24 Março 2025
“É hora de dar nome a esse sistema: capitalismo. Devemos entender que a violência não tem outro objetivo a não ser a acumulação acelerada de capital. Para isso, deslocam e exterminam aqueles setores que são um obstáculo ao enriquecimento do 1%”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 21-03-2025. A tradução é do Cepat.
Que outro sistema declarou guerra à humanidade de forma tão metódica e completa? Que outro sistema pratica sistematicamente genocídios e extermínios de porções inteiras de jovens, mulheres e crianças? Que papel estados e os governos que os administram estão exercendo, que não conseguem e nem querem acabar com a violência contra os povos e as pessoas?
É hora de dar nome a esse sistema: capitalismo. Devemos entender que a violência não tem outro objetivo a não ser a acumulação acelerada de capital. Para isso, deslocam e exterminam aqueles setores que são um obstáculo ao enriquecimento do 1%.
Não se trata de fatos isolados, nem de erros, mas de um plano que vem sendo aperfeiçoado nas últimas décadas e que, mais recentemente, vimos ser implementado em toda a sua magnitude, na vasta extensão que vai de Gaza ao México, como demonstram os bombardeios indiscriminados contra escolas e hospitais, como demonstram os fornos crematórios de Teuchitlán (México).
Observamos o mesmo modelo, com algumas variações, em outras partes do Oriente Médio, e de modo particular nos territórios dos povos indígenas e negros, de Wall Mapu a Chiapas. No sul da Argentina, os grandes empresários queimam florestas enquanto o Estado não age, criminaliza o povo mapuche e desloca comunidades para lucrar com suas terras. A aliança entre estado, empresariado e suas milícias, os grandes meios de comunicação e a justiça, é azeitada com a presença de soldados israelenses nesses territórios.
A população em torno da mina de Chicomuselo, em Chiapas, é testemunha da aliança entre estado, empresa, paramilitares e crime organizado, com o único objetivo de deslocar e controlar a população que estorva a expansão do negócio de destruir a Mãe Terra para transformar os bens comuns em mercadorias.
Encontramos métodos muito semelhantes quando a Polícia Militar brasileira entra nas favelas, quando bandos armados narcoparamilitares atacam o povo garífuna em Honduras; nas forças repressivas disparando de helicópteros contra as multidões que se mobilizaram na região andina do Peru, e tantos outros casos impossíveis de descrever neste espaço.
Não nos enganemos: não são excessos, nem desvios pontuais, mas, sim, um vasto projeto de militarização a quatro mãos (forças armadas e policiais, juízes, governantes e crime organizado) que fortalece as empresas extrativas. Quando vemos as mães e os guerreiros buscadores usar suas próprias mãos por falta de recursos, mas ainda assim ser capazes de desenterrar o horror, não podemos ignorar que as autoridades se colocaram a serviço dessa guerra de espoliação, garantindo a impunidade dos perpetradores.
A dor e somente a dor é a fonte do conhecimento. Não podemos esquecer quando pais dos estudantes de Ayotzinapa levantaram o lema “Foi o Estado”, lavrado com o sangue de seus filhos e a tortura psicológica, tanto pela ausência quanto pela forma como desapareceram.
Agora, essa dor nos diz que estamos diante de uma rede criminosa capaz das maiores atrocidades, como destacou, há alguns dias, o jornalista mexicano Jonathan Ávila, do CEPAD.
Sabemos que não existe e nem existirá vontade política para acabar com a violência de cima. Por isso, a pergunta é: o que vamos fazer? Como movimentos, povos e sociedade em conjunto, fazer o que os de cima não querem fazer. Porque para deter a violência, existe apenas um requisito: colocar fim a este sistema capitalista predatório e genocida que vê as adelitas, os panchos e os emilianos (os pobres de baixo) como seus inimigos.
O primeiro ponto é entender que estamos todos na mira do capital. Nos anos 1970, desapareciam com você, se fosse um guerrilheiro, estudante, operário ou camponês organizado que lutava. Essa lógica mudou radicalmente. Agora, o simples fato de existir, de respirar e viver pertencendo aos de baixo faz de você uma vítima potencial. Por isso, mais do que nunca é necessário gritar: somos todos Ayotzinapa. Somos todos Gaza. Somos todos Teuchitlán.
O segundo é seguir o exemplo das buscadoras e os guerreiros. Organizarmo-nos. Colocarmos o corpo, as mãos e os corações. Ficarmos lado a lado para proteger e resgatar os nossos, tornarmo-nos barricadas coletivas para deter a barbárie, ou seja, os bárbaros. Não há outro caminho, nem atalhos, nem leis, nem governantes que irão cuidar de nossas vidas em meio aos extermínios.
Entendo que são aprendizagens muito duras, extremas, que supõem vencer tanto o medo quanto a solidão, os insultos e, pior, a indiferença e as tentativas de lucrar política e materialmente com a nossa dor. Mas tenhamos claro que não podemos esperar nada além de nossos esforços coletivos, aqui e agora, enquanto pudermos.