas fazem o que fazem por amor. E isso também significa que esse tipo de amor é o oposto ao trabalho, à orientação para a conquista, a buscar se exaltar e produzir. Então, em grande parte, isto é (não sei se essa é a palavra certa) uma distorção, porque não sei o que seria o amor puro.
Contudo, definitivamente, é uma configuração do que pensamos por “amor” e dá grande ênfase às relações românticas. Elas têm de suportar, de alguma forma, todo o peso de ser “o outro” deste poderoso aparato da vida política corporativa dominante que produz tanto estresse. Mas, como o feminismo sabe, o lar é em si um espaço de tremendo estresse, de negociações complicadas, de desequilíbrio de poder...
Isso não quer dizer que não vivenciamos o amor. Nós o temos e necessitamos dele de uma forma ou de outra. Normalmente, as mulheres amam os seus filhos e, de uma forma ou de outra, podem amar os seus parceiros, mesmo quando são homens, mas esse amor está muito pressionado e atravessado por dificuldades que acredito que podem ser atribuídas à organização do capitalismo como sociedade e que não há motivo para ser tão duras.
Não estou dizendo que a vida seja fácil em questões de amor, mas quem sabe não é necessário que seja tão dura e problemática. Aprecio especialmente pensadoras feministas como Alexandra Kollontai, que buscou teorizar como deveria ser o amor dentro de uma sociedade socialista ou comunista em comparação a como seria em uma sociedade capitalista. Não acredito de forma alguma que exista uma sociedade que tenha resolvido este enigma, mas é uma boa questão e vale a pena pensar sobre ela.
Esta perspectiva do amor como “o outro” me parece bastante intrigante. Levando em consideração o que você explicou e a sua análise sobre como o capitalismo afeta o cuidado, nota alguma conexão entre essas teorias e a sua? O que você pensa sobre a ideia de abolir a família?
Definitivamente, existe uma conexão devido às diversas contradições, pressões e dificuldades de se ter uma vida familiar que seja genuinamente estimulante e boa, o que é muito difícil. E, então, sim, caminha com a ideia de que a responsabilidade pelas crianças e, portanto, o futuro de toda a espécie humana, recai essencialmente sobre a família, sobre esta instituição privada. Pode haver este ou aquele apoio proveniente do Estado, mas é suplementar.
Existem experiências – e pessoas que prefeririam fazê-las – sobre viver em uma comunidade onde toda a relação trabalho-intimidade seja completamente diferente, estejam interligadas em vez de separadas. Também há pessoas que preferem viver de forma assexual e existe o celibato. Há pessoas que são poliamorosas e são contra a monogamia, por isso eu mesmo hesitaria em dizer que existe uma resposta correta para esta pergunta.
Parece que vivemos em uma configuração institucional que faz com que a vida familiar pareça muito indesejável para algumas pessoas. Para outras pessoas pode ser difícil, mas mesmo assim se vive como uma espécie de lugar onde é possível estar contra esse mundo hostil. Ambas as opiniões estão certas.
O que gostaria de ver é um tipo de sociedade que desinstitucionalizasse essa divisão marcada entre produção e reprodução. E que fique claro que a sociedade tem uma grande responsabilidade para com as crianças, que isto não deveria ser algo privado. E além de satisfazer todos os tipos de necessidades básicas, incluídas as de mães, pais, crianças etc.
Gostaria de ver uma sociedade ou um desenho social que não assumisse que não devemos ter famílias ou que devemos ter apenas um tipo de família. Penso que precisamos ser realmente criativos e construir uma organização social que permita experimentar na vida. Por isso, tenho algumas dúvidas quanto à teoria da abolição da família, mas a aprecio como uma linha de pensamento experimental e como uma reflexão séria sobre as dificuldades que a vida familiar atravessa hoje.