09 Julho 2025
A liberdade religiosa no Brasil foi formalmente estabelecida em diferentes momentos históricos, mas seu marco legal mais definitivo está na Constituição Federal de 1988.
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, em artigo publicado por EcoDebate, 09-07-2025.
No período colonial (1500-1822), o catolicismo era a religião oficial do Império português, com perseguição a outras crenças (como religiões indígenas e africanas). Os não católicos (como judeus e protestantes) enfrentavam restrições.
No Império (1822-1889) aconteceu uma limitada prática da liberdade religiosa. A Constituição de 1824 (Art. 5º) manteve o catolicismo como religião oficial, mas permitiu outras crenças em cultos domésticos. Mas só católicos podiam ocupar cargos públicos.
Na República (1891 em diante) houve separação entre Igreja e Estado. A Constituição de 1891 (Art. 72, §3º) estabeleceu: fim do catolicismo como religião oficial, liberdade de culto para todas as religiões. Protestantes e espíritas ganharam mais espaço, mas crenças afro-brasileiras ainda sofriam perseguição.
A Constituição de 1988 foi um marco da pluralidade e consagrou a liberdade religiosa como direito fundamental. O Art. 5º (VI), estabeleceu: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
A Lei nº 9.459/1997 criminaliza a discriminação religiosa e o Decreto nº 9.759/2019 regulamenta políticas de proteção à liberdade religiosa, embora a violência e discriminação religiosa ainda sejam problemas graves no Brasil.
A tabela abaixo mostra a transição religiosa brasileira com diminuição das filiações católicas, aumento das filiações evangélicas, do grupo sem religião e das outras religiões. Entre 1940 e 2022, os católicos passaram de 96% da população para 56,7%, os evangélicos passaram de 2,7% para 26,9%, o grupo sem religião passou de 1,4% para 9,3% e as demais religiões passaram de 0,9% para 7,1%.
Em 1940, existia um monopólio quase completo da Igreja Católica que englobava 95% da população brasileira. Apenas 5% da população se filiava aos outros três grandes grupos religiosos. Porém, o quadro foi ficando mais plural e diverso ao longo das últimas décadas.
O Índice de entropia de Shannon (ou índice de diversidade de Shannon) é uma medida usada para saber o quanto uma população é diversa. Ele foi criado originalmente para estudar a biodiversidade (como se distribuem as espécies em um ambiente), mas também serve para entender diversidade cultural ou religiosa.
Quanto mais igualitária a distribuição das categorias, maior a incerteza sobre qual categoria poderia ser encontrada se selecionasse um item aleatoriamente. Imaginando 4 categorias religiosas e cada uma com exatamente 25% da população, a escolha de uma pessoa aleatoriamente, seria muito difícil prever a religião dela, pois todas são igualmente prováveis. Essa é uma situação de alta incerteza e, portanto, alta entropia.
Quanto menos igualitária (mais desigual) a distribuição, ou seja, se uma ou poucas categorias são altamente dominantes, menor a incerteza. Imaginando que uma categoria religiosa tem 90% da população e as outras três dividem os 10% restantes, no caso de uma escolha de uma pessoa aleatoriamente, seria muito provável que ela pertencesse à categoria dominante. Há muito pouca surpresa ou incerteza. Essa é uma situação de baixa incerteza e, portanto, baixa entropia.
Entre 1991 e 2022, o Índice de entropia de Shannon da distribuição religiosa brasileira aumentou de 0,358 para 1,564. Esse aumento mostra que o país ficou mais plural e diverso em termos religiosos. Ou seja: há uma distribuição mais equilibrada entre católicos, evangélicos, pessoas sem religião e outras religiões.
Supondo que a transição religiosa mantenha o mesmo ritmo do último período intercensitário, a tabela mostra (números em vermelho) a distribuição para os quatro grandes grupos em 2030, 2040 e 2049, como calculado e projetado no artigo “A transição religiosa no Brasil: 1872-2049”, publicado aqui no Portal Ecodebate (Alves, 09/06/2025). Nota-se que, nesta hipótese, o índice de Shannon continua subindo e alcança o valor de 1,782 em 2049, o que indica menos desigualdade e maior pluralidade religiosa no país. Neste cenário, nenhum grupo possuirá maioria absoluta.
Reprodução: EcoDebate
Em alguns municípios uma estrutura mais diversa já ocorre em 2022. A tabela abaixo mostra a evolução da transição religiosa na cidade de Seropédica que foi emancipada de Itaguaí em 1991. Nota-se que Seropédica já tinha uma distribuição mais plural na década de 1990 e avançou na heterogeneidade nas décadas seguintes.
Os católicos abarcavam 54,7% da população municipal em 1991 e diminuíram para somente 19,7% em 2022. No mesmo período os evangélicos passaram de 20,6% para 46,3%, o grupo sem religião passou de 21,6% para 22,4% e as demais religiões passaram de 3,1% para 11,5%. Os evangélicos e os sem religião já superam os católicos em 2022. O índice de Shannon era de 1,094 em 1991 e subiu para 1,260 em 2022.
Reprodução: EcoDebate
Portanto, mesmo com a mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos a pluralidade religiosa continuou aumentando na cidade. O caso de Seropédica é paradigmático, pois pode ser um caso extremo ou pode estar antecipando o que pode acontecer com a média estadual em mais de 30 anos. Os católicos foram ultrapassados não só pelos evangélicos mas também pelo grupo sem religião.
Ou seja, a cidade de Seropédica e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro podem prenunciar o que vai acontecer com uma parte do Brasil de amanhã. Na média nacional, a maior probabilidade é que a distribuição religiosa brasileira será mais equilibrada, heterogênea, plural e diversa.
ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.
ALVES, JED. A transição religiosa no Brasil: 1872-2049, Ecodebate, 09/06/2025
ALVES, JED. Transição religiosa em Japeri (RJ) e no Brasil, Ecodebate, 16/06/2025
ALVES, JED. Nem aceleração nem estagnação, a transição religiosa continua, Folha de São Paulo, 18/06/2025
ALVES, JED. a questão não é se os evangélicos irão ultrapassar os católicos, mas sim quando, O Globo, 13/06/2025
ALVES, JED. Brasil menos desigual com o avanço da transição religiosa, Revista Exame, 19/06/2025