Por: André | 14 Julho 2015
“Assim como a imensa maioria dos gregos, nós, franceses, queremos a construção europeia, mas a queremos muito diferente. Nós sabemos que não podemos perder uma oportunidade como esta.”
A reflexão é de Etienne Balibar, filósofo, e publicada por Página/12, 12-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Por que os franceses acompanham os sucessivos episódios da crise grega com tanta paixão, como se a própria sorte estivesse em jogo? Porque é isso que está ocorrendo. Cada um de nós tem suas razões pessoais, profissionais e intelectuais. Mas o fundo é político: é a atualidade da política, sua resistência à “governança”, sua capacidade de reconquistar o lugar que deve ocupar em uma sociedade de homens livres.
Creio que estas cinco hipóteses podem ser compartilhadas, embora eu seja o único responsável por elas.
A primeira: os cidadãos franceses (e não franceses) acompanharam com paixão a luta inteligente, obstinada, corajosa, de um governo e de seus dirigentes decididos a respeitar o mandato com que foram investidos. Compreendemos paulatinamente que o objetivo das “instituições” e da “grande coalizão” que governa neste momento a Europa não era o de tirar a Grécia da catástrofe na qual a afundaram nem ajudá-la a reformar as estruturas “corruptas”, mas encurralá-la em uma rendição humilhante, para que o seu exemplo não se espalhe como mancha de óleo. Também se deram conta, por ocasião do referendo, de que as notícias propaladas por Bruxelas, pelo Eurogrupo, etc., e divulgadas majoritariamente por nossa imprensa, estavam distorcidas. Havia alternativas!
A segunda: que estão em vias de dar-se conta do problema da reativação da democracia, da qual depende a legitimidade dos poderes que nos representam em cada país da Europa. Os gregos dão o exemplo e resolvem um problema que, claro, não poderá ser solucionado por eles sozinho. O argumento martelado nas últimas semanas – “A vontade popular de um país não pode prevalecer sobre os tratados” – foi modificado para “não pode prevalecer sobre a vontade dos outros 18 países”. É verdade. Ainda é preciso que se consulte estes outros países, nas formas ativas postas em prática por Tsipras e seu governo. O nível de exigência democrática está em vias de crescer na Europa.
A terceira: os gregos, dentro da oposição à orientação dominante na construção europeia, encarnam uma verdadeira modalidade de esquerda. Eles destroçam em mil pedaços o estereótipo de “populismo” (ou de “extremismo”, supostamente confundidos na mesma demagogia e na mesma hostilidade de princípio à construção europeia). Tsipras é pró-europeu e é contra a política das finanças. Não temos nada disto na França, onde a contestação inclina-se antes para a Frente Nacional. Isto nos interessa e nos interpela.
Daí a terceira razão: que política de esquerda para hoje? Que discurso, que práticas militantes, que objetivos tem que ter uma esquerda digna desse nome no século XXI? Na França, vivemos um momento depressivo, entre uma esquerda que se aliou ao liberalismo dominante, que esqueceu todos os seus compromissos, e uma “esquerda da esquerda” dividida, muitas vezes verborrágica ou vacilante. Olhamos para o Syriza ou para o Podemos para encontrar inspirações, embora fosse melhor falar de emulação, já que não há modelo traduzível ou idêntico.
Quarta razão: a resistência do Syriza aos ditados mortíferos da Troika, a luta que tem que travar agora (porque o referendo não resolve nada, só volta a embaralhar algumas cartas e redobra as apostas) prova que a economia comporta escolhas. É em si mesma uma política. E a grande maioria dos economistas (inclusive o FMI) sabe que é necessário reestruturar a dívida e sair da austeridade. Mas a grande questão é o desenvolvimento concertado e solidário das sociedades do continente. Em uma França que está deslizando para a decadência e a injustiça, esta questão ressoa com força.
Enfim, e não é uma questão menor, Tsipras, seu governo e seu povo disseram claramente que o seu objetivo não é o fim da Europa (para o qual, ao contrário, nos precipitam o dogmatismo e a obstinação dos nossos “dirigentes” atuais), mas sua refundação sobre novas bases. O “momento constituinte” sobre o qual falaram alguns de nós desde o início da crise, está ali, diante de nós. Só terá chances de se materializar quando a opinião pública, em todo o Continente, mudar bastante, e muito rapidamente, para evitar o Grexit (a expulsão de um país da comunidade) e para fazer, em seguida, as seguintes perguntas: qual Europa? Para quem? Com que meios? Assim como a imensa maioria dos gregos, queremos a construção europeia, mas a queremos muito diferente. Nós sabemos que não podemos perder uma oportunidade como esta. Obrigado, Alexis Tsipras, por nos dar esta oportunidade.
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Queremos outra Europa. Artigo de Etienne Balibar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU