06 Abril 2022
"O que quero dizer? Que se não é possível a conversão de todos, pelo menos deveria ser possível aquela dos cientistas, dos economistas, daqueles que ocupam cargos importantes em nossas sociedades. Conversão para o quê? Para o primado da ética, não mais ter ciência sem consciência. Hoje, de fato, estas palavras de Jesus, que até há pouco tempo poderiam fazer sorrir as mentes emancipadas, parecem tragicamente reais: "se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis" (Lc 13,5)", escreve o teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Teologia Moderna e Contemporânea da Universidade San Raffaele de Milão, e ex-professor de História das Doutrinas Teológicas da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 05-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "as armas atômicas, financiadas pela política, foram concebidas e fabricadas pela ciência, esquecendo completamente a instância da consciência. O mesmo juízo vale para a economia, por sua vez guiada pela ciência (do lucro) independentemente da consciência: o resultado é a emergência climática cada vez mais assustadora".
Escrevendo a Freud em 30 de julho de 1932 (seis meses depois de Hitler chegar ao poder), Einstein perguntou: "Há uma maneira de libertar os homens da fatalidade da guerra?”. Acredito que nestes dias, todos nós estamos nos perguntando o mesmo. Foi também o sentido da pergunta que me foi feita há poucos dias num encontro com as escolas de Casale Monferrato por uma estudante: "Acredita que a paz total pode ser alcançada?".
Respondi mais ou menos assim: “A paz na sua plenitude só é possível em nível individual, na interioridade da consciência de alguns indivíduos especiais; às vezes também podem acontecer experiências de vida comunitária em que a paz reina soberana, mas excluo que ela possa se tornar a condição permanente da humanidade na terra”. Conectado online, não tive a oportunidade de ver a reação da garota e talvez por isso me vi em dúvida se havia respondido corretamente ou não: errei ao dizer a ela que a paz universal não pode ser historicamente alcançada, talvez apagando nela o ímpeto em favor desse ideal?
Na realidade, acredito que nossa mente precisa de uma utopia para a qual se dirigir, mas também deve acertar as contas com a realidade, e é dessa dialética ininterrupta entre o ideal e o real que nascem a consciência e a ação madura. Toda resignação ao status quo produz estase e aquiescência; todo ideal que ignora a realidade se transforma em ideologia e acaba gerando violência (veja-se o século XX). Voltando então à pergunta de Einstein e da estudante, o que pensar do ideal de paz universal? O que fazer para libertar a humanidade da guerra?
Em meados do século passado Norberto Bobbio escreveu um ensaio intitulado Filosofia da guerra na era atômica (agora em Ética e Política, Mondadori 2009), no qual argumentava que se pode atuar a favor da paz de três maneiras: atuando nos meios, nas instituições, nos homens. Também afirmava que o valor das três vias deve ser julgado com base em dois critérios: factibilidade e eficácia, pois nem tudo que é factível acaba sendo realmente eficaz e que nem tudo que seria eficaz é realmente praticável.
Chegando à primeira via, Bobbio observava que "o modo mais seguro para eliminar a guerra é destruir as armas", ou seja, o desarmamento. É elementar. No entanto, basta questionar-se sobre "quem" deveria destruir as armas para que a situação se complique: a resposta, de fato, indica que a destruir as armas deveriam ser os próprios operadores que as utilizam, ou seja, os Estados soberanos, pelo que Bobbio conclui que "é como se a decisão de promulgar uma lei contra o uso de bebidas alcoólicas fosse confiada a um congresso de beberrões”.
Aqueles que apoiam o desarmamento apoiam algo altamente desejável e eficaz, mas dificilmente implementável. Além disso, Anna Politkovskaya escreveu em 2004, dois anos antes de ser assassinada: “A KGB respeita apenas os fortes, ela devora os fracos. E já deveríamos saber. Em vez disso, escolhemos o papel dos fracos e fomos todos devorados" (La Russia di Putin, Adelphi). O desarmamento, realizado unilateralmente, leva a ser devorados. Em nome da paz, alguém por si só poderia até aceitar esse fim, mas não é admissível para um Estado fazer com que seus cidadãos corram o risco de serem "devorados".
Continuando sua análise, Bobbio afirma que a via mais eficaz para a paz seria a mudança da mente do ser humano, segundo aquele processo que a espiritualidade chama de "conversão", mas duvida que seja realmente viável. Eu penso que a conversão seja aquilo a que todo ser humano é chamado, rompendo o círculo do egoísmo e abrindo-se para o outro, onde esse “outro” não é apenas o “tu” humano, mas também a natureza, os animais, as plantas, o planeta. Parar de explorar e começar a curar - é isso que significa conversão.
Platão já falava disso e depois muitos outros filósofos, entre os quais Descartes, Spinoza, Kant, Fichte, Jaspers, Arendt, bem como obviamente todas as religiões. No entanto, o problema é óbvio: para que a conversão seja eficaz em vista de paz mundial, a conversão deve dizer respeito a todos os seres humanos ou pelo menos à maioria deles. Há sinais neste sentido? No início da pandemia, alguns alegavam que sairíamos melhores, isso aconteceu? E mesmo antes disso, o que aconteceu com todos os apelos à conversão ao longo dos séculos?
Nem mesmo a Igreja parece muito convertida para julgar pelos cismas, divisões, escândalos, pecados impronunciáveis. Mesmo as comunidades monásticas não reluzem por harmonia. Portanto, é necessário concluir que a conversão capaz de "vida nova" é sim possível, mas diz respeito apenas ao indivíduo e nunca pode ser usada como instrumento político para a paz do mundo.
Permanece a reforma das instituições, o que Bobbio chama de "pacifismo jurídico" e que para ele é a via mais realista. Consiste na superação dos Estados nacionais em função de um ente supraestatal ao qual cabe a resolução dos conflitos. Isso é exatamente o que Kant propunha e que levou à fundação primeiro da Liga das Nações e depois da ONU.
O problema, porém, é que dentro da ONU a lógica que prevalece é sempre aquela dos Estados nacionais, especialmente das chamadas "Superpotências" com seu permanente direito de veto, o que muitas vezes torna ineficaz a ação da ONU em prol da paz, como evidenciado pelo fato de que as guerras certamente não desapareceram desde sua fundação em 1945. É necessário, além disso, refletir sobre o status das superpotências, assim chamadas não tanto pelo poder econômico quanto pelo poder militar: o que revela como, justamente na sede do pacifismo jurídico, só seja possível ter uma palavra a respeito graças à força militar.
Nenhuma das três vias operacionais indicadas por Bobbio, há 60 anos, parece, portanto, viável com sucesso. E, de fato, a situação é a que está diante dos nossos olhos. Estamos presos? Na realidade, deve-se considerar que a paz é uma ideia “reguladora”, como diria Kant, ou seja, um ideal com base no qual regular nosso trabalho sobre a realidade. O fato de que ela não possa ser obtida por inteiro não significa que seja inútil lutar por ela. Ao contrário, é sua ausência nas mentes que gera cinismo, desconforto, agressividade, violência, guerra. Acrescento ainda que (mesmo que estes dias não sejam os mais adequados para tal pronunciamento) parece-me que posso sustentar que a violência e as guerras diminuíram globalmente em comparação com os séculos passados, e se o número de vítimas aumentou é apenas por causa do poder tecnológico alcançado pelas armas.
Consideremos a Itália: a história nos lembra de inúmeros conflitos sangrentos entre as cidades, que hoje permanecem apenas lembranças de um paroquialismo colorido. Consideremos o continente europeu: França e Alemanha, protagonistas de guerras ferozes, estão hoje unidas pela mesma moeda e pela mesma instituição política. Portanto, se a paz universal nunca será possível, isso não significa que não exista um caminho gradual (mas não linear) em direção a ela.
A grande objeção é representada pelas bombas atômicas e pela sua capacidade destrutiva para toda a humanidade. A esse respeito, é necessária esta nota decisiva: as armas atômicas, financiadas pela política, foram concebidas e fabricadas pela ciência, esquecendo completamente a instância da consciência. O mesmo juízo vale para a economia, por sua vez guiada pela ciência (do lucro) independentemente da consciência: o resultado é a emergência climática cada vez mais assustadora.
O que quero dizer? Que se não é possível a conversão de todos, pelo menos deveria ser possível aquela dos cientistas, dos economistas, daqueles que ocupam cargos importantes em nossas sociedades. Conversão para o quê? Para o primado da ética, não mais ter ciência sem consciência. Hoje, de fato, estas palavras de Jesus, que até há pouco tempo poderiam fazer sorrir as mentes emancipadas, parecem tragicamente reais: "se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis" (Lc 13,5).
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A paz não é para a humanidade, só é possível no indivíduo. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU