09 Julho 2025
"Na única forma comum, devemos reunir as diferentes sensibilidades e as diferentes culturas. Até os amantes do latim são contemplados: mas não com outra forma ritual, mas apenas com uma língua diferente (mais antiga, porém menos viva) da mesma forma ritual. Ninguém poderá razoavelmente se opor a isso. Mas apenas a isso", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por Come Se Non, 08-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como era de se esperar, não foi preciso esperar muito tempo após a eleição do Papa Leão XIV para ver surgir nos círculos tradicionalistas o pedido de "restabelecimento" da liberdade de uso do Vetus Ordo (VO), como havia sido previsto pela motu proprio (MP) Summorum Pontificum (SP). Para atender a esse pedido, algumas ações diversivas foram tomadas: atribuir a MP Traditionis Custodes (TC), que revogou a SP, ao capricho de um papa excessivamente progressista, ou chamar em causa as conspirações de uma cúria que joga com cartas marcadas, ou, por fim, denunciar a falta de senso de tradição de amplos setores da teologia e da pastoral. Esses são os comportamentos típicos dos amigos tradicionalistas, contudo frequentemente acompanhados de insultos a autoridades e ideias: não deve causar grande surpresa, eles são assim. O mais arriscado, porém, consiste em permanecermos presos à sua narrativa, que instaura uma espécie de "luta" entre diferentes textos de motu proprio: um "bom" (o de 2007) e um ruim (o de 2021); um liberal e um liberticida; um que acolhe e um que segrega; um aberto e um fechado, etc. etc.
Toda essa história, na verdade, não passa de uma armação, uma mistificação: é simplesmente uma narrativa falsa. As coisas não são de forma alguma assim. A tradição litúrgica foi alterada gravemente pelo MP de 2007, que introduziu uma lógica de "paralelismo litúrgico geral" nunca antes considerado concebível ou razoável na história. O MP de 2021 simplesmente trouxe a condição litúrgica eclesial de volta ao seu regime clássico e tradicional. O SP interrompeu arbitrariamente, com uma aposta um tanto temerária, uma tradição secular, que sempre considerou o rito anterior superado sempre que uma reforma geral intervinha. Assim, introduziu sub-repticiamente um princípio pós-moderno de apego ritual, que é individual e, como tal, destrói a unidade da Igreja. Cada sujeito e cada comunidade podia escolher, essencialmente de forma arbitrária, qual rito usar para celebrar a Eucaristia e todos os outros sacramentos e sacramentais.
No documento que, em 2011, dava aplicação administrativa ao SP, chegava-se a construir um "monstro jurídico": deveria ser considerado um "grupo litúrgico", habilitado a solicitar a celebração da VO um grupo composto por apenas três pessoas, até mesmo pertencentes a três dioceses diferentes! Dessa forma, com essa ficção jurídica realmente escandalosa e da qual ninguém na cúria parecia se aperceber, as coisas se multiplicaram artificialmente: em três dioceses, três grupos de VO podiam ser formados, compostos por apenas três sujeitos, cada um pertencente a uma diocese diferente. Uma bela obra-prima de mistificação eclesial e litúrgica, com direito a selo papal!
O TC supera esse regime de exceção, eliminando qualquer paralelismo geral entre diferentes formas do mesmo rito e trazendo a Igreja de volta à unicidade normal da lex orandi. Uma única liturgia para uma única fé: as diferenças, certamente necessárias, são internas a essa unicidade e ocorrem por tradução e inculturação.
Por isso, hoje é útil compreender que não se trata de alimentar o cabo de guerra entre dois MPs, mas de garantir a completa superação da lógica do MP na liturgia. Com um MP, a reforma litúrgica era posta em questão. Com outro MP, 14 anos depois, a ordem litúrgica natural foi restabelecida: é isso que a tradição sadia deseja. Um sinal da doença da tradição é pensar em estabelecer “regimes de favor” para modos de celebrar que contradizem aberta – e inevitavelmente – o Concílio Vaticano II. Para entrar nessa nova perspectiva, que supera a lógica de contrapostos MPs, devemos superar as duas justificativas fundamentais que tentaram dar fundamento ao SP: a suposta eternidade do ritual sagrado e a não contradição de duas formas diferentes do Rito Romano. Vamos examiná-las uma a uma, para superar todas as resistências do regime de exceção:
a) A suposta eternidade do ritual sagrado
A partir do SP, começou a circular um suposto princípio, que está expresso no texto do MP e que se repetirá pelos 14 anos de vigência do texto e que depois continua a ser frequentemente invocado, ainda hoje, por vozes como as do Cardeal Sarah e de Dom Georg Gaenswein. A proposição, citada por SP, afirma: "O que as gerações anteriores consideravam sagrado, permanece sagrado e grandioso também para nós, e não pode ser subitamente completamente proibido ou até mesmo considerado prejudicial. É dever de todos nós preservar as riquezas que se desenvolveram na fé e na oração da Igreja e dar-lhes o devido lugar."
Esse é o "princípio", que poderíamos chamar de "princípio da imutabilidade do sagrado", que pretende estabelecer sistematicamente, em 2007, uma construção jurídica bastante ousada, que beira a "ficção": desse princípio pretende-se derivar uma "vigência paralela" de duas "formas" ou "usos" do rito romano, que, no entanto, se contradizem, pois a segunda nasceu para emendar, corrigir, integrar e converter a primeira. O princípio, de fato, reconstrói a "continuidade" como vigência contemporânea de formas não coerentes entre si. Aqui há um vício lógico, histórico, espiritual e teológico que prejudica tanto a reconstrução histórica quanto a solução prática: pretende estabelecer, em vista de uma suposta reconciliação, um paralelismo ritual entre "forma ordinária" e "forma extraordinária", o que, na realidade, mina em sua raiz a paz eclesial. O que o TC observou, principalmente no plano sistemático, é a inconsistência desse princípio. Deve-se notar também que esse princípio não é de natureza teológica, mas sapiencial. Não deriva de um conhecimento sistemático, mas de uma sensibilidade cultural extrínseca, que se inclina ao saudosismo e que confunde a continuidade da tradição (garantida pela reforma) com a permanência do ordo vetus em relação ao novus. Uma espécie de ‘irreformabilidade’ da liturgia e da Igreja. É chamado de princípio, mas é apenas um preconceito.
b) A não contradição entre duas formas diferentes do rito romano
O segundo “pressuposto”, que também encontra seu fundamento no texto do SP, afirma a não contradição entre duas formas diferentes do rito romano. E, portanto, tenta demonstrar não apenas que a reforma litúrgica não é ameaçada pela possibilidade reconhecida a cada “grupo” de poder celebrar com um rito não reformado, mas também que a coexistência entre as duas formas rituais não só não causaria problemas, como também enriqueceria mutuamente o velho com o novo e o novo com o velho.
Esse raciocínio carece de qualquer consideração da história. De fato, dois aspectos da questão devem ser cuidadosamente distinguidos:
– entre duas formas do rito romano (por exemplo, entre o rito carolíngio e o rito tridentino) não há nenhuma contradição, precisamente porque um era celebrado no século IX e a outra no século XVII. Da mesma forma, entre um rito romano celebrado no século XIX e um rito diferente, fruto da reforma do Vaticano II, celebrado no século XXI. A diferença temporal permite superar a contradição e reconhecer a continuidade mesmo na diversidade.
– em vez disso, no caso de pretender basear a continuidade na “vigência contemporânea” de formas contraditórias do mesmo rito, não se gera paz, mas apenas maior conflito. As diferentes formas litúrgicas, de fato, são a expressão não apenas do culto, mas também da fé, da Igreja e da relação com o mundo que evolui e muda ao longo do tempo. Assumir como não contraditória a vigência contemporânea de formas rituais, uma das quais foi a reforma explícita e intencional da outra, é uma contradição lógica. Na mesma paróquia, não pode ser celebrado Cristo Rei no fim de outubro ou no fim de novembro. Assim se criam duas igrejas em conflito que se chocam não apenas na data da festa em questão.
É por isso que insisto em dizer: vamos sair da lógica de dois MPs concorrentes. A reforma litúrgica tem sua própria linearidade essencial, que não pode ser alterada por intervenções externas: a lex orandi desejada pelo Concílio e implementada por Paulo VI e João Paulo II, com os novos Ordines, não tem nenhuma "outra forma" do rito romano em paralelo.
Na única forma comum, devemos reunir as diferentes sensibilidades e as diferentes culturas. Até os amantes do latim são contemplados: mas não com outra forma ritual, mas apenas com uma língua diferente (mais antiga, porém menos viva) da mesma forma ritual. Ninguém poderá razoavelmente se opor a isso. Mas apenas a isso.
À luz do que brevemente sintetizei aqui, fica claro que as “formas do rito” são também formas da Igreja e “formas de teologia eucarística”. Talvez muitas pessoas não percebam que a liturgia que é fruto da Reforma conciliar não é simplesmente uma “cerimônia diferente”, mas também uma “teologia mais rica” da Missa, assim como de todos os sacramentos e sacramentais. A riqueza do novo Ordo Missae implica uma concepção mais rica e articulada da relação entre corpo sacramental de Cristo e corpo eclesial de Cristo: basta pensar na riqueza da liturgia da palavra, na riqueza dos prefácios e orações eucarísticas, no enriquecimento das palavras sobre o pão e o cálice, na relação estrutural entre oração eucarística e rito da comunhão... tudo isso se encontra apenas no NO e tem exemplos no VO. Uma teologia eucarística à altura dos tempos não pode recuar para uma forma ritual demasiado clerical, que separa consagração e comunhão e que carece de uma experiência da Palavra tão rica e articulada. A escolha da VO não é a escolha da Missa em latim: é a escolha de uma Igreja e de uma “ordem das prioridades” (eclesiais e espirituais) que já não existe mais e da qual o Concílio Vaticano II oficialmente se despediu.