16 Julho 2024
Lucio Caracciolo, diretor da Limes, a mais respeitada revista de geopolítica italiana, fala sobre o atentando contra Donald Trump no final de semana passado. Para ele, na sociedade dos EUA, "o ódio já existe, o atentado não é um evento solto, o confronto entre Trump e Biden é apenas o reflexo de uma situação que vem se deteriorando há anos em um país dividido, onde os trumpianos pensam que são a América e vice-versa", explica. Além disso, comenta a situação geopolítica da Europa e os impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia.
A entrevista é de Francesca Paci, publicada por La Stampa, 15-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lucio Caracciolo, como acordam os Estados Unidos após o atentado de Butler?
Com a consciência de que há pelo menos duas Américas, a que se encarna em Trump e aquela que desgastadamente se agarra a Biden. O risco é que nos Estados Unidos, com 450 milhões de armas para 330 milhões de habitantes e um certo hábito à violência, isso não seja apenas um episódio. De um certo ponto de vista, esse atentado não deveria causar surpresa, porque ocorre em um clima já verbalmente violento e, portanto, perfeito para o deslizamento para a violência física.
E agora? O ódio chamará mais ódio?
O ódio já existe, o atentado não é um evento solto, o confronto entre Trump e Biden é apenas o reflexo de uma situação que vem se deteriorando há anos em um país dividido, onde os trumpianos pensam que são a América e vice-versa. Uma situação em que há uma América a mais.
A guerra civil que se aproxima terá impacto sobre a política externa estadunidense, que até agora tem mantido uma linha homogênea?
A falta de homogeneidade é um fato. Há tempo, todos parecem estar posicionados nesse clima do qual deriva a derrota de Biden, a começar por Zelenski, que está em uma situação crítica, sabendo que em breve a ajuda, se é que existirá, não será mais a mesma.
Os conspiradores estão enlouquecendo.
Ouviremos de tudo, o suposto assassino está morto e nunca saberemos a verdade. Dirão que não foi ele. Mas não é a história de Kennedy, algo fora do comum: esse atentado está dentro do esperado, perfeitamente dentro do clima atual.
Putin deve estar rindo satisfeito.
Não acho que Putin esteja tão tranquilo, porque a guerra desgasta até mesmo aqueles que aparentemente estão ganhando no terreno. Mas não devemos pensar apenas em Putin, pois aqui se abre uma oportunidade para os adversários dos Estados Unidos e seus aliados não tão fiéis que estão pensando em recortar para si um espaço autônomo, como a Turquia. E uma fase incerta se abre para o Ocidente, que está preocupado com o fato de Washington agora terá prioridades diferentes da sua segurança.
O que muda para a UE a aceleração da história dos EUA?
Muito. A Europa não entendeu o terremoto de 22 de fevereiro de 2022. Os países ocidentais continuam pensando na invasão da Ucrânia como uma ferida que mais cedo ou mais tarde vai se curar, enquanto os orientais estão convencidos de que Putin, dado como acabado alguns anos atrás, possa chegar a Paris. A Europa ainda não se sintonizou com o novo mundo que mudou tão rapidamente.
A última reunião de cúpula da OTAN nos diz que estamos em nova corrida armamentista?
É preciso fazer uma distinção. Um país como a Polônia já gasta 4% do seu PIB em armas e logo aumentará para 5%. Há os países bálticos, a linha de frente antirrussa, e há aqueles que anunciam, mas não fazem. A verdade é que há falta de recursos, inclusive humanos, para uma economia de guerra, poucos europeus estão prontos para se alistar pela pátria, especialmente no oeste. Os Estados Unidos têm seus próprios interesses. A Europa não tem forças armadas para se defender e sempre contou com a Mãe América, mas essa ajuda agora será menos garantida, seja quem for que ganhar a Casa Branca.
Não está na hora de a UE planejar um exército comum?
Não, porque não há nenhum sujeito político que possa falar, um ministro da defesa requer um estado e nós somos 27, com histórias diferentes e ideias diferentes sobre quem é o inimigo. Além disso, caso isso fosse possível, levaria décadas. Vamos começar com coisas concretas, como um rearmamento mínimo para existir e o vínculo atlântico, sem o qual tudo pode acontecer.
Putin é uma ameaça militar para a UE?
A UE é vasta. Para a Irlanda não é, para os escandinavos poderia ser. Mas não me parece que Putin tenha a intenção de invadir a Europa e, caso tivesse, não poderia fazer muita coisa, pois isso significaria transformar a Rússia em um país em guerra. Além disso, Putin não tem os recursos para ir mais longe.
Será a Terceira Guerra Mundial?
As guerras acabam se tornando guerras mundiais depois de tê-las combatido, foi assim com a primeira e a segunda. Quando começa, nunca se sabe. Mas as guerras sem política e sem diplomacia se expandem, preocupa-me o fato de não ver nem uma nem outra, tudo é confiado às armas e tudo poderia acontecer.
A diplomacia é suficiente para se defender em um mundo de valentões?
A alternativa é a selva. Felizmente, ainda existem pessoas que raciocinam. Também hoje há negociação, nos bastidores. A Rússia e os Estados Unidos, por exemplo, têm mecanismos de diálogo semiautomáticos. Exceto a Ucrânia em luta pela sobrevivência, é a Europa que corre o maior risco, esmagada no confronto entre os EUA e a Rússia, no qual por enquanto é Pequim quem vence.
Em nome da diplomacia, a Europa deveria desistir de fazer respeitar o direito internacional em seu território?
Não existe um sujeito europeu e, portanto, não pode exercer nenhuma ação diplomática, não há um Blinken europeu. Alguns países europeus têm uma moeda comum, mas isso não significa nada do ponto de vista político. Quem fala em nome de 27 países com opiniões diferentes? O que é viável é que alguns países compartilhem a responsabilidade por iniciativas como a mediação de Sarkozy na Geórgia em 2009 ou em Kiev em 2014. Infelizmente, hoje não vejo essa convergência.
2014 é, para a Ucrânia, o sinal verde para a invasão de 2022.
Os fatos hoje estão no terreno: em abril de 2022, a Rússia estava em choque com aquela que pensava teria sido uma campanha vitoriosa de três dias e que, em vez disso, estava se revelando uma derrota. Foi feito um acordo com a disponibilidade logística turca, mas a Grã-Bretanha disse não porque, com Moscou de joelhos, sonhava com o golpe de misericórdia. Infelizmente ou felizmente, esse não foi o caso e hoje as condições mudaram.
Se a Ucrânia tivesse rejeitado o Memorando de Budapeste e mantido o arsenal nuclear, teria sido invadida?
Acredito realmente que não, mas naquela época Kiev tinha 2.000 bombas atômicas e era a terceira potência mundial, ninguém teria aceitado uma Ucrânia assim, nem mesmo os Estados Unidos.
Se a dissuasão não vence, os prepotentes vencem.
A dissuasão durou até 2022, quando Putin mostrou que não tinha medo dela. Hoje, com os Estados Unidos no caos, é difícil reconstruí-la. E quanto aos prepotentes, sou contra a personalização da guerra. Se Putin morresse, a situação não mudaria. A Rússia é a Rússia. E a Ucrânia sabe que nunca voltará às fronteiras de 1991. A negociação hoje não diz respeito às fronteiras, mas é sobre o status da Ucrânia, desmilitarizado como quer Putin ou atlanticizado para garantir sua segurança. Sabendo que a entrada de Kiev na OTAN é uma promessa destinada a permanecer no papel, especialmente com estes Estados Unidos.
Trump vencerá?
Biden pode ser substituído. A questão de saber se ele pode representar os Estados Unidos não tem a ver com o futuro, mas com o presente. E quanto mais o tempo passa, mais Trump se torna o provável vencedor.
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EUA. “O país está cheio de armas e o ódio aumenta, há duas Américas e que não se falam mais”. Entrevista com Lucio Caracciolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU