13 Junho 2025
"No século XX, a loucura antissemita do Terceiro Reich atingiu selvagemente o povo judeu. Retornou em outubro de 2023. Mas hoje a ameaça mortal vem também de dentro, de uma política que perverte a identidade judaica que afirma defender. Uma forma de autodestruição, que é uma realidade vertiginosa".
O artigo é de Anne-Marie Pelletier, publicado por Le Monde, 10-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Anne-Marie Pelletier é professora emérita, doutora em ciências das religiões, Prêmio da Amizade Judaico-Cristã da França em 2023. Escreveu La Vie au risque de l’autre. La Bible contre l’identitarisme" (Desclée de Brouwer).
Diante da política criminosa conduzida em Gaza pelo governo de Benjamin Netanyahu, é impossível se calar e não levantar a questão da proporcionalidade da resposta ao pogrom cometido pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, explica a teóloga Anne-Marie Pelletier. Devemos absolutamente falar, a todo custo. Há meses, muitos amigos de Israel mantêm o silêncio.
Qualquer palavra de deploração pelos eventos em Gaza é considerada uma traição. E, claro, para esses amigos do povo judeu, está fora de discussão o risco de alimentar o antissemitismo, que provoca danos tão graves. Acrescenta-se a isso o fato de que, no caso de ser cristão, diante do drama de vinte séculos de antijudaísmo, a cautela é dupla. Então, acabamos nos calando. Com o coração partido. Mas a abominação, que hoje atinge ápices de crueldade naquela que se tornou uma terra de terror absoluto, obriga a ir além.
O governo de Netanyahu é simplesmente criminoso, de maneira abominável, como os piores regimes criminosos. Os colonos na Cisjordânia, coniventes com ele, não passam de fanáticos assassinos. É por isso que não nos deixaremos mais intimidar. Na Rússia de Putin, ousar criticar a agressão contra a Ucrânia é um crime que leva a anos de prisão. Torna-se impossível, aqui entre nós, falar que matar de fome e destruir a população de Gaza é um crime contra a humanidade? E que, sim, o governo de Netanyahu é um bando de homens cheios de ódio? E que o primeiro-ministro de Israel um dia terá que prestar conta de seus atos? Falar dessa maneira não significa, de forma alguma, justificar o inimigo criminoso, o Hamas. Devemos rejeitar categoricamente essa acusação.
Ficamos profundamente chocados pela barbárie de 7 de outubro. Um evento que trouxe à tona a horrenda realidade de séculos de pogroms. Ficou demonstrado que nada poderia detê-lo, que o Estado de Israel não protegia nenhum judeu da barbárie secular que acompanhou a história do povo judeu. Afinal, o pogrom de Kielce, em julho de 1946, no qual judeus poloneses sobreviventes do Holocausto foram massacrados, não era justamente a prova aterradora de que o antissemitismo podia resistir a tudo, até mesmo à tragédia absoluta? Que era um veneno que continuaria a circular. De fato, encontrou novas causas, dessa vez em solo do Oriente Médio, envolvido na dolorosa história do pós-guerra mundial. Confirmação disso está no kibutz de Beeri ou Kerem Shalom, em 7 de outubro de 2023.
O massacre só poderia ser paralisante e exigir uma união inabalável contra o mal. No entanto, desde o início, o plano do primeiro-ministro israelense de aniquilar o Hamas causou um profundo mal-estar, tão irreal, tão insensato parecia. Ficou logo evidente que o destino dos reféns era apenas marginal no plano daquele governo. Mas, do outro lado da balança, a crescente onda antissemita nos levava a deplorar em silêncio a tragédia do Oriente Médio. Sabemos como está se desenrolando, a fuga para frente de um poder sem outra estratégia exceto a destruição. Por mais diferentes que sejam as coisas, é a linguagem que Putin usa, no mesmo momento, em relação à Ucrânia, que não deve, não pode existir aos olhos do déspota.
Só que Israel é Israel, e não o regime neossoviético que, do Kremlin, espalha o terror ad extra e ad intra. Israel constituiu-se, desde o seu início, como testemunha de uma humanidade universal, de uma lei moral que não é a simples gestão, mais ou menos eficaz, das nossas problemáticas relações humanas, mas que é a condição sine qua non da vida, e da vida boa, "o caminho para a felicidade", para uma humanidade inteiramente criada "à imagem de Deus", como está escrito no Antigo Testamento.
Aceitará o povo judeu ouvir o clamor dos seus amigos abismados ao ver que o governo de Benjamin Netanyahu pisoteia a identidade judaica e, perversamente, faz o jogo dos antissemitas? Compreenderão finalmente os nossos amigos judeus que é justamente em nome da estima e do amor ao povo judeu que hoje se podem denunciar os horrores de Gaza, a abolição da compaixão em Israel, o total esquecimento da lei do talião, que mantém a preocupação da proporcionalidade da resposta ao crime? Como não ver que, nestes dias, Raquel [a imagem da mãe por excelência na Bíblia] tem uma dupla face: a das mulheres de Gaza que, em carroças decrépitas, fogem entre os escombros, agarrando crianças esquálidas, e aquele das mulheres de Israel, que há meses esperam, em uma angústia torturante, seus entes queridos engolidos pelos túneis do Hamas? Infelicidade insondável
A tragédia absoluta está hoje do lado de Gaza, onde a população exausta, jogada há meses de um lugar de terror para outro, não tem mais outro horizonte exceto os mortos dilacerados pelos bombardeios e a busca desesperada por água e comida. Mas é preciso dizer que a tragédia absoluta é também, ao mesmo tempo, o desvio da política conduzida pelo governo israelense.
No século XX, a loucura antissemita do Terceiro Reich atingiu selvagemente o povo judeu. Retornou em outubro de 2023. Mas hoje a ameaça mortal vem também de dentro, de uma política que perverte a identidade judaica que afirma defender. Uma forma de autodestruição, que é uma realidade vertiginosa.
Precisamente em nome da amizade judaico-cristã, essa terrível realidade deve ser enfrentada e denunciada sem hesitações. Em defesa da população martirizada de Gaza, mas também em defesa de Israel. Em memória da tradição de Israel, que atesta a convicção ética de que a violência e a vingança não são, em última análise, a garantia do futuro dos povos, e que a paz entre os seres humanos não é uma quimera, mas o verdadeiro horizonte da história.
Isso significa que, em tudo o que é objeto de tanto debate entre nós, não se trata de opiniões, sentimentos ou análises divergentes. Trata-se de designar, sem cegueira ideológica, o "bem" e o "mal", de nomear o crime e de defender a justiça. Nesse ponto, o que realmente importa é o reconhecimento da insondável infelicidade de Gaza, a urgência de restituir os seus direitos à humanidade. É evidente que esses eventos têm uma profundidade metafísica chocante. Podemos até sonhar em viver em um tempo mais normal. Mas não temos escolha e não podemos nos esquivar.