08 Março 2024
Tivemos um encontro com Suleiman Khatib e Elie Avidor, ativistas dos “Combatentes pela Paz” que estarão em Itália de 7 a 10 de março, convidados da “Circonomia” para participar no Festival da Transição ecológica que será realizado em Fano de 7 a 10 de março.
A entrevista é de Sveva Haertler, publicada por il manifesto, 07-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Contem-nos brevemente quem vocês são e como introduzir o trabalho dos “Combatentes pela Paz” (CfP).
Suleiman Khatib: Nasci e cresci na área de Jerusalém, me aproximei da política quando tinha 15 anos, participando da Intifada. Passei mais de 10 anos na prisão, estudei história e aprendi a conhecer Ghandi e Mandela, a pensar de forma diferente sobre o mundo e os seus conflitos e conhecer a força da não violência que desde então decidi seguir como estratégia para a libertação dos nossos povos. O CfP é um movimento binacional no qual palestinos e israelenses colaboram para pôr um fim à ocupação e pela paz e liberdade para todos. Nosso trabalho também se concentra nas nossas histórias pessoais. O CfP foi fundado por pessoas que combateram, vivendo essas experiências nos seus corpos, que sabem que a guerra e a violência não são nem a resposta nem a solução.
Elie Avidor: Cresci em Haifa nos primeiros anos após a fundação de Israel, quando tudo girava em torno de “nós contra todos”. Juntar-se ao exército era inquestionável. Na Guerra do Yom Kippur lutei nas Colinas de Golã. Fiquei muito tempo no exterior. Quando voltei, tomei conhecimento da cerimônia em que as famílias israelenses e palestinas, no dia da comemoração dos Soldados caídos compartilhavam luto pelos caídos de ambos os lados. Lá ouvi histórias de dor, entendendo que todos sofremos e que fazemos parte desse jogo. Agora passo a maior parte do meu tempo ajudando os pastores palestinos a se defenderem dos assédios dos colonos e do exército. Estando junto com eles, ouço a sua narrativa e conto a minha, falamos em vez de combater.
Como conseguiram lidar com o 7 de outubro e com o que aconteceu depois?
Suleiman Khatib: Esperávamos uma crise. Fizemos o nosso melhor para manter a comunidade unida mostrando empatia pelo sofrimento das pessoas de ambos os lados. Em períodos como esses, em resposta ao trauma as pessoas retornam às suas respectivas tribos. Não concordamos em tudo, mas concordamos em continuar conversando uns com os outros. Não vamos competir por quem sofre mais. Não queremos fazer parte da máquina de desumanização, mas de uma solução que devolva uma dimensão humana ao sofrimento. A narrativa atual é “nós ou eles”. CfP conseguiu manter a sua nova narrativa “nós e eles juntos”. Não escondemos os nossos sentimentos nem às nossas comunidades nem entre nós. Eu sou palestino, há também um palestino de Gaza, isso não fecha os nossos corações à empatia pelas vítimas israelenses. Para nós, a ocupação não legitima prejudicar civis como aconteceu em 7 de outubro. E as atrocidades cometidas pelo Hamas não legitimam a reação de Israel, os ataques aéreos e o que está acontecendo agora.
Elie Avidor: Nestes 17 anos, as relações tornaram-se tão pessoais, fortes e íntimas, que nos tornam resilientes. Já vivenciamos guerras no passado. Desta vez é muito pior do que outras vezes. Há também aqueles que se beneficiam da guerra. O que os colonos querem é o Armagedon, o dia em que conseguirão expulsar todos os palestinos. Eles estavam apenas esperando o momento e agora acham que chegou. Na semana de 7 de outubro pensei que fosse ainda mais importante estar presente nos territórios ocupados. As pessoas me diziam que eu era louco. 16 comunidades sofreram graves violências e, onde estamos presentes, conseguimos evitar que sejam expulsas do seu território.
O que vocês acham dos protestos em curso em Israel? O que acontece nos territórios ocupados?
Elie Avidor: Antes da guerra havia manifestações contra as reformas que o governo tentava fazer, mas sem qualquer nexo com a ocupação. Insistíamos que era necessário, porque a ocupação é a causa de todo o mal: as práticas que o governo leva a cabo na Cisjordânia foram, de fato, transferidas para Israel. Queriam nos transformar em uma ditadura. No início desta guerra ninguém se manifestava. Agora as manifestações foram retomadas, muitas são pelos reféns. Continuamos a sair às ruas contra a ocupação. Ultimamente a polícia tem sido extremamente violenta. Não sabemos onde vamos parar, mas as pessoas estão com tanta raiva que vai ter que haver uma mudança.
Realizamos manifestações em Israel e também na Cisjordânia com os nossos amigos palestinos. Para eles os riscos são enormes. Se forem pegos, estará acabado para eles. Não poderão mais ter permissão para trabalhar em Israel, suas famílias serão afetadas e sabe-se lá o que mais os espera. Embora podemos fazer manifestações, precisamos de ajuda externa.
Suleiman Khatib: Existe um sistema que controla a terra, do rio ao mar, governa a mentalidade, o sistema racista e de apartheid. Vivemos no mesmo país com direitos diferentes. A curto prazo, as ajudas humanitárias são obviamente necessárias, mas no futuro teremos de encontrar uma forma de viver uns com os outros. Devemos continuar a ter esperança, propondo um modelo alternativo à radicalização. As pessoas que nasceram e vivem dentro de um conflito não conseguem escapar a essa lógica. Agora, de ambos os lados a liderança não está interessada na paz, a guerra está na sua agenda política. Mas a minha esperança é que as pessoas saiam disso juntas e exijam uma solução política. Veja a África do Sul ou a Irlanda. As pessoas também combatiam lá e agora estão no governo. Sem mudança política, as coisas podem sair do controle como vemos agora, o perigo de uma guerra regional está na soleira e devemos preveni-lo para que as gerações vindouras tenham um futuro.
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Nós, um palestino e um israelense, lutamos pela mesma paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU