08 Fevereiro 2025
"A Eucaristia não é simplesmente um legado cultural. É mais do que uma apresentação emocionante ou um belo ritual que simboliza a transcendência. E a liturgia vai além da estética. A liturgia tridentina é uma expressão cultural, amplamente voltada para os católicos tradicionalistas", escreve Thomas P. Rausch, em artigo publicado por America Magazine, 31-01-2025.
Recentemente, encontrei-me com um estudante, um jovem católico afro-americano que conhece a tradição católica mais do que a maioria. Ele estava preocupado com o fato de que a Igreja deveria desempenhar um papel mais profético ao chamar atenção para os problemas sociais contemporâneos. Enquanto conversávamos, comecei a perceber que ele via isso principalmente como uma responsabilidade das autoridades eclesiásticas, e não como algo que recai sobre todos os fiéis, que são comissionados pelos sacramentos do batismo e da Eucaristia a uma vida ativa na vivência do Evangelho. Podemos perguntar: como a Eucaristia responde às suas preocupações? E como podemos celebrá-la de maneira que apoie e alimente os fiéis?
A Eucaristia não é simplesmente um legado cultural. É mais do que uma apresentação emocionante ou um belo ritual que simboliza a transcendência. E a liturgia vai além da estética. A liturgia tridentina é uma expressão cultural, amplamente voltada para os católicos tradicionalistas. Existem outras formas, mais sensíveis às culturas locais. Mas o que sinto falta em muitas discussões sobre a liturgia é a preocupação com a teologia que fundamenta a Eucaristia, especialmente com o sentido transformador de missão que ela representa. O apelo pareceu mais pessoal do que comunitário. Havia pouca percepção do "nós" da liturgia. As reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II foram um esforço para responder a essa preocupação.
Entre as críticas à liturgia tridentina está o fato de que ela reduzia os fiéis a um papel passivo. A liturgia era em latim, que já não era uma língua comum. Os fiéis ficavam praticamente em silêncio; eles "ouvia" ou "assistiam" à Missa. Na Alemanha, o padre "lia" a liturgia. O envolvimento com os símbolos litúrgicos era praticamente exclusivo do sacerdote "celebrante". Ele saudava a congregação silenciosa, lia as Escrituras, rezava a oração eucarística – a grande oração de ação de graças (eucharistein) da Igreja – em um tom praticamente inaudível e distribuía o sacramento. Seu papel principal era "confeccionar" a Eucaristia.
Os membros da congregação não compartilhavam a saudação da paz nem respondiam às orações; esse papel era desempenhado por dois meninos pré-adolescentes (sem meninas, é claro). Para receber a Comunhão, os fiéis se ajoelhavam no genuflexório para serem alimentados pelo sacerdote, que colocava a hóstia diretamente em suas línguas. O genuflexório separava o santuário – o "lugar sagrado" que os leigos geralmente não podiam adentrar. Eles também não tocavam nos vasos sagrados. Muitos acompanhavam a liturgia rezando seus terços, enquanto outros seguiam a missa com seus missais, que traziam os textos em latim e em inglês.
O Vaticano II mudou tudo isso. Uma das primeiras preocupações do Concílio foi "a reforma e a promoção da liturgia", tratada em uma de suas primeiras constituições, a Sacrosanctum Concilium. Os bispos ensinaram que, acima de tudo, "os fiéis devem ser levados àquela participação plena, consciente e ativa nas celebrações litúrgicas, que é exigida pela própria natureza da liturgia" (nº 14). Esse foi o princípio fundamental para a renovação litúrgica. Acrescentaram que "o povo deve ser incentivado a participar por meio de aclamações, respostas, salmos, antífonas e cânticos, bem como por meio de ações, gestos e atitudes corporais. E, nos momentos apropriados, todos devem observar um silêncio reverente" (nº 30). A Sacrosanctum Concilium foi aprovada pelos bispos no Vaticano II com apenas quatro votos contrários.
Uma das reformas mais significativas foi a recuperação da teologia da assembleia litúrgica. Joseph Jungmann, S.J., uma autoridade em história da liturgia, escreveu o seguinte sobre o cristianismo primitivo em seu livro Liturgia Pastoral:
"[A] liturgia é essencialmente um culto público corporativo, no qual o Amém do povo ressoa, como nos diz São Jerônimo, como um trovão celestial; há uma conexão estreita entre o altar e o povo, um fato constantemente confirmado pela saudação e pela resposta, pelo discurso e pelo assentimento, e reconhecido nas formas verbais das orações, sobretudo pelo uso do plural."
Os documentos pós-conciliares enfatizaram que toda a assembleia, e não apenas o sacerdote, celebra a Eucaristia. Entre outras fontes, a Instrução Geral do Missal Romano afirma que "a celebração da Eucaristia é a ação de toda a Igreja".
O Pe. Louis Cameli argumentou recentemente na revista America que a participação na Eucaristia significa mais do que assumir um papel litúrgico. Quando participamos da Eucaristia, unimo-nos ao mistério de Jesus, que se oferece ao Pai pela salvação do mundo, dando-nos parte em sua vitória sobre o pecado e a morte. A Eucaristia é sobre missão. No final da missa, como membros do corpo de Cristo, somos enviados com a exortação: "Ide em paz, glorificando o Senhor com vossas vidas". Damos testemunho da boa nova do reino de Deus quando expressamos as bem-aventuranças em nossas vidas.
Cristo age através de seu corpo, a Igreja, chamando os cristãos a um discipulado messiânico e ao amor (como propôs Johann Baptist Metz), revelando Deus como um Deus de compaixão (Albert Nolan), tornando a presença de Deus visível no cuidado com o próximo (Edward Schillebeeckx), libertando as pessoas da opressão e dos sistemas de poder desumanizantes (Elisabeth Schüssler Fiorenza), continuando as práticas do Reino de Deus, curando, exorcizando, perdoando e ensinando, trabalhando para transformar a sociedade (Terrence Tilley) e tirando os crucificados da cruz (Jon Sobrino).
Para ajudar os católicos a se familiarizarem com a tradição bíblica, o Vaticano II introduziu um Lecionário com um ciclo de dois anos para os dias de semana e um ciclo de três anos para os domingos. O Lecionário foi tão bem-sucedido que foi adotado por várias igrejas protestantes.
Práticas desnecessárias ou repetitivas foram eliminadas. Por exemplo, no Missal Romano pré-conciliar, o presidente fazia o sinal da cruz mais de 20 vezes.
Com o novo Sacramentário de Paulo VI, publicado em 1970, a liturgia recuperou várias práticas tradicionais. A missa passou a ser rezada na língua vernácula. O altar foi virado para o povo. A congregação passou a responder diretamente às invocações do presidente, um salmo responsorial foi adicionado às leituras, leigos passaram a servir como leitores e os fiéis levaram os dons no ofertório.
A maioria dos católicos acolheu essas mudanças. Mas nem todos. Um pequeno grupo de tradicionalistas resistiu às reformas, clamando pela contínua disponibilidade da Missa Tridentina pré-Vaticano II. Alguns rejeitaram o próprio Concílio e entraram em cisma, seguindo o exemplo do arcebispo Marcel Lefebvre. Outros queriam permanecer em comunhão com a Igreja e com o sucessor de Pedro, mas eram vocais sobre seu amor pela liturgia tradicional em latim, com sua beleza, reverência e senso de transcendência.
Em um esforço para reconciliar os católicos mais tradicionalistas, o Papa João Paulo II emitiu duas vezes indultos (em 1984 e novamente em 1988) permitindo o uso limitado do rito tridentino. Antes de conceder essa permissão restrita, ele consultou os bispos do mundo todo; apenas 1,5% eram favoráveis. O Papa Bento XVI, sem consultar os bispos, foi muito além; em 2007, ele concedeu permissão geral para o uso da Missa pré-conciliar por meio do Summorum Pontificum, emitido motu proprio, chamando o rito tridentino de “forma extraordinária” do rito romano.
Suas intenções eram as melhores; ele queria reconciliar a Sociedade São Pio X, do arcebispo Lefebvre, com a plena comunhão da Igreja e esperava que os dois ritos pudessem se enriquecer mutuamente. No entanto, a maior disponibilidade da liturgia tridentina ajudou a alimentar as “guerras litúrgicas”, especialmente em situações em que ela contrastava fortemente com as práticas atuais da Igreja; por exemplo, o rito do lava-pés na liturgia da Quinta-feira Santa permanece uma cerimônia exclusivamente masculina em tais celebrações. Para alguns, como argumentou o Papa Francisco, a liturgia tridentina tornou-se um símbolo de rejeição ao próprio Concílio Vaticano II e aos ensinamentos do papa.
Por fim, o Papa Francisco decidiu que precisava agir. Após uma “consulta detalhada” com os bispos conduzida pela Congregação para a Doutrina da Fé, ele emitiu, em 16 de julho de 2021, a carta apostólica Traditionis Custodes, restringindo a celebração da Missa tridentina. No final de uma carta complementar aos bispos, o Papa Francisco expressou pesar pelos abusos litúrgicos de todos os lados, acrescentando:
“No entanto, entristece-me que o uso instrumental do Missale Romanum de 1962 seja frequentemente caracterizado por uma rejeição não apenas da reforma litúrgica, mas do próprio Concílio Vaticano II, alegando, com afirmações infundadas e insustentáveis, que ele traiu a Tradição e a ‘verdadeira Igreja’.”
Ele pediu aos bispos que garantissem que “toda liturgia seja celebrada com decoro e fidelidade aos livros litúrgicos promulgados após o Concílio Vaticano II.”
É contrário ao Concílio sugerir que a liturgia tridentina é superior à liturgia pós-Vaticano II, ignorando a teologia que ela expressa. Nossa liturgia atual, apesar da tradução menos que adequada de 2011, expressa reverência quando o presidente ora em vez de simplesmente desempenhar um papel. Ela deve ser celebrada com cuidado, sem pressa ou excesso de palavras, evitando múltiplas introduções e comentários. Uma liturgia reverente incorpora momentos de silêncio. Sinais não-verbais podem ajudar. O acompanhamento musical não deve ignorar a rica tradição musical da Igreja.
Assim como os primeiros cristãos, também nós encontramos o Cristo ressuscitado na fração do pão. Entramos no sacramento por meio do ritual e dos sinais. Através deles, o sacramento nos anima. Eles tocam tanto nossa mente quanto nosso coração; nos energizam. O batismo nos dá de beber do mesmo Espírito (1 Cor 12,13). A Eucaristia nos une como corpo de Cristo para participarmos de sua missão. Tornamos Cristo visível quando testemunhamos o Evangelho com nossas vidas. Foi isso que tentei explicar ao meu estudante visitante.