27 Fevereiro 2025
"Para os grandes atores globais, qualquer coisa que não seja crescimento dos lucros e das rendas é apenas um vínculo a ser contornado ou afrouxado, incluindo as várias legislações ambientais, sociais e fiscais. Esse capitalismo conhece apenas a ética do aumento dos fluxos e dos ativos econômicos e financeiros; todo o resto é apenas um meio para esse único fim", escreve Luigino Bruni, professor titular de Economia Política na Lumsa de Roma e diretor científico da Economia de Francisco, publicado por L'Osservatore Romano, 25-02-2025.
Aqueles que amam a paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e de resistência pela frente.
Em sua curta história, o capitalismo teve uma relação ambivalente com a democracia, com a paz e com o livre mercado. De fato, a história às vezes – basta pensar no nascimento da Comunidade Europeia – confirmou a tese de Montesquieu – “O efeito natural do comércio é trazer a paz” (L'Esprit des Lois, 1745). Em outras ocasiões, e talvez as mais numerosas incluindo a atual, os fatos, ao contrário, deram razão ao napolitano Antonio Genovesi: “Grande fonte de guerras é o comércio”, porque “o espírito do comércio é o mesmo daquele das conquistas” (Lezioni di economia civile, 1769). Qual é, então, a relação entre o espírito do capitalismo e o espírito de paz, da democracia e da liberdade? Após a implosão da grande alternativa coletivista, o novo capitalismo do século XXI é caracterizado por uma notável biodiversidade de formas e culturas empresariais.
Essa variedade de instituições econômicas – da pequena empresa à multinacional, das empresas benefit às private equity – cria um efeito de cortina que faz esquecer que o núcleo do sistema capitalista vive e cresce impulsionado por um único objetivo: a maximização racional da riqueza na forma de lucros e, cada vez mais, de rendas. Esse é o núcleo que impulsiona todo o variegado movimento do nosso capitalismo. Para os grandes atores globais, qualquer coisa que não seja crescimento dos lucros e das rendas é apenas um vínculo a ser contornado ou afrouxado, incluindo as várias legislações ambientais, sociais e fiscais. Esse capitalismo conhece apenas a ética do aumento dos fluxos e dos ativos econômicos e financeiros; todo o resto é apenas um meio para esse único fim.
Entre os meios podem até estar a democracia, o livre mercado e a paz, mas não são necessários. O espírito do capitalismo e dos capitalistas é adaptativo e pragmático: se em uma região do planeta há democracia, livre comércio e paz, eles se inserem nessas dinâmicas democráticas, liberais e pacíficas e seguem com seus negócios; mas, assim que o clima político muda, com perfeito cinismo, mudam de linguagem, de aliados, de meios e usam guerras, ditaduras, tarifas, populistas e populismo para continuar perseguindo seu único objetivo. E se, em circunstâncias ainda diferentes, do passado e do presente, alguma grande potência econômica vislumbra em possíveis cenários bélicos, não liberais e não democráticos, oportunidades de ganhos maiores, não tem nenhum escrúpulo em favorecer essa mudança, porque, vale a pena repetir, o telos, a natureza desse capitalismo não é nem a paz, nem a democracia, nem o livre mercado, mas apenas lucros e rendas. Ontem e hoje.
Basta pensar, como um grande e incômodo exemplo, no advento do fascismo na Itália. Não teríamos tido vinte anos de fascismo sem a escolha das elites industriais e financeiras da Itália de usar aquele grupo de esquadrões de espancamento para se protegerem do concreto e possível “perigo vermelho”, convencidos de que o Estado liberal não o faria. Diante do medo de perder riquezas e privilégios, aquele capitalismo italiano (a maior parte dele) não teve escrúpulos em abandonar a democracia, a liberdade, o livre mercado e favorecer o surgimento do regime fascista. A economia corporativa fascista, que conquistou e contaminou grande parte dos economistas liberais italianos e católicos, apresentava-se como uma superação tanto do “sistema liberal-individualista que havia dominado as nações civilizadas durante o século XIX até a guerra quanto do comunismo: desejava-se um sistema que mediasse entre os extremos, superando-os. Aqui, também, revela-se a harmonia do espírito latino” (Arrigo Serpieri, Principi di Economia Politica Corporativa, 1938, p. 2.931). E Francesco Vito, um importante economista católico, escrevia em sua Economia Política Corporativa: “A tarefa da nova economia consiste essencialmente na assunção consciente dos fins sociais no lugar da concepção individualista da sociedade que prevaleceu até agora” (1943, p. 85). De fato, a teoria individualista liberal não convinha mais ao capital, e eis que estava pronta a nova economia corporativista e estatista, apresentada como a expressão máxima do espírito latino.
Na primeira edição de sua revista Gerarchia, Mussolini se perguntava: “Para que lado vai o mundo?”, e respondia afirmando “a inegável constatação da orientação para a direita dos espíritos” (fevereiro de 1922), e alguns anos depois diria: “Hoje enterramos o liberalismo econômico” (novembro de 1933).
Assim, quando necessário, o espírito do capitalismo se torna o oposto do espírito do mercado, porque acaba coincidindo com o espírito bélico de conquista. Porque o mercado também é um dos meios que o capitalismo às vezes usa, se e quando melhor atende aos interesses dos capitalistas e de seus representantes-agentes políticos. Hoje estamos atravessando uma nova fase de aliança entre o espírito capitalista e o espírito bélico e iliberal, que está trocando as democracias pelas “liderocracias populistas nacionalistas e protecionistas. Ontem os medos eram “vermelhos” (que, no entanto, estão sempre no horizonte do Ocidente), hoje são aqueles da imigração, de uma globalização rápida demais, da mudança climática (à qual se responde negando-a), do empobrecimento da classe média. Aqueles que amam a paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e de resistência pela frente.