25 Abril 2025
No domingo passado, dia de Páscoa, ele estava na Praça São Pedro com suas filhas de dois anos e meio e nove meses.
A entrevista é de Sara Scarafia, publicada por La Repubblica, 23-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Jonathan Safran Foer, escritor nova-iorquino, autor de livros como Tudo se ilumina e Extremamente alto & incrivelmente perto, conta a impaciência das meninas. “Estava quente, estavam cansadas, nervosas. E eu continuava dizendo: 'Só temos que esperar o final. É o momento importante'. E então, algumas horas depois, ele morreu”.
Foer está morando em Roma há alguns meses, e ficará até junho. E, enquanto passeia por Testaccio em um dia que finalmente lembra a primavera, ele não esconde sua grande admiração pelo Papa Francisco. Ele o encontrou uma vez, em 2023, quando o pontífice apresentou a encíclica sobre o clima Laudate Deum a alguns intelectuais. Mas confessa que, na semana passada, passou horas escrevendo uma longa carta para ele. “Eu queria lhe propor uma entrevista para realizar um livro sobre a morte, sobre a experiência de morrer, que acredito ser algo que todos nós tememos, de maneiras diferentes”.
No sábado, ele irá ao funeral e, argumentando como judeu sobre a figura de um líder que, segundo ele, lhe propiciou uma nova perspectiva sobre as coisas, também aborda o tema espinhoso da guerra no Oriente Médio, com uma parte da comunidade judaica que não aceitou a justaposição da palavra genocídio com a chuva de bombas em Gaza.
Que tipo de papa foi Francisco?
Ele tinha uma habilidade realmente única, a capacidade de oferecer conforto que parecia autêntico. Eu não concordava com tudo o que ele dizia, mas acho que o que ele estava nos pedindo era que nos permitíssemos ser inquietados, que víssemos as coisas como elas realmente são. O estranho é que essa “perturbação” realmente traz conforto. Ficar abalado com o quanto o mundo é perturbador faz com que você se sinta melhor, porque para de contar mentiras para si mesmo. Ele foi papa em anos incríveis: o avanço das direitas em todo o mundo, Donald Trump, as redes sociais. Enquanto estávamos nos afundando rapidamente em direção ao pior, ele nos dizia que não precisávamos ser obrigatoriamente religiosos para acreditar no espírito humano; enquanto nos Estados Unidos o único credo se tornava o capitalismo levado ao extremo, ele nos mostrava que existem valores mais importantes do que os seculares.
Estamos mais sozinhos agora?
Sim. Temo pelos Estados Unidos. Quem resta? Obama? Desde que ele não é mais presidente, assinou um contrato milionário com a Netflix e fez um podcast com Bruce Springsteen. Não estou julgando, mas não é disso que precisamos.
Trump estará presente no funeral.
Acho bom que ele, que não tem respeito por nada, que não foi à posse de Biden, esteja vindo a Roma mesmo sabendo o que o papa pensava de suas políticas.
A posição de Francisco sobre Gaza (ele pediu para verificar se não estava ocorrendo um genocídio) incomodou parte da comunidade judaica.
É uma pena se perder em um debate semântico. Eu entendo por que alguém pode querer discutir sobre a palavra, eu realmente entendo. Mas essa não é a questão. Há uma quantidade intolerável de sofrimento e não importa se você acha que não havia outra maneira ou se você acha que havia muitas. Não importa se você é um sobrevivente do Holocausto ou um palestino. É fácil olhar para o sofrimento quando não se refere a você mesmo. É muito mais difícil encará-lo de frente quando lhe desafia, lhe questiona. E acredito que uma das funções dos líderes - especialmente dos líderes espirituais - é exatamente essa: nos desafiar. Pedir que olhemos, não que desviemos o olhar, justamente quando isso nos custa mais. Devemos partir de um pressuposto: uma criança morta é uma criança morta.
Devemos olhar para isso e não desviar o olhar.
Você acha que ele fez o suficiente contra o antissemitismo?
O antissemitismo é algo que é muito fácil de minimizar, mas também muito fácil de exagerar. É possível ser altamente crítico em relação a Israel sem ser antissemita. E quando nosso reflexo automático é acusar de antissemitismo, então estamos nos desviando do caminho certo. Acho que o papa realmente fez muito, aliás, mais do que qualquer outro pontífice na história, para combater o antissemitismo e falar abertamente sobre ele. Por isso, como judeu, me sinto profundamente grato.
Você o encontrou uma vez, em 2023. Que lembrança guarda?
Uma lembrança poderosa. Eu não sabia como me comportar naturalmente, se havia uma etiqueta. Então perguntei à pessoa que estava nos acompanhando o que eu deveria fazer. E ele me disse: “Seja normal, ele é normal”. Quando ele entrou na sala, todos, mesmo aqueles que o conheciam, ficaram impressionados com seu carisma. Comigo estava minha filha, que tinha um ano de idade na época (Foer mostra a foto do pontífice estendendo a mão sobre a menina em seu celular) ele me disse: “Temos que cuidar do mundo para ela”.
Qual é a sua esperança para o novo papa?
Escrevi uma breve reflexão para um jornal do Vaticano sobre o papa. E começava dizendo que a maioria das pessoas caminha sobre a terra, mas algumas deixam pegadas que outros podem seguir. Meus votos são para que o novo pontífice siga os passos de Francisco. Ele foi um modelo: ele não impunha uma maneira correta de ser, a encarnava.