06 Janeiro 2025
Existe um tema geek-marxista que é fundamental para a compreensão do mundo de hoje. Na sua recente palestra-homenagem a Giovanni Arrighi, em torno da noção de “imperialismo”, o filósofo marxista Étienne Balibar aponta duas “retificações” à problemática leninista.
Uma síntese do artigo é publicada por Pablo Iglesias, diretor do Canal Red TV, professor associado de Ciência Política na Complutense, publicado por X, 05-01-2025.
Imperialismo fase superior do capitalismo?
Wallerstein e os teóricos do sistema mundial, bem como os teóricos da dependência, demonstraram que não é verdade que as características essenciais do capitalismo sejam perceptíveis a partir da análise das suas formas “avançadas”.
Pelo contrário, o que é decisivo é a relação de dependência entre centro e periferia. Nisto prevalecem outros modos de produção que não o trabalho assalariado, que não são menos “capitalistas”, mas sim apoiam-se em outras modalidades de exploração da força de trabalho.
A dependência é mútua, mas não simétrica. Sempre existiu como um correlato do capitalismo, o que significa que o imperialismo do capital é original e não uma fase tardia (e menos ainda “última” ou superior) na história do capitalismo.
Nunca houve uma forma de capitalismo que não fosse imperialista, embora as suas formas tenham sido constantemente transformadas. O imperialismo não é, portanto, uma noção escatológica.
A História caminha para o Socialismo?
Aqui Balibar aponta um certo Antonio Gramsci como sendo o responsável final por esta segunda retificação a Lenin.
As novas fases capitalistas que se caracterizam por uma nova configuração de classes são separadas por momentos de incerteza histórica em que as contradições não se resolvem sem revoluções. Até agora todos concordam.
Esta ideia pode parecer banal, mas torna-se problemática se admitirmos que a revolução pode avançar em direções opostas. O próprio Gramsci delineou esta ideia (difícil para um comunista!) através da categoria paradoxal de “revolução passiva”.
Gramsci usou esta noção para descrever as transformações industriais, sociais e culturais do “Fordismo”.
O que queremos dizer?
Bem, basicamente aos compromissos de classe que, nos Estados Unidos sob o nome de New Deal e na Europa sob o nome de “social-democracia”, reformaram o capitalismo com o apoio de uma fração importante da classe trabalhadora organizada.
As políticas neoliberais, que começaram a tomar forma durante os últimos anos da Guerra Fria e se tornaram dominantes à escala global após o colapso dos regimes comunistas (com exceção da China), permitem-nos dar mais um passo em direção a esta ideia.
A transformação do sistema capitalista imperialista no final do século XX foi efetivamente uma contrarrevolução. Mas contrarrevoluções também são revoluções.
Para entender onde estamos, Balibar propõe a noção de capitalismo absoluto. Ele usa "absoluto" em dois sentidos; tanto por analogia com a “monarquia absoluta” (não teme nenhum rival), como por oposição ao “capitalismo histórico” que recalibra.
Por que Balibar não se contenta com a categoria de neoliberalismo?
Porque tal categoria corresponde apenas a uma parte das características que caracterizam o novo capitalismo. O capitalismo absoluto que prevalece hoje é intrinsecamente pós-socialista e pós-colonial.
É pós-socialista, porque soube utilizar as instituições e os poderes do Estado, que se fortaleceram durante o “momento socialista” da economia mundial (1917-1968), ao mesmo tempo que empreendia o desmantelamento ou a dissolução do sistema sistema de direitos sociais.
É necessário destacar aqui a especial importância do estudo das transformações “pós-socialistas” ocorridas na China comunista.
A China é o estado líder na evolução mundial. A China é ao mesmo tempo típica e excepcional em sua maneira de “superar” o socialismo em busca de um novo capitalismo. Por ser mais intensamente socialista, o país lidera a construção de um novo capitalismo.
Mas o capitalismo absoluto também é pós-colonial, porque a tendência à mercantilização total da existência e à deslocalização foi alcançada pela quebra das barreiras dos impérios e pela abertura das economias periféricas ao capital.
Na economia globalizada, a polarização das condições sociais pode ter sido redistribuída, mas não foi de forma alguma atenuada. Pelo contrário, atingiu níveis sem precedentes de pobreza e insegurança em massa, por um lado, e concentração de riqueza e poder nas mãos de uma pequena minoria de financistas e rentistas, por outro.
Mas sua distribuição geográfica e nacional está mudando. As fronteiras que dividiam o mundo do “capitalismo histórico” foram redesenhadas. Não há dúvida de que a privação extrema continua concentrada no “Sul”, principalmente na África e no Sudeste Asiático.
Mas é também no “Sul” que surgem os exemplos mais agressivos do novo capitalismo financeiro e industrial. Daí o problema com a ideia de uma estratégia “anti-imperialista”, que uniria os países do “Sul global” e representaria seus interesses comuns.
Por outro lado, os processos de precarização e reproletarização acentuam-se no “Norte”, onde os trabalhadores estão cada vez menos protegidos. Isso não deixa de provocar reações sociais violentas, chamadas de "populistas", que não são nada progressistas.
Existe um “Norte” no “Sul” e um “Sul” no “Norte”. A divisão da humanidade em condições desiguais, característica do capitalismo e intimamente ligada à estrutura do imperialismo, ainda está presente, mas sua topografia ou sua "geometria" sofreu uma revolução.
Não se trata apenas de uma questão de redistribuição de grandezas econômicas e demográficas, mas de uma nova divisão do mundo.
Leia o texto completo de Balibar em “Armas para pensar” do Diario Red, uma coletânea de textos editada por Carlos Prieto del Campo, aqui.
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A noção de 'imperialismo'. Duas 'retificações' apontadas por Étienne Balibar, que introduz a noção de 'capitalismo absoluto' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU