21 Janeiro 2025
"As “bravatas” de Trump nos dão a dimensão de como será sua orientação na política externa: tentar moldar o mundo - até mesmo geograficamente - de acordo com os interesses estratégicos estadunidenses", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 20-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Basta olhar para um mapa mundial para entender o que Donald Trump está pedindo: não é uma piada, mas algo muito sério. Ter o controle da placa territorial norte (aquela que inclui os EUA, o Canadá e a Groenlândia) significa dominar todo o hemisfério norte, incluindo as rotas do Ártico. Os EUA nos ensinam que o poder é medido não apenas pela quantidade e qualidade dos armamentos (que certamente contam), mas também pela capacidade de acesso. E os EUA são o único país do mundo que tem acesso a todos os lugares, com bases de todos os tipos. O sonho de Pequim seria imitar os estadunidenses por meio do acesso aos mares do sul (Taiwan barra o caminho) e ao Oceano Pacífico.
No entanto, a posse da Groenlândia (onde já existem bases dos EUA) também permitiria colocar as mãos em uma mina de terras raras única em seu gênero. A Rússia também pode fazer isso na Sibéria, mas lhe faltam as capacidades tecnológicas e o dinheiro para criá-las. Pelo menos por enquanto. Portanto, Trump dá um passo adiante. Ele provavelmente não quer entrar em guerra contra Ottawa ou Copenhague, mas com certeza os intimidar: uma maneira de fazer com que cedam facilmente aos próximos avanços estadunidenses sobre tratados e condições leoninas em relação à exploração da área.
O Canal do Panamá é um assunto diferente: trata-se de uma questão de tornar seguros os estreitos. Lucio Caracciolo fez um estudo recente (que pode ser encontrado on-line) sobre os estreitos, incluindo aquele do Panamá, é claro. A questão para Washington é primordial: garantir a passagem de um oceano para o outro de forma permanente.
A empresa Salini (hoje WeBuild) duplicou o canal com uma obra realmente gigantesca que agora permite a passagem de navios maiores, como os supercontêineres. Deve-se dizer que, durante as obras, as relações com a autoridade do canal (juridicamente separada do governo do país) não foram fáceis, mostrando que nem tudo corre bem.
É provável que os estadunidenses tenham disputas abertas ou não queiram problemas. Com sua típica maneira truculenta e direta, Trump quis deixar claro que não será maleável: uma forma de reafirmar que os Estados Unidos serão “grandes novamente”. É preciso dizer que ameaçar um aliado da OTAN como a Dinamarca (muito próxima da rede Echelon Five Eyes, a propósito) cria um vulnus na aliança: outra mensagem do magnata para nos dizer que a OTAN não é sua prioridade.
Quanto ao Canadá, que está passando por uma crise política interna, o objetivo é enviar uma mensagem aos conservadores que estão prestes a vencer a próxima eleição: vamos entrar em acordo para reduzir o déficit comercial. Aqui há um ponto que Trump terá que esclarecer: se os Estados Unidos quiserem continuar sendo a única superpotência mundial, deveriam aceitar também ser o comprador de última instância e não tanto um país exportador: assim se explica a supremacia do dólar. Para entender isso, basta observar como as relações comerciais com o Japão evoluíram.
O único setor em que deveria haver um monopólio absoluto é o de tecnologia militar e a pesquisa relacionada a ele (como a inteligência artificial e o setor espacial). Mas, por enquanto, Trump pensa o contrário, colocando-se no mesmo plano da China: quer que os EUA produzam “mais de tudo” para vender no exterior. Isso tem a ver com política interna (mais empregos) e não com estratégia global.
Por fim, mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América significa voltar um olhar interessado para o último estado da América do Norte: o México, justamente.
Já durante seu primeiro mandato, Trump apontou o dedo contra os mexicanos, tanto pela imigração (o famoso muro que nunca foi construído) quanto pelo Nafta, o acordo comercial que lhes permitiu herdar parte da produção manufatureira estadunidense. Há uma piada por lá que diz que “um carro EUA passa oito vezes pela fronteira” antes de ser colocado nas ruas. O Nafta também beneficia várias empresas italianas que se colocaram no “diamante” (o quadrilátero industrial mexicano) para produzir a baixos custos e exportar tanto para o norte quanto para o Brasil.
No entanto, não seria conveniente para os Estados Unidos “absorver” o México de nenhuma forma: eles correriam o risco de importar também muitos de seus problemas de criminalidade, dos quais já estão sofrendo vários efeitos.
As “bravatas” de Trump nos dão a dimensão de como será sua orientação na política externa: tentar moldar o mundo - até mesmo geograficamente - de acordo com os interesses estratégicos estadunidenses.
Afinal de contas, os Estados Unidos se expandiram no século XIX comprando terras (mais de dois milhões de km2 com a compra da Louisiana da França), ocupando-as ou arrancando-as de seus vizinhos (do México foram tomados os atuais Arizona, Califórnia, Colorado, Novo México, Nevada, Texas e Utah mais algumas coisinhas). Trump renova esse método, mas com as ferramentas do século XXI. Se trata assim amigos e aliados, o que fará com os inimigos?