23 Mai 2025
O olhar de David Grossman mudou: não é mais tenso, sombrio, perdido na escuridão do pessimismo. Durante meses, o escritor mais famoso de Israel vive em exílio autoimposto: o refúgio onde o conhecemos é cercado por vegetação e poucos vestígios humanos. Nestes meses, durante dias – conta-nos – não viu vivalma e pela primeira vez na vida viveu segundo um único ritmo: o da escrita. O resultado é o olhar diferente que temos diante de nós. Não serena, certamente: mas longa, projetada para um futuro que milhões de pessoas hoje, em Gaza, nos Territórios Palestinos, mas também em Israel, lutam para imaginar.
Nesse olhar, ao lado da raiva e da dor pelo que está acontecendo na Faixa de Gaza – "Continuo dizendo aos soldados com quem converso que estamos deixando cicatrizes tão profundas que os palestinos não vão mais querer sentar e conversar conosco: e que isso é uma coisa estúpida, além de horrível" – a esperança se insinuou. Um sentimento que Grossman hoje vivencia como "uma forma de resistência" contra um governo que ele detesta e que assumiu a forma de "As Aventuras de Itamar", um livro de contos infantis que ganhará vida na segunda-feira no palco do Teatro alla Scala, em Milão, na forma de duas óperas curtas que o compositor Andrea Basevi escreveu a partir do texto.
A reportagem é de Francesca Caferri, publicada por La Repubblica, 22-05-2025.
Sr. Grossman, um livro para crianças é quase necessariamente um livro de esperança. Mas hoje é difícil ver isso…
E ainda assim está lá. A história nunca para: períodos sombrios como o que vivemos hoje são seguidos por tempos melhores. Leva anos, sem falar no futuro próximo, mas a esperança a longo prazo não morre. Em tempos difíceis como estes, precisamos dar atenção especial às crianças, estar cientes do que estamos expondo a elas. Porque se ouvimos as notícias ou ligamos o rádio, estamos acostumados com o que ele diz. Eles não o fazem e criam histórias a partir do que ouviram, dando espaço aos seus medos: medos que podem ser maiores do que a realidade que os cerca.
Livro "As Aventuras de Itamar" de David Grossman
Não creio que as crianças de Gaza possam imaginar uma realidade mais assustadora do que aquela que as rodeia…
Sempre que falo de crianças, penso nas crianças de Gaza, no que elas estão a viver, no facto de não terem uma casa, nas bombas que caem sobre elas sem qualquer proteção. Sem abrigo, sem teto. É nosso dever nos colocar no lugar deles, porque o que acontece com eles agora é nossa responsabilidade. O fato de que esta crise começou por causa do que o Hamas fez em 7 de outubro é irrelevante hoje, diante do sofrimento dessas crianças e civis inocentes.
Em Israel, aqueles que pensam como ela são uma minoria. A maior parte do país não vê o outro como nada além de “o inimigo”…
A guerra cria mais beligerantes do que pacíficos: é um círculo vicioso. Aqueles que precisavam encontrar provas da brutalidade palestina, para culpar todos os palestinos, infelizmente as encontraram em 7 de outubro. No início eu mesmo perdi a clareza. Acredito que nos primeiros dois ou três dias era legítimo desejar vingança diante de tamanha brutalidade: mas não é legítimo que depois de tanto tempo um primeiro-ministro ainda seja movido pela sede de vingança. O que estamos fazendo? Como saímos dessa situação? Queremos mais cem anos de guerra? Depois de décadas de ocupação, terror e violência: não é suficiente? O que queremos deixar para nossos filhos: mais ódio?
Você tem duas netas, de 10 e 13 anos: o que você responde quando elas pedem para você ajudá-las a entender o que está acontecendo?
Eles não perguntam mais, já cresceram. Mas, com o tempo, tomei cuidado para não expô-los a realidades que eram grandes demais para eles. O que eu quero lembrá-las é que a realidade não é um jogo de computador, que há seres humanos por trás do que elas veem na TV: que mesmo que elas leiam as coisas com os olhos de meninas israelenses, há também outro ponto de vista, o das crianças da idade delas que estão do outro lado.
Na primeira história do livro, uma criança, Itamar, aguarda o nascimento de um irmãozinho ou irmãzinha: o que você desejaria para uma criança que vem ao mundo hoje?
Ser feliz. Viver uma vida sem medo. Ter um futuro, e um futuro diferente do presente que estamos vivendo: onde haja alegria. Sei que posso parecer ingênua, mas a realidade ensina as coisas ruins às crianças: cabe a nós — avós e pais — sermos mensageiros da esperança. Mesmo diante da realidade que nos cerca, mesmo diante do ódio que a guerra cria nos corações. É nosso dever lembrar às crianças que a guerra e o ódio não são a única opção, que pessoas que lutaram entre si durante anos agora vivem em paz e se enfrentam apenas em campos de futebol.
Como Itamar e seu inimigo: um elfo azul de quem ele tem um medo terrível, mas com quem ele aprende a conviver…
É necessário cultivar a imaginação das crianças. Precisamos garantir que ela não seja sobrecarregada pela tristeza e tensão de nós, adultos: só posso imaginar o quão difícil deve ser aplicar essa ideia às crianças de Gaza hoje, mas não podemos desistir de jeito nenhum.
O senhor parece mais otimista do que há algumas semanas…
Talvez seja a distância que tomei de Israel. Nem sempre foi fácil, às vezes me senti responsável por não estar lá: mas eu precisava. Quero dizer uma coisa: não pensem que estou iludido, que vivo uma alucinação. A esperança pode não ser popular agora, mas não é impossível no futuro. Temos o dever de dar às crianças ferramentas para superar a paralisia que estamos vivenciando. O ódio tem muitos agentes: quanto mais a guerra dura, mais eles crescem. Numa situação tão ruim, ter esperança é um ato de protesto. Não podemos deixar a realidade nas mãos de covardes, de quem odeia ou de quem assiste passivamente o que acontece.
Está falando sobre paz?
A paz é uma perspectiva distante. Estou falando de diálogo, de tolerância mútua: israelenses e palestinos não poderão caminhar de mãos dadas em direção ao pôr do sol, mas chegará o momento em que terão que começar a conversar novamente. Ouvi dizer que em Gaza há pessoas protestando contra o Hamas, vejo pessoas em Israel protestando contra o governo: não é impossível ter esperança.
No La Scala de Milão, duas óperas curtas retiradas do último livro “Piccoli, grandi e Grossman” é o espetáculo para crianças que será encenado na segunda-feira, 26, às 16h, no Teatro alla Scala de Milão, como parte do projeto “Invito alla Scala”. Estas são duas óperas curtas que o compositor Andrea Basevi escreveu a partir de textos de Grossman. Os textos são retirados de “As Aventuras de Itamar”, publicado pela Mondadori na série Oscar Junior (ilustrações de Barbara Nascimbeni, tradução de Elena Loewenthal e Giorgio Voghera). As duas pequenas óperas serão interpretadas pelo Quinteto de Metais e pelos meninos do Coro Infantil, além de um cantor da Academia para o papel do pai.