07 Março 2024
"A verdadeira revolução hoje é buscar a paz! A cultura que se baseia no vínculo da paz não evita o conflito relacional, mas enfrenta-o para encontrar soluções justas e partilhadas".
O artigo é de Daniela Lucci Cassano, publicado por Riforma, 08-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, Com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. (Efésios 4:1-3 4,1-3)
Amigos e amigas ouvintes, à luz do texto bíblico de hoje, gostaria de falar a vocês sobre a paz como vínculo que cura as feridas.
O apóstolo Paulo nos diz que a paz é um vínculo. Ou seja, é uma ligação, uma conexão, não certamente no sentido de prisão; pelo contrário, a paz é um vínculo afetivo entre homens e mulheres que se fundamenta no amor. É um vínculo em que não há ninguém que domine e ninguém subserviente. O vínculo da paz funde as nossas relações com assonância, estabelece uma ligação baseada na escuta e no respeito mútuo.
Como fruto do amor de Deus, a paz entra no coração das relações humanas para combater os radicalismos e fundamentalismos que sulcam a terra e que, infelizmente, deixam atrás de si rastros de sofrimentos inenarráveis.
Este ano, no Dia Mundial de Oração, um grito de paz chega até nós da Palestina, de mulheres cristãs palestinas que vivem no meio da guerra e cuja oração se eleva a Deus para que o vínculo da paz seja mais forte do que a violência que sulca a sua terra. Eleonor, uma dessas mulheres, diante de tanto sofrimento nos diz: “Minha pele está cheia de rugas, como o tronco de uma oliveira. Como uma oliveira, testemunhei guerras e violências... mas tenho essa convicção: com amor autêntico, compreensão, cordialidade, humildade e paciência, juntos podemos ser mais fortes", mais fortes que o mal, mais fortes que o ódio, mais fortes que as guerras.
Eleanor pode fazer uma afirmação assim porque sua visão da vida está enraizada no vínculo da paz e da comunidade, um vínculo que não contempla nem redesenha fronteiras, mas que tem como objetivo criar laços de verdadeira amizade entre os povos. Sem a paz, prevalece a cultura destrutiva. No livro L’età dell’odio, a chinesa Amy Chua, que leciona na Faculdade de Direito da Universidade de Yale, fotografa com extremo realismo a triste época em que vivemos. Amy Chua se pergunta por que o ódio invadiu o mundo e por que a Besta assumiu a aparência do homem. A sua resposta é explícita: sem a paz entramos na espiral do ódio. E o ódio sempre chama mais ódio, o sangue chama mais sangue. Quando o espírito belicoso domina as consciências humanas, entra-se num círculo vicioso difícil de romper.
Um exemplo histórico esclarecedor que nos leva a quebrar o círculo vicioso do ódio vem de uma mulher com um coração pensante. Etty Hillesum, uma mulher que tinha 27 anos em 1941. Diante da barbárie nazista Etty Hillesum em seu diário fotografa lucidamente o mal que a cerca. “Meu Deus, estes são tempos tão angustiantes. Esta noite pela primeira vez eu estava acordada no escuro com os olhos queimando, diante de mim passavam imagem após imagem de dor humana". Diante desse cenário, Etty não perdeu a fé no amor de Deus e tem uma visão de paz para o futuro da humanidade que expressa com clareza inequívoca: “Mais tarde teremos que construir um mundo totalmente novo. A cada novo crime ou horror teremos que opor um novo pedaço de amor e de bondade que teremos conquistado em nós mesmos... Uma paz futura poderá só será verdadeiramente tal se tiver sido primeiro descoberta pelo ser humano em si mesmo”.
Amigos e amigas que me escutam, a humanidade não aprendeu muito com o testemunho de Etty Hillesum.
Infelizmente, a história repete-se e não podemos ficar indiferentes às guerras que cobrem de sangue o mundo. Hoje, mais do que nunca, o vínculo da paz é uma necessidade histórica e espiritual, um círculo virtuoso que todas e todos somos chamados a construir.
No que ficou para a história como o Sermão da Montanha, Jesus nos fala que só o vínculo da paz pode quebrar a espiral de violência que envolve a humanidade. Jesus fala sobre a necessidade de sermos construtores da paz. Significa que o vínculo da paz não é uma expectativa passiva do milagre, mas uma expectativa que age, que entra nas dobras da humanidade para consertar onde outros a destroem.
A paz não é uma corrida armamentista, mas um processo paciente de tecelagem, que começa em nós mesmos, das nossas famílias. A paz é um processo de libertação de toda forma de violência. É construção de sentimentos que abraçam sem possuir e sem a pretensão de dominar. A verdadeira revolução hoje é buscar a paz! A cultura que se baseia no vínculo da paz não evita o conflito relacional, mas enfrenta-o para encontrar soluções justas e partilhadas.
A palavra do apóstolo Paulo, a visão de Jesus e os testemunhos de Etty Hillesum e da palestina Eleonor nos fazem compreender que as mulheres e os homens que mudam o mundo não são os cruzados de ontem e de hoje que matam acreditando que estão dando glória a Deus. Os cristãos de ontem e de hoje que mudam o mundo são aqueles que com humildade criam vínculos de amizade e continuam pacientemente a fazer nascer brotos de paz, mesmo no meio dos escombros.
Ó Deus, que a paz possa conquistar a humanidade e ser para todos motivo de esperança.
Tu nos chamaste para semear paz, para curar as feridas, para buscar a concórdia e não a discórdia.
Num mundo dominado pelo ódio e pela indiferença, ajude-nos a tecer relações que tenham como objetivo a convivência pacífica.
Que a luz do Teu amor brilhe nas nossas escuridões.
Amém
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O vínculo da paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU