12 Junho 2025
"Nunca houve exploração mais autodestrutiva do que o abuso da acusação de antissemitismo. Barbárie para defender a 'civilização ocidental'? Terrorismo sistemático e em larga escala para combater o terrorismo? Racismo para combater o racismo? A crise da lógica evidencia uma crise de civilização, ética, cultura, não apenas política".
A reportagem é de Umberto De Giovannangeli, publicada por l'Unità, 10-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Stefano Levi Della Torre é ensaísta e crítico de arte, está entre as figuras mais influentes, no plano cultural e pela coragem de suas posições, do judaísmo italiano.
“Gaza se tornou pior que o inferno na Terra”. Isso foi denunciado pelo presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. E, no entanto, na Itália, há quem acuse os promotores da manifestação nacional do último sábado em Roma de serem pró-Hamas e de alimentar o antissemitismo.
É uma lógica elementar de guerra. Se você é a favor de um, significa que você é contra o outro. Mas se você é a favor de Israel, de qual Israel você se alinha, dado que o país está dividido? Se você é solidário com os palestinos, talvez esteja do lado do Hamas, que os levou à ruína? O Hamas e o governo de extrema-direita de Israel são ambos nossos inimigos, ambos perpetradores de crimes contra a humanidade. A acusação de que a solidariedade com os palestinos massacrados é apoio ao Hamas está na lógica dos nacionalismos que combatemos. Os nacionalismos querem se aniquilar mutuamente. A lógica da manifestação em Roma é, ao contrário, a afirmação do reconhecimento de dois povos que existem e que querem viver e estão destinados a coexistir. Se ser contra uma guerra de matança indiscriminada, de morte forçada por fome e sede, se ser contra a redução de escolas, hospitais, cidades inteiras sistematicamente bombardeadas até virarem um deserto de ruínas fosse "antissemitismo", então todas as pessoas de consciência humana normal seriam antissemitas.
E a que isso leva?
Nunca houve uma apologia mais insensata do antissemitismo. Uma exploração mais autodestrutiva do abuso da acusação de antissemitismo. E, no entanto, há aqueles que conferem ao antissemitismo virtudes inesperadas para defender crimes contra a humanidade porque foram cometidos abusivamente em nome de Israel e em nome dos judeus. O antissemitismo é uma tradição secular que está ressurgindo, mas aqueles que reivindicam em nome dos judeus, vítimas por definição, o privilégio de serem isentos de julgamento e crítica fomentam o antissemitismo porque toda reivindicação de privilégio acaba despertando hostilidade. Mesmo que se gabem de combatê-lo. Barbárie para defender a "civilização ocidental"?
Terrorismo sistemático e em larga escala para combater o terrorismo? Racismo que não reconhece a dignidade dos palestinos como seres humanos e como povo para combater o racismo? A crise da lógica evidencia uma crise de civilização, ética e cultura, não apenas política. Recentemente, um comunicado do exército israelense declarou que havia matado (como acontece todos os dias) algumas dezenas de pessoas em busca de comida porque havia suspeitos entre elas. "Suspeitos"? O fato é gravíssimo, mas também é gravíssimo que isso seja considerado uma justificativa. É o sinal do colapso dos critérios mais elementares. Atacar na multidão, quem sabe se atingiremos alguém: puro terrorismo de massacre.
Sinto sintomas que dizem que nem mesmo os reflexos condicionados a favor de Israel conseguem mais lidar com a duração e o agravamento do extermínio, essa catástrofe dos palestinos e essa catástrofe de Israel. Sinto silêncios e reticências inesperados até mesmo nas instituições judaicas oficiais, onde antes havia a explosão para definir os fatos apurados como "notícias falsas do Hamas" e o massacre sistemático como " defesa de Israel". Até o presidente da Comunidade Judaica de Milão, seguidor de La Russa e Meloni e que havia declarado no Corriere que o único baluarte contra o antissemitismo são os pós-fascistas da Fratelli d'Italia, agora se refere a Renzi. Este, por sua vez, separou-se constrangedoramente da manifestação nacional em Roma com Calenda, mas depois se declarou não hostil a ela.
Que tipo de manifestação foi a de Roma?
Uma enorme manifestação, que contou com a participação de representantes palestinos e alguém chegou a amarrar ousadamente a bandeira palestina à israelense para simbolizar uma perspectiva comum dos dois povos. Por outro lado, achei a posição do movimento estudantil palestino incapaz de fazer política, na qual o ressentimento (justificado) pela inércia e ambiguidades do passado impediu uma relação crítica com um movimento geral que está se formando: eles rejeitaram a manifestação em Roma porque ela serve aos senhores e está atrasada. Estamos todos atrasados, mesmo aqueles que sempre se moveram ou desde imediatamente após 7 de outubro de 2023. Em vista da mobilização em Roma, um apelo pró-Israel e anti-propalismo também foi publicado no "Riformista", que, no estilo extravagante e lamentoso de Fiamma Nirenstein, entre o cinismo e o sentimentalismo, encobre a catástrofe de Gaza e da Cisjordânia atacadas por colonos, e coletou vários milhares de assinaturas; mas talvez nem todos os signatários tenham lido o texto, caso contrário teriam notado o ridículo e o ridículo não convém à situação.
Em vista da mobilização em Roma, foi publicado também no "Riformista" um apelo pró-Israel e anti-pró-palestina, que, no estilo inflamado e lamentoso de Fiamma Nirenstein, entre cinismo e sentimentalismo, passa por cima da catástrofe de Gaza e da Cisjordânia agredida pelos colonos, e coletou alguns milhares de assinaturas. Mas, possivelmente, nem todos os signatários devem ter lido o texto, caso contrário, teriam percebido o ridículo, e o ridículo não convém à situação.
Recentemente, a senadora vitalícia Liliana Segre condenou veementemente a política de Netanyahu. Ela a definiu de repugnante.
Parece-me que a senadora Segre sempre tenha apresentado com autoridade sua terrível experiência em sentido universalista, haurindo da memória direta do Holocausto critérios e princípios que se aplicam a todos, incluindo judeus e Israel, não para esboçar uma justificativa para qualquer ação tomada em nome de Israel ou dos judeus. Mas certamente não quero me substituir a ela, interpretando-a. Acredito que acontecerá a muitos associar imagens do passado às de Gaza. Sou assombrado pelas fotos do Gueto de Varsóvia de 1943, com os corpos nas ruas morrendo de fome forçada, muito antes do início da transferência para o campo de extermínio de Treblinka.
A política, como o jornalismo, deveria saber o valor das palavras. Seu peso. Por que na Itália há pessoas que se revoltam, se indignam, escrevem editoriais furiosos, quando a palavra genocídio é usada para descrever o que está acontecendo em Gaza?
O escritor israelense David Grossman declarou lucidamente, após um longo silêncio, que a agressão criminosa do Hamas não consegue mais servir de explicação ao que Israel está fazendo. Afirmo, de minha parte, que a extrema-direita israelense acabou transformando aquela agressão em uma oportunidade a ser aproveitada para uma guerra que visa uma solução final para a questão palestina: com a destruição das estruturas sociais e econômicas dos palestinos, com os massacres em massa, a deportação, a limpeza étnica, com o desenraizamento definitivo da sociedade palestina da Palestina. Esses me parecem ser os fatos, então faz sentido investigar se eles se enquadram na categoria de genocídio, se os fatos estão associados declarações racistas de membros de extrema-direita do governo israelense que confirmam intenções de genocídio. Mas a acusação de genocídio envolvendo judeus como perpetradores também acarretaria uma ambiguidade específica: a de representar o conflito entre nazismo e judeus como um curto-circuito entre dois grupos criminosos, que a humanidade pode assistir como espectadora, não diretamente envolvida, isenta do ônus e das responsabilidades que derivam de crimes contra a humanidade. Poder acusar Israel de crimes afins aos dos nazistas ajuda a relegitimar o antissemitismo, incluindo aquele nazista. Isso não deve tornar a palavra "genocídio" um tabu, mas pelo menos alertar para suas consequências específicas.
A palavra genocídio também significaria que as vítimas se tornam algozes, mas aqui não se trata das vítimas do Holocausto, mas do vitimismo do nacionalismo israelense, daqueles que jogam a memória judaica no mercado da propaganda política, para transmitir a ideia de que toda opressão que exercem, toda agressão que cometem é sempre e para sempre um ato de legítima defesa. Mas o vitimismo agressivo era a lógica do fascismo e do nazismo, que se proclamavam vítimas das democracias, do comunismo e, sobretudo, de um oculto e onipotente "complô judaico".
Israel ainda é uma democracia? O Haaretz definiu o governo de Benjamin Netanyahu como um governo em que "os ministros competem para ver quem é mais fascista". Fascista, não genericamente de direita.
O fascismo se manifesta não apenas por suas características nacionalistas, autoritárias, repressivas, clericais e racistas, mas também por seu consenso de massa. Isso existe em Israel como forte tendência. A guerra a favorece, mas também aumenta a oposição. Israel é um país pluralista, multiétnico, multirreligioso e, ao mesmo tempo, laico, e essa é uma virtude que, no entanto, desgasta a democracia, que se baseia numa rede de compromissos difíceis e instáveis.
O governo de direita pretende transformar a incompleta democracia israelense numa democratura, subordinando o sistema jurídico ao executivo e acentuando o caráter da etnocracia em favor da maioria judaica em relação às demais componentes. É uma tendência semelhante à de Trump nos Estados Unidos.
Quase a metade do país havia se mobilizado, antes de 7 de outubro de 2023, contra essa perspectiva do governo. No final da guerra, haverá um acerto de contas. Não sei que país sairá dele, se entregue a uma guerra civil entre suas almas, a clerical-fascista dos colonos ou a democrática, ou se ressurgirá da catástrofe como uma democracia que derrotou seu fascismo interno, em todo caso, com graves perdas.